ZECA E ZEFINHA

Zeca é cria do pantanal, onde vive usufruindo a beleza da fauna e da flora. O pantanal caracteriza-se por dois momentos: o das enchentes; e o das secas. E isso é um ciclo. A riqueza desse pedação do Brasil é representada por sua biodiversidade, tantas vezes ambicionada pelo homem predador. O solo é rico, passadas as enchentes, formam-se pequenos lagos, deixando o terreno encharcado, espalhando nutrientes pelo solo. Daí sua biodiversidade, sustentáculo para a sobrevivência do homem, dos animais e da mata.

Zeca é um caboclo corajoso, nada o assusta, nem mesmo o urrar de um leão, muito menos o chiar da sucuri. Conhece como ninguém as manhas dos animais, habitantes dessa imensidão do Brasil. Nas grandes enchentes, está ele com a canoa, auxiliando os vaqueiros na travessia do gado até a outra margem, numa extensão de quilômetros a perder de vista. Este pantaneiro ama a terra onde nasceu, se criou, onde teve uma infância como qualquer outra criança, também nascida ali, partilhando o espaço, até do joguinho de futebol, com os macaquinhos prego, correndo atrás da bola.

Durante suas andanças, montado em cavalo marchador, pantaneiro de “pedegree”, não perde uma festa de peão boiadeiro. A música do pantanal é uma mistura de rock, guarânia, vaneirão, incluindo a música sertaneja. É um verdadeiro “pé de valsa”. Em um desses saraus musicais conhece Zefinha. Os dois, no salão de barro batido, dançam desde guarânia até um forrozinho pé de serra. A poeira sobe e o suor desce. O par é aplaudido.

Foi do bate coxa que o forró exige que o fogo do amor acendeu a chama no coração de Zeca. O caboclo ficou alucinado por Zefinha. E ela também correspondeu, pois também sentia o coração acelerar quando de Zeca se aproximava.

Do namoro ao casamento, o tempo foi de dois anos, período necessário para que o pantaneiro construísse a choupana, ninho de amor dos dois.

O enlace matrimonial dá-se à tardinha, ao pôr do sol. A natureza toma uma cor alaranjada. De quando em vez, gaivotas, araras azuis, tuiuiús riscam os céus, em voos rasantes, saudando os noivos.

Zeca e Zefinha, apesar de terem cursado só o ensino médio, têm consciência da preservação dessa imensa terra do Brasil.

Educam os filhos Rafael e Gustavo ensinando-os a usufruírem a riqueza local, mas orientando-os para que preservem a biodiversidade que seu torrão natal lhes oferece.

Os dois são engenheiros. Rafael é agrônomo; Gustavo, veterinário. Juntamente com os pais fundam uma associação com a finalidade de congregar mais gente para que o velho pantanal continue verde, de solo rico, enfeitando-se de araras azuis, de lindas garças, de tuiuiús.

E assim Zeca e Zefinha, pantaneiros de corpo e alma, são referências em todo o Brasil, quando o assunto é a preservação do pantanal mato-grossense.

“Cai a tarde, tristonha e serena”.

Zeca e Zefinha, sentados à soleira da casa, contemplam o horizonte afogueado que se descortina à frente dos dois.

Bate-lhes no peito uma tristeza danada ao perceberem que o horizonte afogueado não é mais aquela natureza de cor laranja, no dia do casamento, há trinta anos.

Ao longe, os dois avistam fumaça e não têm mais dúvida: são as queimadas destruindo as matas e colocando os animais em desabalada correria, na tentativa angustiada de se defenderem das labaredas que os perseguem. Outros não resistem e se transformam em carvões.

A ambição humana e a ganância pelo lucro transformam o homem no maior predador daquele mundão pantaneiro.

Os olhos de Zeca e Zefinha são rios transbordando. As lágrimas escorrem pelas faces, revelando tristeza, mágoa e revolta, por sentirem que lutaram pela preservação daquela rica biodiversidade e pelo fato de perceberem que lhes falta ânimo que outrora os impulsionava a combaterem os destruidores do pantanal.

Porém uma voz alta ainda se alevanta: Rafael e Gustavo, sob o fulgor da juventude, assumem a vanguarda, tendo como instrumento de luta a palavra, arma capaz de remover céus e terra, quanto mais mudar a mente daqueles que destroem a natureza.

Armados com um carro de som percorrem cada comunidade, inclusive a dos fazendeiros, conclamando-os a se unirem em torno de uma única causa: a preservação do pantanal.

Em uma reunião, em que compareceram todos aqueles segmentos da comunidade pantanalense, ficou registrado em ata que, unidos, comprometer-se-iam a continuarem a luta a favor da vida do pantanal mato-grossense.

Os anos se passaram, Zeca e Zefinha, um dia, novamente sentados na mesma soleira da casa, comtemplam o horizonte, não mais afogueado. O sol, no ocaso, era uma bola de cor alaranjada. No firmamento, gaivotas, garças e tuiuiús embelezam novamente o céu do pantanal de Zeca e Zefinha. Diante da beleza da natureza, os dois se abraçam e suas almas sobem aos céus, entoando aleluias, pois o sonho de verem o torrão natal como no dia do casamento, é realidade.

Ainda hoje, os dois são festejados como os heróis da luta em favor da preservação da biodiversidade do pantanal mato-grossense, e mais, a comunidade instituiu fundação, Zeca e Zefinha.

Raimundo de Assis Holanda Holanda
Enviado por Raimundo de Assis Holanda Holanda em 17/07/2018
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