O fim do mundo [conto]

A televisão está falando que a Grande Guerra começou. O tom é de preocupação, e as imagens mostram enormes explosões a distância e destruição total de perto, em 360°, em HD. Rinaldo pegou o celular e as mensagens confirmavam o pior. Estocar alimentos, abrigos subterrâneos, armas, radiação, morte. As fotos de tudo proliferam tão rápido quanto a necessidade de fazer alguma coisa, também ilustradas. Respondeu várias das mensagens tentando verificar a real gravidade da merda, e o sentimento geral era de que “melhor não arriscar………..são potências nucleares……….vai ser o fim……..salve-se quem puder……..paus e pedras…….”. As notícias pediam calma com a situação, e também diziam que qualquer coisa podia acontecer a qualquer momento. “Tudo atualizado minuto a minuto”. O que fazer? O que fazer? Ligar para mãe. “Eu e o seu pai tamo vendo as notícias……...nóis não vamo pra lugar nenhum.............aqui não vai chega nada não, a natureza filtra……...se acha que vai vim algum soldado aqui? pegar o que? eu e seu pai?……...então se preocupar com o que?...........era bom se você tivesse aqui também……...aí que tá perigoso……….nóis ta vendo……...se cuida aí fio……..liga pra da notícia…….Deus abençoe…..”.

Não é assim, vai todo mundo morrer. Está todo mundo dizendo, até na televisão, na internet, no trânsito nas rodovias, nos saques nos supermercados, lojas, banco. Morrer em casa, sentado no sofá, como todo domingo. Rinaldo não tinha muito o que fazer, para onde ir. Já não dava mais tempo de comprar comida, água. Não ia se esconder no esgoto de jeito nenhum, a menos que as informações o orientasse nesse sentido. Barulho no corredor. Os vizinhos estão saindo. Pelo olho mágico ele vê malas e todos de máscara contra gases. Ele abriu a porta. “Nós vamos para as montanhas………….quanto mais alto mais chances de sobreviver………….numa caverna………..você não viu o que tão falando?...........vão começar a evacuar a cidade amanhã………..vai ser o caos………..temos que ir……..” Rinaldo voltou para dentro e pegou o celular para checar as mensagens e a nova informação. “As cidades portuárias vão ser evacuadas para o exército armar a defesa contra a invasão………...aqui pode sim ser alvo de um míssil nuclear………...perdido ou direcionado………….vai evitar mortes em massa……….as pessoas vão fugir da guerra e vir para cá………..”. Na televisão e nos jornais o sangue escorria e tudo podia acontecer. Calma, calma, calma.

O tempo está passando, tudo está acontecendo, e nada muda. As notícias informam que todos os lados lançam mão de ataques nucleares. Os mapas ilustram com flechas que indicam o caminho das bombas indo e vindo do hemisfério norte. Se os programas dos canais de TV a cabo estiverem certo não vai sobrar nada. Rinaldo prevê tremores de terra, chuvas ácidas, asfixiamento. A qualquer momento. Não vai haver introdução. De repente vai vir como o susto de uma criança que é pega em flagrante roubando uma jujuba do pote. Uma onda que vai passar e deixar tudo que não for vivo intacto, e sumir com o resto. “A polícia pede para que as pessoas permaneçam em casa………..o comandante da Aeronáutica garante que não há mísseis em direção ao país………...mísseis nucleares foram interceptados por todo mundo……….uma jovem filmou pelo celular um míssil passando pelo céu…………..o cenário desolador……….nosso enviado especial perdeu a conexão e não conseguimos contato há horas………….”. Rinaldo vai para o quarto e começa a arrumar uma mochila com algumas roupas e a única arma que tinha, um canivete. Depois volta, joga a mochila no sofá, e anda de um lado para o outro ruminando toda a vida na procura do que fazer.

Rinaldo pega o telefone e tenta ligar para sua ex-namorada. Ninguém atende. Um amigo próximo do trabalho. Ninguém atende. Outro. Ninguém atende. As mensagens continuam a pipocar. “Economizem a bateria, vão cortar a energia e o celular………….máscara de enfermagem ajuda em alguma coisa?..............tá todo mundo loco………...só as baratas vão sobreviver……..onde vocês estão? para onde vão?……...alguém aí sabe alguma coisa sobre a contaminação da água?............tem alerta de tsunami na praia………….aqui?............tô parado na estrada aqui tentando ir pra longe………......vamos todos orar, é só que nos resta……….....tô fora da cidade, mas minha esposa e minha filha estão aí, alguém pode ajudar elas, por favor?.........”. Parece que tudo vai terminar tão repentinamente quanto começou. Rinaldo não quer ser pego de surpresa mais uma vez. A internet não está funcionando direito. A TV só mostra imagens de caos e gráficos de perigo. Os analistas dizem que a guerra deve ser longa e recomendam cautela. Rinaldo não sabe no que acreditar, nem o que fazer. Ele começa a sentir que está chegando a hora de tomar uma decisão.

Cadê quem tem algum poder? Ninguém fala nada. Rinaldo pesa as coisas. As informações oficiais e não oficiais não indicam caminho nenhum. Ficar em casa, esperando. O que? O fim do mundo? Sair correndo? Para onde? Pela janela o céu ainda está azul, com algumas nuvens, quase de Monet. Sem nenhum sinal de cogumelo de fumaça, onda de radiação ou míssel. A rua no caos. Carros parados, buzinas, pessoas correndo. Sair não parece racional, ficar está acabando com ele. Ele pega a mochila e desce pela escada junto com a procissão de moradores. “Vamos a pé………..temos que ir para algum lugar………..aqui não é seguro……….vi que o exército vai sim ocupar as cidades……….já tem caças no ar para interceptar o míssil……….nós não estamos preparados……….não sei……...é culpa da nossa cultura atrasada…….”. A portaria está abandonada e o portão social escancarado. Ninguém quer entrar. Não tem comida, nem televisão gigante, nem água. Tudo aquilo ali vai virar aço retorcido e entulho. Rinaldo espera o fluxo da escada sair e fecha o portão. Outra leva vem e ele aponta a garagem. Quando todos se vão ele entra na portaria e fecha o portão de lá também. Outros surgem com malas e mochilas e Rinaldo abre o portão social, deixa de se preocupar com isso e volta para o seu apartamento.