Ariane

Ariane viu-se exatamente como era naquele dia; a luz esverdeada que adornava a imagem do santo católico permeava o pequeno cubículo retangular do velho sobrado da Rua Ceará no centro do Rio de Janeiro. Ela estivera afeita ao sofrimento resignado e houve um tempo mesmo, em que ainda conseguia perceber uma felicidade fugidia nas coisas simples da vida. Nem sempre fora aquele ser noturnamente emoldurado. Nascida Aparecida, descobriu-se Ariane após sentir nas entranhas a fome e a necessidade em um barraco de São João de Meriti. Havia perdido muitas coisas ao longo dos seus trinta anos, a última delas era a própria identidade. A ponto de não saber-se refletida no espelho e na luz do inferninho. Depois de certo tempo na lida se esquece o motivo de dar prazer em troca dinheiro: pagar os estudos, complementar a renda, não passar necessidade – os argumentos iniciais são substituídos por outros. E assim elas permanecem sendo deusas dos gozos efêmeros e freqüentadoras do imaginário feminino. O cliente daquela noite não era diferente dos outros bêbados de tantas outras noites sufocantes. Só que aquele homem imenso, a mediu dos pés a cabeça como se desejasse encontra um sentido oculto naquela situação. O cliente cujo nome Ariane havia esquecido momentos depois de seu anuncio, tinha a barba cerrada e os olhos vivos por trás das grossas lentes escuras. Não demoraram muito tempo no quarto acanhado, o suficiente para despejarem um no outro seus humores mais íntimos. Ele saíra encharcado de uma melancolia lívida e ela vestida com o mesmo indisfarçável cinismo habitual. Olhavam-se querendo sair daquele embaraço o quanto antes. O que dizer naquela hora? Volte sempre? Não se diz nada nessa hora. Ele finge que quer voltar e ela que quer que ele volte. Mas não dizem nada. Não se diz nada nessa hora.

Marcos Paulo Sodré
Enviado por Marcos Paulo Sodré em 13/09/2007
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