Foto do time do C.A.P.A. (Clube Atlético Presidente Alves) Ano 1979. Olhando da esquerda para direita, Mário Berbel em pé de camisa branca.

SALÃO IDEAL
        
Presidente Alves está situada no interior do Estado de São Paulo, faz limite com os municípios: Avaí, Gália, Garça e Pirajuí. Localiza-se a 56 km de Bauru e a 60 km de Lins, tendo como acesso principal a Rodovia Marechal Rondom (SP 300). Possui altitude de 576 metros, o que lhe confere o título de ponto mais alto da Noroeste Paulista. Sua longitude é 49º Sul e latitude, 22º Oeste. E possui uma área de 288,570 km². (dados obtidos na internet).
       

Passei estas informações apenas para o leitor saber onde fica a cidade de que estou falando, minha terra natal, onde morei até os 27 anos. Quero dizer também que quem morou na cidade ou na zona rural do município e tem pelo menos uns quarenta anos com certeza conheceu o Salão Ideal, que não era apenas uma barbearia, mas um ponto de encontro dos alvenses, principalmente aos sábados e domingos de manhã.
      
Naquele tempo, chamava-se  barbeiro o profissional que cortava cabelo e fazia barba, não como hoje cabeleireiro, e não se marcava horário por telefone, mesmo porque telefone poucas pessoas tinham em casa; a gente ia ao salão que estava quase sempre cheio e perguntava: quantos tem na frente?

       
Ás vezes, havia sete ou oito pessoas, mas apenas três ou quatro iam cortar cabelo ou barba, os outros estavam só conversando; então a pessoa se sentava e aguardava chegar sua vez.

     
Ali se falava de variados assuntos, mas principalmente de futebol. O barbeiro era Mário Berbel, um torcedor fervoroso do Palmeiras, mas que gostava mesmo do futebol; na parede, tinha pôster do time do Palmeiras, da seleção brasileira, troféus conquistados em campeonatos.

     
Era também um local onde se obtinha qualquer informação sobre futebol: tabela de campeonato de times profissionais, quem ganhou, quem perdeu, quem iria jogar com quem, a posição de seu time no campeonato, informação sobre torneio de futebol de salão e até sobre torneio de fazendas, que era comum naquela época.

   
Mário estava sempre envolvido com o time da cidade, o CAPA (Clube Atlético Presidente  Alves), como roupeiro, massagista ou qualquer outra função contanto que estivesse acompanhando o time. Quando tinha qualquer jogo na cidade, torneio de fazendas ou campeonato de futebol de salão, lá estava ele em alguma função.

     
Seu salão ficava perto da praça da matriz.  Para entrar pela porta que ficava num nível acima da calçada, tinha dois degraus; do lado do salão, um portão dava acesso a um corredor que ia até sua casa ao fundo; dentro do salão havia uma porta, que também dava passagem à casa, e acima dessa porta ficava o símbolo do Palmeiras, o famoso periquito, e uma plaquinha de madeira onde se lia, “Aqui mora um solteiro feliz”.

   
O cliente estava sentado cortando o cabelo; se chegava alguém pedindo para encher uma bola de futebol, Mário parava e ia encher a bola.  Chegava outro e pedia uma bola emprestada, uma rede, camisas ou qualquer outra coisa para jogar bola, lá ia ele novamente atender; não podia ter pressa, mas ninguém ligava pois estavam todos acostumados com as interrupções.

     
Mário, não se sabe por quê, nunca se casou. Tinha fama de ser pão duro, isso os amigos que falavam; diziam que na sua juventude teve uma namorada, mas que não deu certo porque, aos sábados, ela queria que ele fechasse a barbearia mais cedo para irem ao cinema, e como ele não gostava da idéia de perder alguns cortes de cabelo, terminou o namoro.

   
O Salão Ideal não era o único na cidade, mas era o mais frequentado; tinha outro que não era aberto em período integral, do Cridão, que trabalhava no Grupo Escolar e, nas horas de folga, cortava cabelo. Mas sobre este, não menos popular que Mário, mas por outras características, falarei em outra oportunidade.

   
Não sei dizer quando Mário começou o ofício de barbeiro, mas seu salão teve seu período de glória nos anos 60, 70; em meados dos anos 80, começaram a mudar os costumes, surgindo um novo perfil de profissional, o  chamado cabeleireiro, com cortes modernos, que lavava o cabelo com shampoo antes de cortar.

     
Muitos jovens passaram a frequentar esse novo salão, mas Mário não perdeu seus clientes antigos, foram envelhecendo juntos, tanto que nos anos noventa, ele atendia em domicilio; quando se tratava de um idoso que  tinha dificuldade de se locomover até o salão; ele pegava sua maleta com todos os apetrechos para cortar cabelo ou fazer barba e ia até a casa do cliente e, muitas vezes, amigo de longa data.

 
No final dos anos noventa, um AVC (acidente vascular cerebral), encerrou uma história de profissionalismo e amizade. Mário Berbel, já avançado em idade, ficou impossibilitado de trabalhar, com dificuldades de movimentos e ,por fim, veio a falecer em abril de 2002.

    
Mário Berbel foi assim, um homem simples, um profissional competente, amigo de todo mundo, apaixonado por futebol que viveu intensamente essa paixão e, à sua maneira, aproveitou a vida, mesmo sem ter constituído uma família.

     
Talvez aquela plaquinha em cima da porta de sua casa que dizia, “Aqui mora um solteiro feliz”, expressasse uma verdade, pois a felicidade é um conceito relativo, é algo tão subjetivo que o individuo pode ser feliz mesmo quando dizem o contrário.

 
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 11/05/2019
Reeditado em 08/11/2020
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