Zilah

Zilah acordou velha naquele dia e assim com surpresa, olhou o entorno para confirmar algum traço desta velhura que se achegava sem nenhuma cerimônia para perto de si, para dizer o mínimo. Nem abriu muito os olhos remelentos da noite porque poderia ser que o que sentia fosse apenas uma sensação e não uma realidade. Ficou ali, deitada, tentando entender o que se passava, porem, tudo parecia apontar para uma transição relâmpago, entre sua vida de moça para sua vida de velha.

A começar pelo levantar-se da cama que pareceu a ela uma eternidade ate conseguir ficar de pé. Na lembrança bem recente, aliás, a rotina era pular da cama e correr para o chuveiro e mais mil coisinhas pequenas a se fazer antes de se jogar para a rua, se maquiando e arrumando o cabelo no carro mesmo, na parada de sinaleiras, e como o transito naquele horário era trancado, podia, além de se arrumar, atualizar-se de tudo o que rolava no mundo. Na palma da mão o mundo se ajoelhava. Parecia um lapso de uma memoria recente estes fatos.

Ao sentar-se na cama e posicionar seus pés no chão notou que eles caíram perfeitamente sobre um par de pantufas peludas e quentinhas, o que a surpreendeu, pois não era acostumada a ter ao chão chinelo organizado para ser calçado. Ficou com mais uma pulga atrás da orelha e de certo modo sombria. O que mais esta manhã vagarosa estaria lhe aprontando?

Zilah não se deu conta que o que estava acontecendo era pouco frente ao que estava por vir.

Enfim resolveu que já era hora de abrir bem os olhos e levantar-se, porém, ao fazer isso percebeu em seu corpo uma relutância em conjugar ossos, músculos e articulações para que enfim pudesse dar os primeiros passos naquela manhã gelada, mas que pensando bem, assim o era fazia algum tempo, mas havia confusão de tempo ali.

Sua mente estava acelerada e o recado que enviava ao seu esqueleto recentemente desperto era de ir! Mas, algo a deteve e depois de um pensar mais detido deu-se conta que o corpo físico – arrisco em proferir - não andava conversando com a mente e assim, com um modo esdruxulo de falar, um mandava e outro não obedecia. Que sinuca de bico a Zilah se encontrava, ao erguer-se sentiu a recusa da ossada de se juntar aos músculos, a mente a intenção de andar, a cabeça de raciocinar e as pernas a obedecer.

Finalmente estava de pé e avançou alguns passos bem coordenados dando a sensação que tudo voltara a ser como antes, porque apesar de certas dores a envolverem como um todo, a mente estava tinindo, o que lhe deu a alforria dos pensamentos brumosos do inicio da manhã.

Andou um pouco mais e se surpreendeu com um detalhe. Ao olhar em volta percebeu a casa vazia e por mais que articulasse os nomes dos familiares, apenas o eco do salão principal lhe respondia o que, de pronto, não lhe causou maior preocupação. Afinal, dias corridos fazem com que todo mundo se evada de casa logo ao amanhecer sem oportunidade de articular um até logo para quem quer que seja. Zilah estranhou seu atraso nesta manhã e tentou lembrar porque não havia saído à rua como todos da casa haviam feito. Não lembrou.

Continuou a arrastar os chinelos e com mais medo do que coragem foi verificar como as coisas estavam no restante da residência. Alarmou-se porque descobriu que aquele não era o lar em que havia passado tanto tempo de vida. O lugar era pequeno, mas bem distribuído e todos os objetos e móveis que teve apreço em toda sua vida ali estavam muito bem arrumados, com os retratos da família e livros postos em lugar muito nobre e de fácil acesso.

Desta vez achou por bem não espantar-se. Alguma coisa lhe dizia que a impressão de tão cedo pela manhã ao despertar não estava de todo errada. Sim, acordou velha. Riu-se da sua demora em acreditar na intuição matutina ou, quem sabe, do sonho da noite que lhe trouxe os arroubos da juventude à baila. Não importa.

Assim, pé-ante-pé dirigiu-se à salinha exígua onde fazia as refeições. Com capricho escolheu a toalha um pouco amarfanhada e amarelada do tempo, ergueu sua taça de vinho para brindar ao fim que andava por perto, mas que afinal não havia chegado ainda e aí, nesta hora perfeita, percebeu uma companhia oculta. Tim-tim.