Um momento, duas vidas

- Lá estamos nós... Dois barcos que se afastam..

Na escuridão, dois pontos de luz afastavam-se um do outro. O resto era escuro e profundo.

Na mesa, duas mãos tocavam-se pela última vez. Dois copos cheios de bebida eram as únicas testemunhas deste último encontro. O bar estava quase deserto, e os dois eram os únicos fregueses, além de um homem debruçado sobre uma mesa afastada.

No rosto de cada um, a marca da tristeza daquele último encontro, daquele adeus. Afinal, nunca havia existido adeus entre eles. Aquele era o primeiro, e o definitivo.

Pela janela do bar, apenas a escuridão.

- Você é nova aqui...Nunca a vi antes...

- É. Transferi-me de outra faculdade. Estou parecendo estrangeira, nào conheço ninguém.

- Não, não! Já conhece a mim, que a partir de agora, já sou seu amigo e protetor.

- Não é difícil. É apenas uma questão de entender o significado das expressões.

- Vamos ver... Ah, deixa pra lá. Vem, eu pago um café. O Inglês fica pra depois.

- Olha que a prova é amanhã...

- Depois do café, revigorado, eu prometo prestar mais atenção.

- Até que foi fácil...

- É mesmo.Ainda bem que você me explicou tudo ontem, a tempo.

- Vamos almoçar em casa?

- Será que a sua mãe não vai se importar? As mães detestam comensais de última hora.

- Bobagem. Meu pessoal é simples, daqueles que acham que onde comem três, comem quatro

A brasa do cigarro era a única luz na escuridão do quarto. E Breno pensava. Não, não estava apaixonado, o que ele sentia por Marta era amizade, só, mas uma amizade enorme, quase uma dependência, e já não dava dois passos sem ela.

Marta estava deitada de lado, pensando. Em seu dedo, rolava a aliança de noivado. Tinha certeza de que amava seu noivo e que não podia viver sem Breno.

“Meu Deus, que confusão!”

“Ela é noiva, e quase dez anos mais velha que eu. Não é bonita. Não, não a amo. Apenas gosto dela. Dependo dela. Não posso viver sem ela. Vou sair.”

Cada vitrine refletia o rosto de Marta.

Cada sonho trazia Breno de volta.

- Finalmente, as provas finais! Ufa! Haja! Não via a hora de terminar esse curso!

- Breno olhou de lado, para o colega que falava. Marta ainda não chegara.

“É... O curso chegou ao fim. Já, já teremos o esperado diploma nas mãos... vazias.”

“Que pensamento idiota! Não devo sentir tanto terminar o curso; afinal, não vou morrer. E Marta e apenas uma amiga, que mesmo casada, pode continuar sendo minha amiga. Casada...O casamento está marcado para daqui a um mês...”

- Minha filha, preste atenção! Ouça o que o costureiro esta dizendo! Você anda com a cabeça nas nuvens!

- Ora, Estela, toda noiva fica assim mesmo na véspera do casamento!

Os pontos de luz afastavam-se cada vez mais ns escuridão.

- É hora de ir.

- Não. Vamos beber bastante, para não chorarmos na hora de dizer adeus.

- Não.

- Eu quero. Amanhã, a esta hora, você estará casada e eu no avião, rumo a Londres.

- Você vai mesmo?

- Claro! Afinal, uma oportunidade dessas a gente não joga pela janela!

- Você não está fugindo?

- De quem? De você? Não, é claro. Nós somos muito unidos, sim, mas agora chegou o momento de cada um seguir o seu destino.

- Com licença, posso sentar-me aqui?

- Sorry, I don’t understand Portuguese.

- May I sit down?

- Naturally.

- I’m scarred! This is my first flight!

- Don’t worry. I’ll protect you. May I introduce myself? I’m Sylvia.

- How do you do? I’m Breno.