GAROTA-SENSAÇÃO - O FILME (parte 1)

GAROTA-SENSAÇÃO - O FILME (parte 1)

"O Bonde São Januário / leva mais

um operário, / sou eu que vou

trabalhar..." (trecho de samba)

ATAULFO ALVES (anos 50)

A câmera aérea se aproxima do Morro, da ex-favela, hoje Comunidade, enquanto em "EM OFF" se ouve a conversa de mãe e filha:

-- "Uai, já levantou ? Onde você vai tão cedo, menina" ?!

-- "Procurar um trabalho, mamãe... em algum lugar desta cidade deve ter alguma coisa pra mim" !

-- "Tenha fé, minha querida... Deus não desampara seus filhos ! Algum trabalho há de aparecer" !

-- "Tomara... estou começando a cansar, às vezes não dá nem vontade de sair da cama" !

-- "Vá se arrumar, estás parecendo uma bruxa... vou sair pra comprar pão lá na birosca da "Candinha" !

-- "Cruuuuzes, não tem outro lugar, não" ?!

-- "Tem, mas fica longe... "aquilo" é só inveja da tua figura. Queria ser você e não pode" !

Na tela o casario pobre vai crescendo e a câmera adentra uma das casas mais próximas, a meia altura, "penduradas" na parede de pedra. Mãe e filha já estão à mesa, tomando café, pouca coisa, pão, biscoitos salgados e pote de margarina, além da chaleira ou garrafa térmica. Nisso, ouve-se uma voz externa e batidas na porta.

-- "Ô de casa, posso entrar" ?!

-- "Deixe de graça, "Bené", desde quando você precisa bater para entrar na minha casa" ?!

-- "Ah, só podia ser... meu eteeeeerno namorado"!, replica a jovem com um tom de sarcasmo na voz. A mãe, séria, interpela o rapaz:

-- "Afinal, quando é que vocês se casam ? Esse "namorico" já está criando mofo... daqui a pouco a Khrys acaba mal falada pela vizinhança"!

-- "Assim que eu ganhar a promoção, dona "Ditinha"... não vai demorar"!

-- "Pelo amor de Deus, "Bené", você é lixeiro, que promoção espera ter"?

-- "'Pera lá, mocinha... MOTORISTA de caminhão ! Vou entrar pro serviço interno ou pra supervisor, está tudo agendado, já fui aprovado nos testes"!

-- "Pois, então, casem logo, estão esperando o quê" ?, se intromete dona Benedita, servindo café e biscoitos ao visitante, que já se abancara.

-- "Só falta grana pro "papelório", minha sogra, Igreja não faz nada DE GRAÇA, nem pra pobre"!

-- "Huuumm... que me arranjem logo netos, estou muito sozinha desde que o finado "Zé Palito" se foi" !

-- "Que é isso, mamãe ?! Eu nem sei ainda se vou casar, quero ter um bom emprego, se o "Bené" quer uma empregada enfurnada no barraco, êle que arrume outra ! Casamento só quando me estabilizar"!

-- "Iiihh, isso não está "me cheirando bem"!, arremata "Ditinha", com um olhar preocupado em direção ao rapaz. A moça vê um maço de papéis dobrado sobre a mesa e pergunta pro namorado:

-- "Que jornal é esse, aí ?! Nunca vi antes"!

-- "Coisa nova na praça... anúncio DE GRAÇA" !

-- "Que história é essa ?! E êle vive de quê ? De brisa" ?!

-- "Não sei... dizem que DA VENDA ! Quanto mais anúncios, mais gente pra comprar e consultar as ofertas. Ah, e estão precisando de vendedores para agenciar os anúncios pagos... a comissão é boa"!

-- "Ah, então tem anúncio pago... e vender é comigo mesmo, ninguém vende mais do que eu ! Termina logo esse café e me leve até lá"!

-- "A ma-da-me que ir no caminhão DE LI-XO" ?!, devolvendo o sarcasmo da namorada, de minutos antes. E continua...

-- "Desde quando a distinta senhorita anda de carona com... LI-XEI-RO" ?

-- "Desde hoje, "panaca"... e deixe de graça, tenho pressa" !

Chegaram ao Jornal, sobrado antigo, 2 andares, caindo aos pedaços. O motorista seguiu seu caminho, ela desceu da cabine com cuidado para não se expor, a saia justa teimando em subir pelas pernonas da "mulatonauta" de fechar o comércio.

-- "Vim saber sobre esse negócio de anúncio de graça... o senhor pode me informar" ?

-- "Claro, senhorita... basta preencher o papelzinho ! Anúncios de prestação de serviço e comércio em geral são pagos, quase todo o resto É GRÁTIS. Se quiser destacar seu anúncio grátis vai pagar uma taxa por isso. Alguma dúvida" ?

-- "Sim... eu vim VENDER anúncio, não fazer 1" !

-- "Aaahh, bom... espere um momento, vou falar com a Gerência"!, e dirigiu-se por entre 2 mesas velhas -- com papéis, caixinhas e máquina de datilografia -- ainda vazias, para a saleta montada com biombo de madeira escura, com grandes vidros jateados a completá-lo.

Como o biombo não fechava no teto, podia-se ouvir a conversa entre os 2, no salão vazio:

-- "Tem um "avião" aí na recepção... quer ser vendedora"!, fazendo sinais em S com as mãos, de cima abaixo.

-- "Isto aqui não é aeroporto... livre-se dela", replicou irritado o diretor, sempre sarcástico, papel ideal para atores do tipo Heitor Martinez, Nelson Freitas ou Pedro Cardoso. A moça ouviu tudo e, sem pestanejar, invadiu a saleta, na porta as palavras REDAÇÃO - CHEFIA.

-- "Mas, que audácia é essa, como se atreve" ?!

-- "Quero trabalhar e vender coisas é minha especialidade... qual é o pó ?! Por acaso, é porque sou mulher" ?!

-- "Queridinha, isto aqui não é passarela... Jornal é coisa séria, não é passatempo de mocinhas. Exige vontade, coragem, disposição" !

-- "Sou a disposição em pessoa e tenho experiência" !

-- "Pois vá mostrá-las em outro lugar... agora suma, sou um homem muito ocupado"!, apontando a porta ainda aberta, atrás da qual ouvia curioso o atendente Luís. A moça retirou-se batendo a porta, os vidros todos estremecendo. Parou no balcão e cochichou pro rapaz:

-- "Você tem aí a tabela de preços... me dê logo essa "merda" !

Saiu decidida a mostrar quem ela era, a provar "com quantos paus se faz uma canoa"!

-- "Aquele sujeitinho me paga... vou matar a cobra e mostrar o pau ! Mudo meu nome se não encher meio Jornal de anúncios"!

Pegara dezenas de folhetos de anúncios gratuitos e fazia "escambo"... quem anunciava tinha direito a 10 notinhas grátis, principalmente os "Recados Sociais", novidade absoluta no mercado editorial carioca, no caso, DE GRAÇA ! O Jornal "PAIXÃO" iniciando, tinha tiragem de mil exemplares, mas boa parte voltava. O tal "encalhe" -- como não perdiam valor os anúncios quase todos -- era usado como "divulgação" nas semanas seguintes, ficando até esgotarem à disposição de quem quisesse, nos pontos finais de ônibus e trens, em supermercados shoppings da Zona Sul.

Khrystianne Silva da Silva voltou à Redação 48 horas depois, com 2 mil e tantos Cruzados em anúncios pagos e uns 150 recadinhos gratuitos... meio Morro queria exemplares que sequer haviam sido impressos ainda. O balconista entrou esbaforido na sala da Chefia:

-- "Ela está aí, de novo... o "avião" e vendeu 2 mil "paus" em anúncios ! O que é que eu faço" ?!

-- "Mas, que merda... o que é que eu faço agora ?! Quem mandou ela vender alguma coisa"?!, já quase aos berros. O atendente aponta pra si mesmo, lábios apertados, olhos arregalados, coração na boca. Não tiveram tempo para argumentos, o "furacão de saia" entrou na sala e jogou dinheiro e anúncios sobre a mesa abarrotada de papéis.

-- "Agora o senhor vai me ouvir"!, e bateu com a mão espalmada várias vezes na mesa, enquanto o assistente dava passos para trás saindo da saleta.

A moça -- bem antes da SHARON STONE -- põe um dos pés sobre a cadeira antiga, na frente da mesa, exibindo os "predicados" que só o namorado conhecia. Por instinto, o diretor baixou os olhos, enqaunto ela argumentava, sem perceber o tamanho do "desastre":

-- "Quero saber porque motivo não posso vnder essa porcaria de jornal"?!

O diretor ainda tossia... a câmera faz a volta, contornando a mesa e abaixando lentamente, até ficar ao nível do tampo e nas costas do diretor. Mostra a visão dele... como se trata de comédia leve, entre as pernas da moça está uma aranha cabeluda (essas de borracha), costurada à calcinha cor de carne e tingida de amarelo e cor de rosa para se destacar. Se puder, põe ela sorrindo, boca escancarada. O diretor se recupera:

-- "Senhorita, por favor... (voz esganiçada) você está desprevenida, baixe essa perna, pelamordedeus"!

Serenados os ânimos, ela é admitida, recebe uma "bolada" de comissão e insiste em ter sua foto na capa.

-- "Está doida? A capa é estratégica... divulga os melhores anúncios, os mais engraçados, diferentes" !

O diretor lhe devia isso, a moça levantara o Jornal. Resolveu encarecer o máximo, triplicar o preço normal, foto pequena, meio corpo, sem destaque, mas na capa. O Morro veio abaixo... a primeira "filha" daquelas paragens a sair num Jornal e não era na seção de crimes. Se oferecia como secretária ou recepcionista, para gandes empresas.

(NATOAZEVEDO - continua na parte 2)