Cadê o tempo que estava aqui?

Era manhã de sol, quando o despertador tocou acordando Ismênia para mais um dia de aula.

Ela abre os olhos de mansinho, se espreguiça e olha para o tempo não acreditando que aquela noite tivesse passado assim tão depressa!

Ainda deitada, ela pensa:

- Puxa vida! Eu não acredito! Eu mal fechei os olhos e, quando abro, já é de manhã?!

Será que tem algo de errado acontecendo com o tempo?! Será que ele encolheu durante a noite? Cadê o tempo que eu tinha pra dormir?! Cadê o tempo que estava aqui?

Algo que Ismênia ainda não entendia muito bem era essa história de passado, presente e futuro. Ontem, hoje e amanhã eram ideias confusas que giravam dentro de sua cabecinha de criança. Mas, a mãe de Ismênia tentava com muita paciência explicar o que acontecia com o tempo.

- O ontem está no passado! E o passado é o lugar das coisas que já se foram, querida.

- Como assim, mãe? Essas coisinhas vão embora, sabe-se lá pra onde, e nem se despedem da gente? Elas vão pra esse tal lugar que chamam passado?

- É sim... É mais ou menos isso! Fica tudo arrumado num cantinho da cabeça da gente, num lugar que a gente costuma chamar de lembrança. Acontece que, às vezes, tudo passa tão depressa que ninguém nem percebe!

- Ah! Já sei... Carro passa depressa, avião passa depressa, menino correndo passa depressa... Será que eles estão indo pro passado?

- Bem... É assim... Pense que o passado está nas coisas que acabaram.

Lembra daqueles momentos felizes que passamos ao lado das pessoas que a gente gosta e que não voltam mais?! Lembra daquele tempo em que o vovô e a vovó vieram passar uns dias aqui conosco?! Aquilo tudo virou passado!

- Sim, mãe, só acho que tudo o que é bom na vida acaba cedo demais, depressa demais: férias, bolo, sorvete, merenda, recreio, noite de sono...

- É verdade, Ismênia, o tempo é assim mesmo. Ele corre feito o vento. Aliás, ele não corre, ele voa! O tempo voa deixando muita história para trás! E nessa correria ele vira passado, um lugar cheio de “fiz” e “não fiz”.

- No passado está aquilo que você devia ter feito e não fez porque o tempo passou, o tempo voou e você viu que já não tinha mais jeito.

No passado está, também, aquilo que você fez bem feito e que hoje em dia lhe dá muito orgulho e todos os dias você carrega no peito.

- Ô, mãe, eu posso até não entender tudo o que a senhora está dizendo, mas a senhora falou tão bonito, agora...

- Ô, filha, obrigada! Procure só entender que o passado é o presente que envelheceu.

- Assim como o vovô e a vovó?

- Mais ou menos... O passado tem cara de calça que ficou curta ou de camisa que ficou apertada. Tem cara de roupa velha, desbotada e um tanto amassada.

- Pois então... Eu reparei que o vovô e a vovó estão bem amassadinhos, mesmo!

- Que é isso, Ismênia! Veja... O passado é como um filme em preto e branco contando tudo o que você viveu, o quanto você sorriu, o quanto chorou e o quanto você sofreu. Tem gosto de tempo que não volta atrás. Até porque o tempo só anda pra frente!

- Só quem anda pra trás é caranguejo, né, mãe?

- Sim... sim... Aliás, eu nunca soube que o tempo andasse para trás!

Ismênia e sua mãe riam e se divertiam muito com tantas descobertas.

- Tem mais... Passado tem cheiro de saudade, tem cheiro de “já?!”.

- Tem cheiro de cajá? Tem cheiro de maracujá?

- Não, não é bem assim... Tem cheiro de “Ah... já acabou? Que pena!”.

- Se tem gosto e tem cheiro, deve ser parecido com comida... Ah! Já me deu vontade de provar...

- Bem, filha, deixe a mamãe explicar de um jeito diferente.

O passado é como uma mala cuja bagagem só aumenta com o passar dos anos.

- Então, o vovô e a vovó devem ter malas enormes!

- Sim, sim, o vovô e a vovó têm tanta bagagem que hoje eles carregam tudo dentro de um baú! É um baú repleto de histórias bonitas pra contar!

- Que estranho... eu nunca vi esse baú.

- Ah, Ismênia, você sabia que o passado pode virar presente?

Imagine um presente que muda de embalagem todos os dias!

- Como assim, mamãe? Pode virar presente de aniversário?

- Melhor! É um presente que nunca se acaba! Um presente de lembranças boas!

É como folhear um álbum de fotografias, de frente pra trás ou de trás pra frente. Basta relembrar com saudade o tempo que passou!

- Sim, mãe, acho que, quando a gente volta de férias, é sobre esse passado que a professora pede pra turma contar numa redação. E a primeira coisa que ela diz, sabe qual é? - “Escreva como foram as suas férias!” - Aí, , a gente começa a se lembrar das coisas boas que fez, como elas estivessem acontecendo agora.

- Pois então... O presente, o hoje, é assim. Está naquilo que o tempo ainda não levou. Naquilo que a gente vive todo dia. Você percebe a diferença, Ismênia?

Presente é pintado em cores vivas, em cores alegres, com tinta colorida!

- Sim, mãe, o passado é pintado em preto e branco ou são figurinhas que foram feitas pra pintar.

- Já o presente, Ismênia... Ahhh, o presente... Presente tem cheiro de “Agora, sim!” ou de “Puxa! Não foi dessa vez!”. Tem cheiro de vida, de vida que precisa ser bem vivida.

- Tem cheiro de flor? Tem cheiro de bolo quando sai do forno?

- Claro! Tem gosto de sonho de padaria!

Sabe? É como se fosse o doce do biscoito recheado, que fica bem no meio entre as duas bandas do biscoito: uma banda é o futuro e a outra é o passado! O recheio é o presente!

Tem gosto daquilo que se come e se diz... “Huumm, que delícia!”.

- Huumm, mãe, essa é a melhor parte, a parte mais gostosa! E, o futuro?

- O futuro está no amanhã, que parece que nunca chega!

- É como um cachorro que corre atrás do rabo e nunca pega, mãe?

- Bem, Ismênia, o futuro é como um presente que embrulhamos todos os dias e parece que nunca terminamos de embrulhar. É um pacote que vamos embalando aos poucos...

Escolhemos a caixa, os papeis, os laços de fita... E a impressão que a gente tem é que sempre está faltando algo pra colocar dentro da caixa.

- E nunca se sabe o que é que está faltando?

- Às vezes sim, às vezes não... O futuro está nas coisas que ainda não aconteceram, nas coisas que ainda não chegaram e em tudo o que ainda não foi inventado, sabia?

- É, eu sei... Ainda não inventaram um jeito de esticar a minha noite de sono.

- Pense no seu aniversário que ainda vai ser comemorado, no bolo que ainda vai ser preparado, na velinha que ainda não foi apagada, na folhinha do calendário que vai ser arrancada. Tudo isso está lá, no futuro!

Ismênia escutava com muita atenção toda aquela explicação sobre o tempo que sua mãe dizia.

- Principalmente, quando se é criança, filha, o futuro tem cheiro forte de esperança, tem cheiro de “ainda não...”. Pense nos lugares que você ainda não foi, nas coisas que você ainda não sabe ou ainda não fez. Pense no sol que ainda não nasceu, nas estrelas que ainda não brilharam, na lua que ainda não surgiu, no dia que ainda não veio e em tudo aquilo que a gente ainda não viveu! Tudo isso está lá, no futuro!

- É mãe, deve ser um lugar muito grande e espaçoso pra caber tanta coisa.

- Pois é... O futuro está em tudo o que está por vir, está em tudo que vem pela frente.

- Entendo, mãe! Está naquilo que a gente menos espera, pode ser uma topada ou uma dor de dente.

- Pois é, filha, e tudo o que vamos viver o futuro, um dia vai fazer parte do passado. A bagagem só vai mudar de lugar.

Assim, com o passar dos dias, as ideias sobre o tempo foram se tornando cada vez mais claras na cabeça de Ismênia. As ideias foram clareando, assim como o dia clareia quando o despertador toca e Ismênia acorda.

Mano Kleber
Enviado por Mano Kleber em 20/03/2020
Código do texto: T6892627
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