Desventuras de Um Técnico - Temporada 2016 - Parte V - E a Consagração Veio No Fim
A reta final de um campeonato tão disputado como a Série C geralmente é de arrebentar com os nervos de qualquer um, mas nem passou pela minha cabeça que nossa campanha seria imprópria pra cardíacos.
No jogo seguinte a nossa vitória sobre o Boa Esporte, levamos outro 4 x 0 em Belém contra o Paysandu onde, em nenhum momento, nosso plano de jogo deu certo e Heber ainda estava em estado de graça marcando três gols.
Voltamos ao Centenário e arrancamos um empate agônico contra o Sampaio Corrêa graças a Thiago Rodrigues que além de fazer grandes defesas, ainda pegou um pênalti cobrado por Célio Codó e nos manteve no páreo.
Ali vi que o problema estava no ataque e resolvi trocar os dois atacantes para o jogo crucial contra o Salgueiro.
Deu certo.
Charles e Codorean marcaram os gols da vitória e acreditei que finalmente o time entraria nos eixos.
Não foi assim.
Veio outro 4 x 0 feito pelo Oeste que nos tirou do G-4 pela primeira vez e a pressão da torcida voltou ainda com mais força.
Reuni os rapazes depois do treino e pedi para que jogassem com mais afinco nos dois jogos fora de casa contra Veranópolis e Fortaleza.
Existem duas coisas piores em jogar uma partida dessas: a forte rivalidade da Serra e o fato de o Veranópolis jogar já rebaixado e livre de pressões, o que poderia nos dificultar a essa altura do campeonato.
Dito e feito.
Foi um empate que custou caro e dois pontos foram jogados no lixo.
E poderia ter sido três se Bruno Coutinho não desperdiçasse um pênalti de maneira bisonha isolando a bola para as arquibancadas.
Na viagem de volta notei uma certa apatia neles e resolvi animá-los com um discurso ao mesmo tempo enérgico e terno.
Disse que faltava ainda quatro rodadas e que jamais desistiríamos de lutar nem que tivéssemos que sair todo sujo de lama, se for preciso.
Parece que os rapazes entenderam o recado e a partir daí engatamos três vitórias seguidas contra Fortaleza, Londrina e Guaratinguetá.
Nesses três jogos, Patrick voltou a jogar um bom futebol e comandou o time com alma e uma vontade nunca vista antes. Fez dois belos gols e deu um lançamento milimétrico para Karl tocar na saída do goleiro e dar uma vitória importantíssima lá em Guaratinguetá.
Aliado ao tropeço do Madureira na Arena Pantanal diante do Cuiabá, voltamos a quarta colocação e só dependia de nossas próprias forças para enfim subir a Série B em 2017.
Durante a entrevista coletiva ainda em Guaratinguetá, conclamei a torcida que comparecesse em grande número ao Centenário na partida decisiva contra o próprio Cuiabá.
Naquele instante, decidi pôr em prática a única tática que tinha em mente: o arriscadíssimo ataque total.
E com o time em força máxima.
Para o maior jogo de nossas vidas.
* * *
Na manhã do jogo, usei uma tática que meu pai fazia muito quando era treinador.
A tática dos bilhetinhos que Cilinho usava quando treinava o XV de Jaú.
Neles continha frases de incentivo a cada jogador do elenco e ele colocava ao lado dos pratos deles para motivá-los na hora do jogo.
Eu descobriria mais tarde se isso funcionasse ou não.
Na hora da preleção, pedi aos rapazes que pensassem somente em vencer esse jogo e fazer nossa parte independentemente do que aconteceria no Rio de Janeiro entre Madureira e Guarani.
Assim que o time entrou em campo e a torcida os saudou, senti que nosso momento havia chegado.
E rezei para que os deuses do futebol se mostrassem benevolentes conosco.
* * *
A partida começou aberta com os times atacando o tempo todo já que o Cuiabá também precisava da vitória para não ser rebaixado.
Estava na casamata andando em círculos, como se estivesse na sala das preocupações do Tio Patinhas, nervoso com as oportunidades perdidas.
Reinaldo acertou a trave e Karl forçou Willian Alves a uma grande defesa, mas nos contragolpes os cuiabanos mostraram sua periculosidade com Adrianinho e Dominic forçando Thiago Rodrigues a duas defesas no cantinho.
De repente, a torcida explodiu de alegria. Era Fernandinho que fazia 1 x 0 para o Guarani lá no Rio e ao saber disso, orientei os rapazes a continuarem atacando.
No entanto, Rodrigo Pinho empatou para o Madureira e a tensão aumentava ainda mais. Mais um gol dos cariocas e o sonho iria por água abaixo.
Irritei-me com um passe displicente de Dener e pedi para que ajudasse Karl na marcação dos meias do Cuiabá que estavam livres o tempo todo.
Felizmente, João Felipe havia feito o segundo para o Guarani e agora só precisávamos de um gol para a tão sonhada ida a Série B.
Mais duas chances para cada lado e o primeiro tempo terminou 0 x 0.
Percebi que o ataque precisava de mais agressividade e coloquei Codorean no lugar de Dener para usar sua velocidade e seus dribles no intuito de abrir a forte defesa cuiabana.
Veio o segundo tempo e o nervosismo só aumentava.
Qualquer um que fizesse o gol sairia vitorioso.
Felizmente o gol do desafogo veio aos 12 minutos. Tudo começou com uma jogada de Codorean pela esquerda deixando o marcador no chão e cruzando a meia altura. Reinaldo ajeitou de peito e Patrick chegou batendo de primeira pra fazer 1 x 0 e dar um passo importante pra Série B.
No entanto, ainda tivemos grandes sustos até o fim do jogo. Kaíque acertou as duas traves num bate-rebate e Thiago Rodrigues defendeu com dificuldades uma paulada de Bosco, que havia entrado pra incendiar o jogo.
Coloquei Charles e André Luiz para ajudar a reter a bola no ataque por mais tempo e fiquei aliviado ao saber que Coppetti e Watson haviam marcado lá no Rio de Janeiro ajudando o Guarani a dar uma sonora goleada de 4 x 1 no Madureira.
Era só tocar a bola e deixar o tempo passar para a torcida enfim comemorar nossa vaga a Série B de 2017.
Depois de longos 11 anos de espera.
Uma vaga vinda da forma mais dramática possível.
Ficamos em quarto lugar no campeonato e com o gol que fez no jogo, Patrick tornou-se o artilheiro do time na temporada com 14 gols.
Quanto a mim, o sonho havia se tornado realidade.
Meu nome estava marcado na história do Caxias para sempre com esta promoção.
* * *
Fizemos a volta olímpica ouvindo a torcida gritando nossos nomes.
Pensei em meu pai e em meus irmãos que certamente viram essa conquista e chorei copiosamente.
No meu lado, Rodrigo Arroz e Clayton haviam reconciliado-se com um forte abraço e fizeram questão de destacar a mim em suas entrevistas com a repórter.
Tanto foi que no momento que eu estava sendo entrevistado, os dois pegaram garrafas d´água e jogaram na minha cabeça antes de ir pro vestiário.
Confesso que nunca tinha visto tanto repórter em uma coletiva de imprensa. Inclusive jornalistas estrangeiros estavam lá e todos perguntaram sobre como fiz pra formar um time com tantos jogadores de países diferentes que se entenderam em campo.
Respondi que isso nunca foi um problema pra mim, mesmo não falando inglês tão fluentemente e argumentei que o futebol é a língua universal capaz de superar até mesmo o idioma.
Defendi ardorosamente um intercâmbio maior com outros países assimilando suas táticas e técnicas de jogo bem como o país ser um mercado mais atrativo para o jogador estrangeiro com os clubes brasileiros adaptando-se a realidade mais globalizadora.
No fim, desabafei tudo o que sentia naquele momento quando um dos repórteres perguntou sobre minha saída traumática do Brasil de Pelotas.
Disse a eles que esse trauma foi cicatrizado graças a esses meninos do Caxias que não são apenas jogadores de futebol, são também seres humanos capazes de formar uma grande família.
Assim que a entrevista terminou, saí do Centenário ouvindo os buzinaços dos torcedores e o carnaval que faziam na praça principal antes de voltar pra casa.
Quando cheguei, vi Lúcia sorrindo com o resultado do teste de gravidez que deu positivo.
Ela estava grávida.
Eu seria pai.
Que mais uma pessoa como eu pode querer?
CONCLUI EM BREVE...