O formigueiro

Nesse período de quarentena nós nos surpreendemos com o que devemos e podemos fazer. Trabalhar, para aqueles que podem, é a melhor alternativa. Infelizmente nem todos puderam. Após um dia de trabalho, descobri uma antiga história, de muitos e muitos anos atrás e resolvi compartilhar. Talvez ajude neste momento em que o caos e as trevas parecem ser o nosso destino.

Pois bem, o que descobriríamos se olhássemos para um formigueiro e visse como é complexa aquela sociedade. Inicialmente podemos pensar que há apenas dois tipos de formigas, a rainha, que fica no formigueiro reproduzindo-se, e as operárias que, como o próprio nome diz, trabalham para manter a colônia.

Mas isso não é verdade, surpreender-se-ia quem começasse a observar como é a organização de um formigueiro e que há outras funções além daquelas em um formigueiro. Há, por exemplo, as formigas-soldado, que são responsáveis pela defesa do seu “reino”, ou mesmo preparadas para o ataque, em caso de formigas mais “beligerantes”.

Porém engana-se que ainda para nessa análise. Há mais, muito mais para se descobrir sobre as formigas. É um universo sem tamanho, muito embora seu diminuto tamanho possa levar-nos a subestimar sua riqueza.

Mas não é função deste texto traçar linhas sobre a biologia das formigas. Deixemos para os biólogos que se debruçam sobre análises para descobrir mais sobre a importância das formigas, sua organização, seu organismo, seu ciclo de vida.

Prefiro falar sobre um formigueiro específico. No entanto, não vamos nominá-lo. Não é preciso dar nomes. É preciso sim, ver o que acontece com ele.

Falo de um formigueiro dentre tantos que se encontra no cerrado de Goiás, Brasil, formigueiro que divide esse bioma com tantos outros de sua espécie e também de outras.

Ora, como um ser pequeno que é, não é fácil a competição pela sobrevivência. É verdade que Pero Vaz de Caminha enalteceu a riqueza do solo brasileiro quando viu a explosão de vida na região tropical. E olha que ele nem conheceu a terra roxa, presente no centro sul do Brasil e países limítrofes, afloramento do aquífero guarani. Mas apesar de o alimento estar ali às vistas, é preciso trabalhar por eles, buscá-lo, armazená-lo e, se preciso for, transformá-lo. E assim as formigas obreiras dão exemplo na labuta diária.

Além da luta pelo alimento, competindo com outros formigueiros, cupinzeiros e tantos outros insetos, há ainda o eterno perigo de virar refeição, Pássaros, outros insetos maiores, vários aracnídeos, todos, enfim, que veem as formigas como uma opção de banquete. Mas nada, mas nada mesmo se compara ao temível tamanduá. Esse é o verdadeiro terror para uma formiga. Esse ser desdentado é incapaz de mostrar suas mandíbulas para as formigas, por razões óbvias, mas ele é, sem dúvida, um terror, fonte de pânico, em um formigueiro. Se compararmos, talvez nem Darth Vader seja fonte de tanto terror no universo Star Wars ou, se pensarmos melhor, podemos dizer que um tamanduá cause no reino das formigas o que Voldemort causa no mundo dos bruxos. Apenas meras comparações.

Mas, deixando o devaneio de lado, voltemos ao mundo das formigas e deixemos o mundo cinematográfico de lado.

Voltando à questão da sobrevivência, o tamanduá é o terror das formigas, pois basta estar com fome e sua longa língua pegajosa entra num formigueiro e milhares delas viram um banquete em questão de segundos. Aliás, além desse lado ruim para o indivíduo, qual seja, ver-se transformado em comida sem nem ao menos ter sido consultado, tem o fato de que o tamanduá não é nada cortês ao buscar seu alimento. Suas garras fazem verdadeiro estrago no formigueiro. Ainda se ele tivesse um pouquinho de compostura e comece suas formigas sem destruir o formigueiro. Mas a fome é um persuasivo mais forte e não há delicadeza alguma por parte do tamanduá. Simplesmente uma patada e meses de trabalho das obreiras é destruído.

Eis a vida, eis o ciclo da vida. Sejamos condescendentes com as aves, aracnídeos e principalmente como o mamífero desdentado tamanduá, mas voltemos ao mundo das formigas.

Aliás, parece-me, até agora pouco falamos sobre a vida do nosso formigueiro do cerrado.

Vamos aqui fazer outro aparte. Apesar de termos escolhido observar esse formigueiro do cerrado brasileiro é possível fazer a mesma observação em tantos outros espalhados pelos mais diversos continentes e ambientes. E nisso as formigas são extraordinárias, em adaptar-se a novos ambientes. Assim, podemos encontrá-las em tamanhos, cores e formas diferentes espalhadas por norte, sul, leste e oeste.

Mas chega de divagação, é hora de olharmos para o nosso formigueiro preferido.

É preciso antes, destacar que as conversas das formigas foram formalmente traduzidas para o português, pois acredito que será mais fácil entender o que elas dizem. Sem isso, creio eu, nossos leitores teriam imensa dificuldade de entender a conversa feita por entre potentes mandíbulas.

Ufa, quanta coisa antes de falarmos da vida nesse formigueiro.

Ao contrário do que imaginamos nós os humanos, a vida da formiga não é só trabalhar. É verdade que há uma casta de formigas obreiras, mas as obreiras também gostam de se divertir. E olha que no mundo das formigas também há diversão.

Primeiro de tudo esse formigueiro é famoso por suas festas, em especial uma que acontece já próximo do final do verão no hemisfério sul/inverno no hemisfério norte (lembremos que há essa oposição por causa do movimento de translação da Terra em torno do Sol, mas deixemos as questões astronômicas para quem gosta de viver com a cabeça na lua e nos outros astros, no bom sentido, é lógico).

Pois bem, muitas das formigas não sabem por que ano a ano tal festa, chamada formical, muda de data, mas está aí, a mudança de data deve-se à mudança de data de outra festa importante, a formipáscoa. E algumas mais curiosas perguntarão por que a data da formipáscoa também se altera de ano a ano. E aí se descobre que a formipáscoa é marcada sempre no primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio da primavera no hemisfério norte ou equinócio de outono no hemisfério sul. Não precisamos entrar no mérito do que são essas festas. Isso é lá coisa de formiga e deixemo-nas com suas tradições, que elas se aproveitam das nossas.

Mas além dessa festa tradicional, que atrai formigas de tantos outros formigueiros. Há outras muitas festas também marcantes.

Esse formigueiro também é marcado por outro ponto positivo. Num dos esportes mais populares entre as formigas, o patabol, por ter uma história de grandes formigas que marcaram época em suas disputas. Mas, vamos deixar relatado aqui, algumas das formigas andam reclamando da qualidade atual dos que praticam o patabol. Reclamam de que há muita interferência de fatores externos, de que os jogadores já foram melhores, que as formigas que jogam andam muito vaidosas, que não se dedicam como antes.

Há os que argumentam que outros formigueiros melhoraram. Mas os saudosistas dizem que não é isso. Sempre existiram equipes boas no patabol. O que acontece é que as formigas não se dedicam como antes.

Bom, discussões a parte, o fato é que o patabol ainda é muito popular.

Na vida recente desse formigueiro, muita turbulência tem ocorrido. E não é por causa de algum tamanduá que ronda por essas bandas em busca de comida. Na verdade, a turbulência é causada por causa de pensamentos divergentes entre as formigas. Há aquelas que pensam que as formigas-soldado andam muito sossegadas nos seus redutos, só a treinar, preparar-se para um trabalho que nunca acontece. Já há outras que reclamam que as formigas que fazem parte do grupo de organizar a sociedade correição anda a tomar medidas não condizentes com as reais necessidades da colônia.

Ora, como isso é possível? Como é possível que haja dissensão naquilo que é melhor para uma sociedade? Dirão as mais ponderadas que a formicacracia é o governo escolhido pela maioria das formigas e assim, é preciso respeitar a decisão delas.

Mas, ainda assim, há a discussão, pois umas entendem que as folhas devem ser cortadas de uma forma, outras de outra, que o transporte para o formigueiro deve ter uma regra, já outras pensam diferentes, que as formigas que saem do formigueiro devem ir por um lado, outros defendem que é o oposto. Assim, a falta de acordo dessas formigas atrapalha o andamento da colônia.

Porém, tudo nesse mundo precisa encontrar uma solução. E as formigas, apesar das discórdias na administração da formicacracia, procuram levar suas vidas sem que a interferência destes impeça o andamento do cordão.

Assim é a vida, a incapacidade de uns pensar logicamente impele outros para que o façam. E assim é a vida, seja no formigueiro ou fora dele. Com o bom ou mau desempenho dos membros da formicacracia, a vida seguia seu ritmo, entre altos e baixos, ou melhor, com mais altos do que baixos.

E vejamos bem, para seguir a vida de um formigueiro, é preciso lembrar que os ciclos da natureza também influenciam seu andamento. Como podemos observar, não são só os humanos que observam se é verão ou inverno, pois as formigas tem lá suas maneiras de saber que essas mudanças afetam sua vida, pois afetam diretamente a abundância de alimentação e bem como a presença de predadores. Dois fatores sumamente importantes. Porém, devemos destacar, na região tropical onde se localiza nosso formigueiro essas mudanças são menores do que nas regiões temperadas. E as formigas sabem disso, ainda mais numa época de comunicações instantâneas.

De qualquer maneira, num final de verão apareceu algo que até então não era previsto para o mundo das formigas. Sem entender bem, ouviram os rumores de que num formigueiro distante, mas muito distante mesmo, surgiu algo inesperado. Aliás, falando em distância, lembrei-me que Shrek, em suas aventuras, foi ao reino tão tão tão distante. Esse reino será mais longe do que aquele longínquo formigueiro onde rumores apareceram. Bom, não sabemos... De fato, para saber, seria necessário trabalharmos em escala. Quero dizer, precisamos saber a distância entre nosso formigueiro e onde surgiu o terrível problema, depois disso, fazermos o mesmo entre o pântano do Shrek e o reino tão tão tão distante. Depois colocaríamos em escala em relação ao tamanho das formigas e do Shrek. Trabalhoso... E não temos como colher esses números com facilidade. De qualquer maneira, isso não influenciaria a nossa história e para ela isso é irrelevante. Então, não vamos nos ater a isso. Deixemos, pois, de lado a observação cinematográfica.

Pois bem, a princípio nenhuma das obreiras ateve-se ao que diziam esses rumores. Como dissemos e pudemos observar tudo aquilo começou lá, muito longe, e nesse mundo globalizado, onde todas as formigas têm acesso à informação quase que instantaneamente, esses rumos não passavam disso, rumores, Nada mais. Algo que hoje é novidade, mas que amanhã ninguém lembra.

Assim, a vida seguia, no auge do verão no hemisfério sul, muito calor, praia, para quem pudesse ir, talvez uma água de coco (se é que formigas conseguem abrir um coco), algum néctar caso estivesse disponível para virar alimento, muitas frutas, folhas.

A princípio, a atenção do nosso formigueiro estava voltado para a tradicionalíssima festa, que acontece sempre perto do fim do verão. E a atenção era clara, seja para os que gostam, seja para os que não gostam. Pois isso também acontece no reino das formigas, há divertimento que agrada uns mas não a outros. Como vemos, não são só os requintados e exigentes gostos dos humanos que geram dissenso. Na colônia isso também acontece, muito embora, nós não tenhamos observado isso até o momento.

Aliás, façamos outro adendo, que julgo ser importante, que neste pormenor falaremos de nós humanos. Por que será que não deixamos passar fatos sobre a vida de nossos companheiros de planeta? Tentarei ser mais claro. Ora, há tanta vida na terra, divididos nos cinco reinos que a biologia classifica (monera, protista, fungi, plantae e animália) e ainda assim mal conseguimos dialogar com uma ou outra espécie. Pensando bem, não é um diálogo, pois os humanos julgam-se os seres superiores da criação. Mas esquecem-se de que é necessário o equilíbrio entre todos os seres para que a vida se perpetue. Porém, se observarmos bem, nem entre os próprios humanos há um diálogo amistoso, quanto mais com outras espécies...

Sem delongas e devaneios, voltemos à correição, pois é esse o nosso intuito, observar o que aconteceu com esse cordão.

Pois bem, como dizíamos lá ao longe surgiu um rumor de que algo não ia bem. Não se sabe bem a origem, se foi pelo vento, algo que se comeu, alguma planta, outro animal, reação da natureza, teoria da conspiração... ufa... No entanto o fato aponta que uma doença surgiu e começou a atingir as formigas. Algo terrível, pois essa doença começou a atingir justamente as antenas. Ora, as antenas não são qualquer órgão para uma formiga. É através das antenas que as formigas percebem odores, conseguem reconhecerem-se. É um órgão tão importante que realiza dois dos sentidos por nós reconhecidos, o olfato e o tato. Pois bem, não precisamos de muito esforço para perceber que uma doença que atinja as antenas delas é algo tremendamente terrível para elas e isso, por si só, já é capaz de gerar pânico.

Todavia, esse pânico não aconteceu. Por diversas razões que fazem parte do universo das formigas, não houve pânico, alarde, quebra-quebra, nada disso. Como dito, era uma notícia de que algo acontecia num formigueiro num lugar tão tão tão distante (não, não é o reino da Fiona, a esposa do Shrek).

A atenção de nossa carreira de formigas estava voltada para outras coisas. Havia um evento, muito tradicional, descanso para as formigas obreiras, diversão garantida.

Não as critiquemos por isso. De fato, o que acontecia num formigueiro distante, lá ao longe, também não despertou a atenção de outros formigueiros, cada qual centrado em suas necessidades de sobrevivência.

Aquele fato passou-se num reino muito distante e, se for mesmo verdade, lá ao longe ficaria, restrito, pensavam todos. Assim, nada de condená-los, pois ninguém, nenhuma formiga das três castas imaginava que aquele terrível mal poderia transpor distâncias e atingir formigueiros tão distantes. No máximo, no pior cenário, seriam atingidas correições ao redor, mas nada que devesse alarmar as nossas companheiras de jornada.

Assim, enquanto aquele formigueiro ao longe tinha preocupações para resolver, os demais continuaram suas vidas, fugindo de alguns predadores, procurando alimentos, a Vida, como ela deve ser.

Porém, dessa vez foi diferente; o que parecia ser um problema local, apenas deles, mostrou-se ser mais complicado do que se supunha inicialmente e começou a espalhar-se.

Assim, ao descobrir aquele problema que poderia atingir as antenas de todas as formigas, rapidamente o medo atingiu a todos, de todas as colônias. Não havia remédio, nem tratamento, nem planta, nem nada que se pudesse fazer. As formigas estavam expostas a um mal terrível que poderia impedi-las de sentir o odor e, em casos graves matá-las.

“Oh, o que devemos fazer?”, foi a pergunta mais feita entre as formigas e, convenhamos, é feita até hoje. Realmente nenhuma das formigas especializadas na preservação da vida sabia explicar o que era aquilo, como afligia, qual forma de contágio, sintomas, tratamentos. Estavam todas no escuro e não sabiam como lidar com aquilo.

Após o pânico causado pela primeira pergunta, especialistas entre aqueles insetos começaram a estudar, pois algo deveria ser feito. E indagações surgiram: “O que é? Como é o contágio? Quais são os sintomas? O que é preciso fazer em caso de contágio? O que é preciso fazer para evitar o contágio?”

Enquanto essas perguntas eram feitas, formigas de diversas correições eram contaminadas. No caso de formigas mais debilitadas, a morte foi o caminho natural. Para outras, após difícil tratamento, recuperaram-se. Os relatos dessas mostravam como era difícil o período em que estiveram doentes, com suas antenas comprometidas. Os números de vítimas apontavam para um percentual das que sucumbiriam, mas a verdade é que ninguém queria estar nessa estatística.

Mas havia uma luz, se havia recuperação, é porque é possível encontrar a cura. E os experts continuaram a estudar. Porém, mais formigas eram contaminadas, mais pânico era gerado.

Especialistas em caos existem e sempre existiram. Logo esses apareceram pregando aos quatro ventos que era o fim do mundo, que todas as formigas morreriam, que seriam punidas sabe-se lá por qual razão defendida por eles. Já outros agentes do caos foram mais espertos e aproveitaram o momento para ganhar mais folhas e frutas. É assim, sempre há aqueles que querem levar vantagem. E que se aproveitam da desgraça humana, opa, aqui a história é de formigas, então, corrigindo, aproveitam-se da desgraça dos insetos e usam principalmente do subterfúgio do medo e remorso para conseguir o que querem.

Como sabemos tais agentes do caos não ajudaram, nem naquela época e nem na nossa. Pobres coitados que se aproveitam da fragilidade alheia para conseguir somente para si próprio... Deixemo-los com sua ganância, olhemos para o que realmente interessa.

A medida que o tempo passava, informações chegavam sobre como o vírus, agora sim, já sabiam qual era o agente, e como propagava-se. Por um lado, era bom pois começaram a ter percepção de como era o contágio e do que fazer para evitá-lo. Por outro, foi aterrador, pois perceberam que a contaminação dava-se pelo ar. “Ora, pelo ar?”, exclamavam. “Assim todas as formigas ficarão expostas a esse vírus. E como faremos para trabalhar?”, ainda outras indagavam.

Pois bem dúvidas e mais dúvidas surgiam, mas as respostas não vinham na mesma velocidade. Era preciso calma, observação, aprendizado, enfim, paciência, pois só a paciência consegue lidar com o tempo, para que as respostas aparecessem. Porém sabemos como são as formigas. Parecem calmas e concentradas em seus afazeres, mas basta algo que as tire de sua rotina e pronto, a ansiedade aparece.

A medida da ansiedade crescia na mesma velocidade que crescia a propagação desse vírus que afetava as antenas.

As rainhas e seus séquitos não sabiam como tratar, sobretudo porque dentre aqueles mais próximos havia as que defendiam uma ação, enquanto outras defendiam ações diametralmente opostas. E o mais curioso, para um lado ou para o outro, o fato é que nada de efetivo acontecia. Pareciam bater cabeças, ou antes antenas (lembrando que as antenas estão grudadas na cabeça das formigas e, por isso, é o primeiro órgão das pequeninas a se tocarem), pois não encontravam a solução. Pobres formigas... Pareciam perdidas...

Lógico, o debate que afligia a casta superior não era exclusividade dela. Na verdade, em todas as castas havia o mesmo debate, defensores de um ponto de vista, outros de outro. Muitas mandíbulas afiadas debatiam-se para defenderem a verdade, sem se darem conta de que era apenas a verdade de cada uma, longe talvez, da Verdade de fato. Mas são assim as formigas, apegam-se à verdade relativa e tentam fazer delas a verdade absoluta. E nesse momento, observando-as, relembro uma frase célebre que Pilatos fez a Jesus: “E o que é verdade”? (João, 18, 38) Talvez nem nós a saibamos definir, quem dirá as formigas. Contudo, que não se ofendam as formigas com essa observação...

Tendo em vistas as informações contraditórias e truncadas, os debates nas castas inferiores geravam mais confusão que conciliação. Muitos dirão que essa confusão é um espelho do que acontece nas castas superiores, mas ouso observar que as castas superiores, na verdade, foram escolhidas por aquelas que estão em outras castas. Assim, escolhidas como foram, certamente retratam aquilo que acontece nas próprias castas, ou em toda a sociedade das formigas.

Ora, como é fácil transferir para outros as próprias responsabilidades. E esse é um problema muito sério no mundo das formigas. Sempre que alguma coisa não condiz com uma conduta correta, muitas delas atribuem essas faltas a agentes externos, influência disto, daquilo, daqueloutro, mas, quando a ação é positiva, aí sim é fruto da própria formiga. Não conseguem entender que quaisquer ações, positivas ou negativas, é fruto da sua própria escolha, e essa escolha advém do entendimento ou não que a formiga possui. Quando as formigas entenderem isso, talvez criem uma situação mais favorável para si e para as outras.

Mas quantas palavras de censura para as pobres formigas. Não é essa a intenção.

Pois bem, em meio às discussões sobre essa praga que afligia a vida das formigas, uma das medidas adotadas foi o confinamento. Cercear a liberdade de locomoção e de trabalho com vistas a um bem maior, que é a saúde de todas.

Essa medida foi adotada em primeiro lugar naquele formigueiro distante, lá ao longe, onde surgiu esse mal.

Porém, não surtiu o efeito de conter a contaminação. Assim, após o vírus espalhar-se por outros formigueiros, a primeira medida foi isolá-los das demais colônias. As internas deveriam aprender a viver com o que tinham, e saber partilhar entre todas.

Olhando assim, à distância, parece fácil dizer isso, mas como todas são diferentes, é realmente complicado fazer com que todas entendam isso, ou seja, que o sacrifício pelo bem maior deve ser partilhado entre todas.

Aliás, cabe um adendo aqui com relação a esse termo, sacrifício. Atualmente entendemos isso como uma oferenda para a divindade, conforme deduz-se do dicionário. Há ainda a conotação negativa, de algo pesado, difícil. No entanto, observemos a palavra sacrifício e podemos encontrar dois radicais, sacro e ofício. Ora, o sacrifício é um trabalho sagrado. Pois bem, se feito com esmero, carinho e dedicação, com a intenção de se fazer o melhor para todos, todo trabalho pode ser um sacrifício e não ter a conotação de algo pesaroso. Será que nós fazemos de nosso trabalho um sacrifício pesado ou oferecemos o nosso trabalho como sacrifício pela melhoria da civilização? Certamente na cabeça de algumas formigas esse questionamento também passou.

Mas retornemos ao nosso formigueiro, pois é aqui que concentramos nossa observação.

Como em todos os outros, o tal vírus chegou e trouxe as mesmas consequências, quais sejam, a contaminação das antenas o que impedia de as formigas sentirem os odores, tão necessário para sua existência e se reconhecerem, como já dito.

A princípio a casta de formigas mais próxima da rainha decidiu que o isolamento das formigas na correição era a medida mais adequada para evitar o contato entre elas e a consequente contaminação. Com esse isolamento, restrita ficaria a locomoção para onde quer que desejassem as súditas e, assim, retardaria o alastramento do vírus.

Ora, o que fazer restritas ao formigueiro? As atividades sociais estavam todas proibidas, mesmo a principal delas, o trabalho.

Assim, deveriam encontrar outras atividades, pois a restrição em casulos pode deixar qualquer um louco, mesmo as diminutas formigas.

Muitas delas teriam que continuar a trabalhar, pois o essencial para a colônia deveria ser fornecida. Com alguns cuidados prescritos pela casta superior, baseada em informações de especialistas sobre o assunto, determinaram que várias delas deveriam continuar suas atividades. Outras, em razão da peculiaridade de suas atividades, poderiam continuar a trabalhar, mas, a partir de agora de casa. É o que hoje, modernamente, nos humanos chamamos de home office ou teletrabalho, o famoso trabalho à distância.

Porém a grande quantidade de formiga viu-se, de uma hora para outra, privada de seu ofício. Todavia, caros leitores, não se enganem, apesar de pequenas, as formigas são bastante criativas. Descobriram que algumas atividades que faziam poderiam ser úteis para passar o tempo. O distanciamento social seria breve, na visão delas e o sacrifício de agora era para o bem comum de toda a correição.

Peço licença agora às formigas para fazer um paralelo entre as atividades desenvolvidas pelas formigas e pelos humanos. Como estavam em quarentena e deveriam ficar paradas, as atividades que elas faziam dizem respeito à realidade delas, o que não vem ao caso deste conto. No entanto, eu sei que nosso leitor é bastante curioso e, para facilitar o entendimento do que as formigas faziam, compararei com atividades que nós fazemos. Assim o leitor atento saberá, através do que nos é comum, o que as formigas faziam.

Uma das atividades que começaram a fazer, e talvez tenha sido a mais comum foi assistir à televisão. Ora, esse aparelho traz o mundo para dentro de casa em cores e sons. De fato, ainda não desenvolveram aparelhos que estimulem o olfato, o tato e o paladar. Na verdade, o paladar é um dos que mais sofre após o indivíduo assistir à TV. Dependendo da guloseima, ficará dias pensando naquilo.

Mas, apesar dessa limitação nos cinco sentidos, os outros dois (audição e visão) ficaram muito satisfeitos com o que era apresentado.

Devemos fazer uma ressalva para alguns programas, chamados telejornais, que nem sempre são portadores de boas notícias, sobretudo na esfera política, Contudo, devemos fazer aqui uma ressalva. Não é o objetivo desse programa passar apenas determinado tipo de notícia. Deve, na verdade, ser um meio de informação. E isso as formigas, como nós, devemos ter em mente. Estarão informando? Ou serão sensacionalistas? O que desejavam as formigas? E o que desejamos nós? Após essa breve observação, retornemos, pois esse tipo de programa é uma das consequências do deleite das demais programações. Assim, a depender da predileção de cada um, a programação é a mais variada possível para satisfazer a todos os gostos, desde programação infantil, esportiva (apesar de suspensa, ainda assim é possível rememorar grande feitos do passado), turística, culinária, música, entretenimentos diversos, novelas, séries, filmes, enfim, um universo sem fim.

Outra atividade que se tornou corriqueira entre as famílias foram os jogos de tabuleiro, atividade tão antiga, mas que ainda entretém. E variedade é um dos pontos fortes desse seguimento de entretenimento. O mesmo pode-se dizer do baralho, e mesmo outros jogos mais modernos, como os vídeos games.

Aliás, nesse pormenor, num período de restrição de contato, jogos eletrônicos permitem, ainda que com grandes restrições, a interação à distância, muitas vezes com outros jogadores que nem sequer se conhece. Que irônico, pois o vídeo game também é acusado de ser um passatempo que isola as pessoas. Mas, na situação de isolamento social como as formigas viviam, era um meio de poder ter contato com outras formigas. Inclusive com formigas que viviam em formigueiros distantes, muito distantes.

A leitura é algo também que ganhou destaque. Tal como filmes e séries, os livros têm grande variedade de gêneros, para abranger a todos os gostos. Há desde livros técnicos, que tratam sobre determinada área do conhecimento, livros infantis, histórias em quadrinhos, romances, filosóficos, dentre tantos outros. Ler é bom, é importante, pois permite estimular a imaginação. Quando lemos, a descrição das personagens ajuda a formar a imagem delas, mas somente nós podemos criar e ter a imagem delas em nossa imaginação. Dependendo do livro, vivemos juntos as experiências e aventuras das personagens. Se a história tiver bons elementos, muito pode-se aprender. E há casos que se pode entreter e aprender. Quando lemos um livro que posteriormente virou filme, normalmente não gostamos deste, porque ao ler aquele, criamos o ambiente e as personagens conforme nossa imaginação, e os filmes já dão isso tudo pronto. Por isso, ler é um ótimo meio de conhecimento e entretenimento. E nesse período de restrição, foi estimulante.

Pode-se dizer também que muitos desenvolveram e descobriram habilidades que até então não sabiam que eram capazes. Existem aqueles que começaram a cozinhar, outros descobriram aptidão para atividades manuais, alguns começaram a olhar para a pauta musical de forma diferente e descobriram que, com apenas sete notas musicais, e seus acidentes, é possível fazer as mais belas sinfonias (mas não só sinfonias, deixemos claro, pois o gosto musical é variado, como tudo mais). Outros descobriram que são capazes de reproduzir no papel ou na tela, imagens daquilo que veem ou de sonhos. E aí surgiu algo realmente interessante, pois por vezes, não é o que se vê com os olhos, mas o que se sente que é reproduzido. É uma mistura de sentimentos, entre o que os olhos veem e a percepção da alma. E assim, o que visto por vários pode ter significado único para cada um. O que agrada a um pode não agradar a outro. Isso acontece para todos, sejam formigas, humanos ou quais quer outros animais.

Algo importante a lembrar, é que muitas formigas que tinham o hábito de fazer caminhadas mantiveram essa rotina. No entanto, os locais que elas costumavam fazer isso, principalmente locais com grandes áreas verdes, estavam fechadas, por ordem da casta superior, aquela mesma que está junto da rainha. Essa atividade, se feita com cuidado e com a proteção nas antenas, seria muito bom para a saúde delas.

Outro ponto que merece atenção nesse período foi que nem todas as formigas aceitavam essa ideia de restrição. Muitas defendiam que era tudo uma mentira e que tudo isso foi feito, sabe-se lá a razão, para dominar as formigas e fazer com que todas trabalhassem para um grupo seleto, bibibi bóbóbó. Muita conversa sem sentido e muita teoria da conspiração. Ora, trabalhar não é importante para todas elas? De onde viriam tais teorias? Na verdade, como diz o ditado popular, cabeça vazia é oficina do diabo. E ficar restrito sem nada para fazer, gera esse tipo de situação. Aliás, veio na cabeça uma música da banda Charlie Brown Jr., cujo nome é “Resolve meu problema aí”. E dentre outras coisas, essa música diz que cada um tem o seu problema para resolver e se outra pessoa quer falar da vida alheia, então que resolva os problemas da vida alheia, e não fique só falando, criticando, fofocando. Mais uma vez ficou claro, cabeça sem ocupação, sempre encontra o que fazer, criar problemas ou cuidar da vida alheia.

Todavia, não julguemos quem age assim. O simples fato de fazer essa fofoca já é agir como eles. Deixemos isso como exemplo do que acontece e sigamos em frente. E com relação às teorias da conspiração, certamente são ótimas inspirações para livros, filmes e séries. Possivelmente, aliás, a origem delas seja um livro, filme ou série, e novas teorias da conspiração darão combustível para novos livros, filmes ou séries. Quem sabe não nos agrada algum deles?

Por outro lado, o questionamento de algumas formigas pode ter origem em diversas fontes. A primeira delas é a desconfiança da casta que está próxima à rainha. E isso é perfeitamente natural, já que nem sempre é possível agradar a todos, e algumas medidas determinadas são impopulares, seja entre humanos ou formigas. Há que se considerar ainda, além da impopularidade, os interesses escusos, que assolam grande parte das sociedades. É triste de ver que muitas vezes interesses pessoais sobrepõem-se ao interesse coletivo. Isso ainda acontece. Já outra fonte de questionamento, e esse sim é mais pertinente, é que, por não saber exatamente como esse vírus age, muitas das medidas poderiam ser inócuas, sem nenhum sentido. Mas devemos dar um desconto para quem decide, se fazem, é porque fez, se não fazem, é porque não fizeram. Dura a vida da rainha e seu séquito.

Contudo, é importante reforçar a nossos leitores que tudo o que falo aqui é, como já explicado antes, apenas comparações, de forma que seja mais fácil entender o que acontecia no universo das formigas. Se fôssemos explicar quais eram as atividades por elas desenvolvidas, possivelmente as explicações não se encaixariam, já que teríamos de transpor para nosso universo particularidades vividas por elas, dentro da realidade delas. Por isso é que reitero para que entendam como mera adaptação do que faziam à nossa realidade perceptiva.

Feito esse lembrete, retornemos ao nosso formigueiro.

Como dito, uma das atividades mais praticadas foi assistir à programação na televisão. E, sem dúvida, os filmes são um destaque. E são destaques por várias razões. Há inúmeros gêneros, existem também os filmes que carregam características de sua terra de origem (é a mesma situação do que dissemos em relação aos livros, muitas origens, autores, temas, cada um para satisfazer um gosto). Devemos também lembrar a empatia com os personagens, atores e diretores. Há o interesse de cada um por determinado assunto e assim sucessivamente. Dessa forma, é inegável que deva ter destaque entre o que as formigas faziam. Até porque, além de entreter e muitas vezes informar, é um passatempo simples de fazer recluso.

A diversidade de gêneros cinematográficos e literários dos humanos pode ser comparada à variedade no universo das formigas. Aliás, se observarmos bem, é possível que haja até mais gêneros entre elas, pois o número de formigas é muitíssimo maior ao dos humanos. Então, por consequência, há muito mais indivíduos de seis patas a serem agradados do que indivíduos de dois pés.

Aliás, se observarmos a questão anatômica veremos como diferentes somos das nossas minúsculas amigas. Façamos outro aparte à nossa narrativa. Apesar de a origem de todos os seres vivos estarem ligados às cadeias de bases nitrogenadas (citosina, guanina, timina e adenina), que formam nosso DNA e RNA, é possível ver que a natureza é muito criativa. Basta ver a anatomia dos seres vivos, dos cinco reinos (já citados antes), a adaptação de cada um, as necessidades, a funcionalidade, enfim, como cada ser é diferente um do outro, muito embora a origem seja a mesma.

No caso específico de nós humanos e das formigas, as diferenças saltam aos olhos, a começar pela locomoção, já que precisamos de duas pernas, enquanto as formigas apresentam três pares de patas, tamanho, forma do corpo, sistema respiratório e as diferenças não param por aí. Além disso, é importante ressaltar, as formigas têm antenas e nós não temos esse apêndice. E são justamente as antenas que foram afetadas pelo vírus. Assim, a princípio nós não sofreríamos com esse parasita... Quão grande engano... A natureza age de forma curiosa, para um pode ser mortal, para outro não. Para um atinge um lugar, para outro não.

No entanto, ainda que haja tantas diferenças, as semelhanças também aparecem. A maioria dos seres vivos todos necessitam do oxigênio em forma de gás para dar suporte na geração de energia que precisam (neste caso, falamos mais especificamente do reino animal). Os açúcares que são gerados na digestão, também é uma das fontes primordiais de energia que os animais, entre eles os humanos e as formigas, precisam. A água, elemento abundante no nosso planeta, encontra-se em sua forma líquida de fácil acesso para todos os seres vivos. Assim, vemos que, apesar da criatividade da natureza, ainda assim, ela reservou elementos em comum para todos. Talvez surja aí a oportunidade para que seja reconhecida a importância de todos os seres vivos, indistintamente, pequenos, grandes, que voam, nadam, andam, rastejam, diurnos ou noturnos. Fica uma dica para todos...

Mesmo assim, é preciso lembrar que nada acontece sem que haja uma razão. A natureza tem dessas, ela age, e nem pergunta para nós se concordamos com ela ou não. Apenas somos “convidados” (vejam bem, usamos as aspas para mostrar a ironia) a seguir em frente, gostando ou não do que a natureza proporciona. E nós, e não ela, nós, temos de nos adaptar à que a natureza nos apresenta.

Aliás, aproveitando a inspiração de Toquinho, na canção Aquarela, a natureza pode usar de um de seus instrumentos, o futuro, para convidar-nos a rir ou chorar, pois o futuro, que tentamos pilotar, é, na verdade, dirigido pela natureza, apenas por ela, e sem pedir licença, ela muda nossas vidas. E como mudam. Quer desejemos ou não. O fato é que temos de nos adaptar a natureza e fazer melhor agora, não para esperar um futuro melhor, mas simplesmente para sermos bons.

Puxa, quanta filosofia aqui...

Mas não percamos de vista as atividades das formigas naquele período tormentoso.

Como falávamos antes desse aparte sobre a vida, as formigas divertiam-se de várias maneiras e uma delas é a televisão, ou, no universo delas, alguma coisa parecida com isso (isso para não perder de vista que usamos comparações entre os filmes que elas viam e o que nós vemos).

Pois bem, Na história delas houve um comentário de que apareceu um filme bastante emotivo, que todos queriam ver, pois era uma linda história de amor e tudo mais. Lembro-me então que tivemos também algo parecido recentemente, o famoso “Milagre na cela 7”.

Muitas também aproveitaram para atualizarem-se em sequências de grande sucesso. Star Wars, Avengers, podem ser citados como exemplos disso, além de outros grandes sucessos, como Velozes e Furiosos, Missão Impossível e uma infinidade de outros.

Também há filmes considerados clássicos, que marcaram uma época ou que o tempo fez com que se fizessem lembrados, seja pela história, um ator ou atriz de grande reconhecimento ou por outra razão qualquer.

E para alguns, o que pode ser novidade, para outros não é. Quantos filmes que já tem seus anos de produção e que são vistos pela primeira vez e se tornam marcantes? Assim, mesmo antigo, um filme pode ser uma novidade.

Enfim, podemos ver que a quantidade de filmes é enorme e durante o período de confinamento eles tornaram-se grandes companheiros para passar o tempo. E junto a eles, estavam as séries que seguem o mesmo padrão, ou seja, têm inúmeros gêneros e serviu para o mesmo fim, entretenimento nesse período difícil. O grande problema das séries e das novelas, devo confessar é que, quando bons, eles prendem-nos. Eis aí um problema. Podemos dizer um problema bom, mas é um problema, pois então esperamos mais um capítulo, mais outro, mais outro... E isso gera debates com outros que assistem, teorias, ideias, hipóteses. Eis um grande problema, sem dúvida...

Pois bem, todas essas atividades foram úteis durante aquele período de restrição de locomoção. Muitas ajudavam apenas a entreter, já outros proporcionavam momentos de reflexão, algo que é importante para todo mundo, não só para as formigas.

Algo que talvez seja importante citar é rever valores. Há quem poderá não entender o que é isso. Mas então, convido a todos para voltarem a uma temática, já aqui descrita. A filosofia.

Muitas formigas estavam extremamente presas à matéria. Somente folhas e frutos, ter cada vez mais, sem importar-se com a forma como conseguiam. Será que isso é realmente importante?

Pois bem, elas também pensaram nisso. E a resposta foi Sim.

Sim, é importante ter. Quem diz o contrário é abnegado ou fracassado. Abnegação é negação para ter a matéria, desprendimento em relação a ela. Convenhamos, não são todas as formigas que se colocam nessa situação. Que estão prontas a abrir mão de tudo. Só formigas especiais, que encontraram a iluminação são capazes disso. No nosso universo seriam chamadas de Buda, a iluminada. Já o fracasso é resultado da incapacidade de conseguir. Não é esta história destinada a entender as causas que leva alguém ao fracasso. E muito menos nós devemos ser sensores em relação a elas. Isso acontece, é fato da vida. Que um fracasso seja a oportunidade de aprender, para que uma vitória venha e um novo aprendizado com ela.

Pois bem, quando dizemos que Sim, que é importante, dizemos que a moderação é necessária. E não há como dizer que o que é importante para um é igualmente para o outro. As necessidades são individuais e cada um sabe o que é importante para si próprio. O mesmo acontece com as formigas. A satisfação de um interesse serve para esse ser, apenas para ele. O resultado colhido também é individual. Para outro ser, outra experiência e outro resultado. Por isso que o ter é relativo, para cada um, a satisfação da sua necessidade.

Contudo, não é só o ter, que é importante. Há mais, muito mais. Pois a simples satisfação do ter gera, após determinado tempo, o desejo por mais. Assim, somente ter não é o caminho. E rever valores insere-se nesse ponto. O que há além da matéria? O que esse momento gerou de expectativa? O que teve de ser mudado? Aliás, se é que se deve mudar algo!

Aqui cabe outro adendo, que é falar sobre o trabalho. Em física, trabalho é a resultante de um esforço, ou seja, uma energia aplicada em algo. De certa forma, esse conceito também pode ser aplicada ou adaptado ao conhecimento corriqueiro, já o que o trabalho é o esforço gasto por uma pessoa para transformar, física ou intelectualmente, alguma coisa. É verdade que usualmente, para muitos, o trabalho teria algo de enfadonho, chato, cansativo. Mas, com essa pandemia, com a parada a que todos foram obrigados, será que o trabalho não se tornou algo necessário? Observem bem, não só para a satisfação das necessidades básicas, mas para sentir-se útil? Ter a satisfação de realizar algo, de transformar, de ver o fruto de um esforço? Trabalho, assim, ganha nova dimensão.

Aliás, é exatamente isso que temos visto, o trabalho adquirir a verdadeira dimensão de dignificar que o pratica, pois quantos não foram os casos de quem entrou em depressão por causa de não poder trabalhar?

Pois bem, foi exatamente assim que aconteceu nesse período. Várias delas sentiram a necessidade de pensar nessas ideias. “Será que não existe algo a mais além desse monte de folhas, frutos e galhos? Será que não é preciso refazer nossos pensamentos? Rever nossos valores? Será que não é hora de entendermos as outras formigas? E os outros formigueiros? O que eu faço gera alegria e bem estar para outra formiga? Ou será que só levo incômodo e chateação? E o trabalho, como entendemos o seu significado?”

Sem dúvida, um momento desses proporciona esse tipo de oportunidade. Muito embora, temos que destacar, as oportunidades aparecem a todo instante, com bons ou maus momentos. Apenas é preciso que o ser se coloque numa situação de aprendizado.

Não seria melhor aprender com bons resultados do que com maus? O que o confinamento mostrou para nós? O que há para aprender?

E nesse momento talvez nos lembremos de Jung, que estudou os medos e como eles colocam-se para os humanos de forma inconsciente. Possivelmente as formigas tenham também o seu Jung, que estudou os medos no universo delas. Esse medo do desconhecido, despertado por um vírus, mostra o como somos frágeis, formigas, humanos, toda a criação, enfim. Tudo é finito, tudo tem um início e um fim, saibamos ou não a razão disso.

Pois isso serve para formigas e para humanos.

O ato de refletir, seja que momento for, é importante para que possamos ser seres melhores. Vejam só as formigas. O que elas viveram nesse período de isolamento? O que aprenderam? O que sentiram? O que isso serviu para elas?

Será que foram capazes de olhar para si próprias e aprender algo sobre elas mesmas?

Será que isso é possível fazer?

O que um momento como esse é capaz de fazer? Mesmo isolando as formigas, será que elas souberam entender o significado de união? O que a junção delas fez?

Qual a razão para tudo isso? Será tudo aleatório? Será que apenas surgiu para desestabilizar todos os formigueiros? Ou há uma razão para isso? E quem faria isso?

Muitos poderão pensar: “Mas então quem fez isso é um ser sádico, que quer ver o sofrimento das formigas.”

Será isso? Será que tudo é sem razão? Que não há um criador que a tudo observa? Ou será que as formigas são mais do que simples seres, frutos da combinação das bases nitrogenadas já citadas?

Não acredito no sadismo de um ser superior. Não, não seria isso. Talvez seja mais a necessidade. Sim, a necessidade de se tornar melhor, mesmo que não saibamos como, porquê, enfim a razão disso tudo.

Essa é a vida, e num período de confinamento, quantas ideias passaram pela cabeça das formigas? Quantas ideias por entre filmes, séries, jogos, caminhadas, teorias da conspiração, receita de comida e tantas outras atividades?

Se as formigas forem algo mais, então talvez exista uma necessidade de se aprender algo, de se transformar, pois o futuro vem e muda nossas vidas, disse muito bem Toquinho.

E assim, em meio à quarentena, tantas coisas puderam ser feitas, assistir a filmes, séries, telejornal, documentários. Pudemos rever vitórias esportivas para matar a saudade. Aprendemos a cozinhar, descobrimos habilidades manuais que não tínhamos como pintar, desenhar, modelar. E até mesmo descobrimos que, com um pouco de criatividade e esforço uma boa história sobre formigas e confinamento pode aparecer.

Talvez a vida das formigas tenha continuado. Na verdade, certamente a vida das formigas continuou. Elas estão aí, a cada revoada um novo formigueiro.

E nós igualmente. Entre medos, vontades, contos ou histórias, estamos aqui, em casa, esperando para que isso passe e que possamos fazer de tudo isso apenas mais um conto, de formigas ou de humanos, mas que seja um conto com final feliz.