FOI O AVIÃO, OU, FOI A CEGONHA?

A mágica acaba de se revelar. A criança chora. Maria fica pensativa. De onde vem esse choro? Diz consigo mesma. A avó sai do quarto com uma bacia de alumínio nas mãos. Ela indaga da avó sobre o bebê que está chorando. A avó diz que sua mãe acaba de dar a luz. - Que luz? O que tem a ver as lâmpadas, as tomadas, com o.choro de um bebê? Mamãe nunca disse que ia receber bebê algum! Maria está a pensar: de que jeito que esse bebê chegou que eu não vi e corre atrás da avó que está descendo as escadas.

Maria tem apenas, cinco anos, completou esses dias. Menos de um mês.

Ela torna a perguntar da avó de que jeito que mãe pôde ter esse bebê. Não vi nenhum bebê chegando por aqui. Se tivesse chegado eu teria visto. Depois, um bebê não anda, teria que ser trazido por um adulto e ninguém esteve aqui nas últimas horas. De onde ele veio, vovó? Sua avó responde que foi o avião que trouxe.

Maria sai para fora e fica olhando o céu. Depois vai brincar. Por alguns minutos ela esquece e avó pode respirar aliviada com suas indagações.

O bebê chora de novo, ela escuta, entra correndo em casa e sobe as escadas que dá para o quarto onde está a mãe. O pai barra-a na porta dizendo que ela precisa tomar banho primeiro, para depois ir conhecer o irmãozinho.

Maria retorna à cozinha e diz à avó que precisa tomar banho. Como a avó está ocupada, nem a ouve. A menina imediatamente entra no banheiro. É a primeira vez que toma banho sozinha. Depois do banho vai para o quarto e veste a sua melhor roupa. Olha-se no espelho, penteia-se e diz em voz alta: - Acho que estou bonita, bem vestida e cheirosa para poder conhecer esse menino tão importante, que segundo vovó, veio de avião. De avião!? Exclama, achando que avó está mentindo. Não ouvi barulho de avião e muito menos a estrada branca de fumaça que ele deixa no céu quando passa. Deixa estar que vou tirar essa história à limpo.

Foi lá no quintal perguntar da moça que o pai tinha arranjado para cuidar da casa enquanto mamãe se convalescia do resguardo, mas, a garota começou a rir descontroladamente...Ela vai embora, achando que a moça era uma bobona e que nem soubesse o que era um avião. Ela já sabia, pois, tinha ido à cidade grande naquele ano com pai para consultar o médico e viu quando uma baita aeronave baixou atrás dos prédios. Escutou o ronco ensurdecedor, olhou para cima e o viu... era imenso. Até pensou que ele estivesse caindo e começou a chorar, mas, o pai tranquilizou-a dizendo que ele tinha aterrissado no aeroporto.

Nesse momento, ela se lembra que por cima da sua casa passava o tal avião todos os dias, então, argumentou com pai porque que ele não fazia barulho, mas o pai explicou que era porque passava muito alto, bem acima das nuvens, por isso, não tinha barulho. Só deixava o rastro no ar e que o rastro era da fumaça que saía do rabo dele, por causa da queima do combustível. Assim que o pai terminou a aula sobre aviação, já estavam na porta do hospital.

Nessa lembrança, ela vê a avó indo para o riacho com a tal bacia. Será o que que tem nessa bacia, que saiu do quarto e agora vai para a água?! Acompanha a avó cheia de curiosidade, mas ela a manda de volta e diz que seu papai está lhe chamando. A menina retruca: - Vovó, o que está acontecendo com você? Mentiu para mim dizendo que o avião trouxe meu irmão, sendo que hoje, nem passou avião por aqui, pois, não tem o rastro dele no céu e agora diz que papai está me chamando. Não escutei nada disso. Quando papai chama é aos berros! A avó sem saber o que dizer, fala que ela é uma menina enxerida e a manda de volta, dizendo que não a quer atrás dela. A criança volta bufando de raiva, morrendo de curiosidade e sem resposta.

Entra na cozinha e sobe as escadas.

Encontra com o pai descendo e ele pergunta se ela está indo conhecer o irmão. Maria responde que não, e, devolve a indagação, perguntando a ele se esse menino já tinha um nome e ele diz que se chama José. Ela não gosta do nome, mas, fica quieta.

- José! Nome comum demais, sem graça, que todo mundo tem. Esse meu pai só sabe dar aos filhos nomes feios, mas vou questionar. Não quero José, acho que tenho o direito de pôr um nome mais moderno no meu irmão. Nesse pensar ela entra no quarto da mãe.

Sua avó materna está lá, sentada num canto rezando baixinho. Ao vê-la de cochicho já sabe que é a reza. Acha que a reza é comprida demais e ela querendo saber coisas dessa avó! Quem sabe sabe não é mentirosa como a outra! Fica observando a avó, que, enquanto reza balança as pernas.

Sobe devagarinho na cama de mãe, que está dormindo e roncando. Faz um gesto de que a mãe deva estar cansada.

O menino está no berço. Fica na ponta dos pés, mas, não consegue enxergar a cara dele. Na verdade, só vê um pacote, um embrulho que a avó diz que é gente. Fica até com medo e se afasta. Também o quarto está escuro e a avó diz que não pode acender a luz, porque a mãe está com dor de cabeça e o bebê não gosta de claridade.

Ela senta num cantinho do quarto e fica em silêncio. Deita no chão e dorme. Apanho-a e levo para a cama, no seu quarto. Ela acorda, na hora do jantar dizendo que está com fome.

Senta na mesa da cozinha e pensa: - Se mamãe não tivesse esse menino, eu teria comido, pois todos os dias à tarde a gente tem lanche quentinho e café com leite.

A avó coloca o jantar no seu prato e ela come. Depois a avó ordena que escove os dentes e volte para o quarto. Antes disso, ela pergunta à avó se pode ir conhecer o irmão. A avó responde que só no outro dia, porque ele está dormindo e se acordar vai abrir um berreiro e ai é você que vai cuidar.

A menina volta para o quarto e vai brincar com as bonecas. Depois, dorme calmamente.

Assim, que acorda no dia seguinte, levanta e corre para o quarto da mãe. O bebê está tomando banho.

- Que coisa feia! Ela diz, com cara de nojo, olhando para o que estava sobre a fralda usada em cima da mesinha. Uma verdadeira meleca preta. Fez ânsia de vômito.

- Que bebê engordurado!

- Vovó, você tem que lavá-lo esfregando com a bucha! A avó acha graça e a mãe ralha com ela por ter nojo do irmão, completando que o menino é irmão dela e que ela era igualzinha, quando nasceu.

- Que menino nojento e cagão! Deus me livre! Nunca que eu era assim!

Assim que termina o banho, a avó entrega-o a mãe que lhe dá de mamar. Maria fica olhando com cara de nojo de novo, e, a mãe outra vez, lhe diz que ela também mamava. Aí a menina vai ao espelho, olha para si também com nojo e diz que não pode ser e pensa: - Claro que eu não era feia e suja assim!

Depois da mamada, a mãe pergunta se ela quer pegá-lo no colo. Imediatamente ela responde que não e sai do quarto. Passa o dia inteiro pensando nisso, com nojo. Toda vez que lembra que uma hora vai ter que pô-lo no colo, tem medo de que ele faça cocô.

Na hora do jantar, quando lembra do tal cocô, cor de borra de café, larga o prato. A avó diz que era para comer tudo. Faz de conta que não escuta e vai para o quarto. Encontra a mãe no corredor. Ela lhe toma pela mão e leva-a ao quarto com muito carinho e diz para que pegue José no colo. Maria fala que não quer e que também não gosta do nome dele. A mãe argumenta que o pai quer homenagear seu bisavô. Nisso o pai vai chegando e Maria fala que não gostou do nome e que quer que o nome dele seja Carlos Eduardo. E complementando, diz: - Olha papai, além do bichinho ser feio e cagão ainda tem que chamar José, faça-me o favor! Que nome mais antigo! O pai ri muito e diz que está tudo bem, e que vai colocar o nome que ela quer. Maria fica toda feliz e aceita pegar o irmão.

Carlos Eduardo! Ela fica repetindo e pensa: - Não sou boba, nem nada... agora sei que os bebês não chegam de nenhum avião, mas, ninguém me diz a verdade. Uma hora pego mamãe de jeito e ela não vai ter como mentir.

No outro dia, a mãe desce para tomar café na cozinha com todos. Durante o café a menina fala:

- Mamãe, cadê o seu barrigão do tamanho de uma melancia gigante? Estou desconfiada que o Carlinhos estava ai dentro e todo mundo está mentindo para mim, não?!

Primeiro é o silêncio, depois todos caem na gargalhada, ninguém lhe dá a resposta que tanto quer.

Depois de muito tempo é que descobre, por si só.

Por isso, acho que a escola é muito importante. Os pais omitem coisas dos filhos, coisas essas que merecem explicação, deixam as crianças na dúvida, assustadas, até.

Descobriu logo depois da alfabetização, quando viu a mãe de uma coleguinha com o barrigão igual ao da sua mãe e na semana seguinte quando saíram da escola, a mulher já estava sem barriga. Então, sua coleguinha disse que tinha ganhado uma irmãzinha, que a cegonha havia trazido. Ela Escutou e arregalou os olhos, pensando: - Afinal, é o avião que traz, ou, é a cegonha?! - Será mesmo? - Duvido! - Quem está falando a verdade? Acho que o bebê não vem através de nenhum deles.

Deixa estar que amanhã vou perguntar à professora, essa não há de mentir! As professoras não mentem para seus alunos.

Creusa Lima
Enviado por Creusa Lima em 09/11/2020
Reeditado em 10/11/2020
Código do texto: T7107526
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