O chafariz

No centro da cidade há um chafariz.

No meio do chafariz, meninos se banham.

Riem, brincam, jogam água e fazem festa.

Se refrescam e esquecem da vida errática das ruas e semáforos, esmolas e furtos, policiais e reformatórios; das famílias destruídas e avós deprimidos, irmãos presos e pais drogados; da fome e frio, chuva e sol, medo e ousadia, vida e morte.

Sem limites, causam algazarra que atrai olhares:

Do pequeno empresário que abre a porta do comércio; do motorista que aguarda no semáforo; da militante atrasada para o psicólogo; do turista que visita lugares históricos.

Olhares que refletem sobre a pele queimada e molhada daqueles meninos sem lar.

Refletem sem querer:

“Melhor seria se não existissem”.

Para não afugentar clientes; para não pedirem e furtarem; para não reproduzirem os problemas sociais; para não emporcalharem um monumento.

E assim esses olhares tristes passam alheios pelos meninos que celebram a vida por um pequeno momento.

— É Natal, será que as tias da Igreja vêm hoje trazer a ceia?

— Presentes, talvez?

E a tarde quente de verão se passa no centro da cidade que não para.

Onde há um chafariz cheio de meninos que só riem.

***

Dedicado a todas as crianças que não vieram a este mundo celebrar.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 31/12/2020
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