Conto do Cotidiano I (Reedição)

Desespero. Este era o sentimento de Marcos naquele momento. O relógio marcava quinze e trinta, e o banco já estava encerrando o expediente do dia.

- Meu Deus! Se não andar rápido não conseguirei pagar as contas da empresa que vencem hoje.

Na cabeça de Marcos, passava a desagradável sensação de ser chamado á atenção pelo chefe, ou quem sabe, perder o emprego.

- João, empresta-me o carro para eu ir ao banco pagar e depositar o movimento do dia, senão o Pedro vai comer o meu fígado.

- Tudo bem, toma a chave. Mas olha, tem um segredo para ligar o carro. Embaixo, do lado esquerdo, próximo a porta do motorista, embaixo do carpete, tem um botão escondido. Você tem que apertá-lo e girar a chave, senão o carro não funciona. E fique atento, porque vez por outra ele apaga e tem que repetir o processo.

- Está bem cara! Mais alguma recomendação?

- Só mais uma: vá devagar, ainda estou pagando o carro.

- Certo, certo. Fica tranqüilo.

O carro de João era um Gol, semi-novo, ano 2006.

- Cadê o danado do botão?

Tateou com a mão o carpete e disse:

- Ah! Achei. É só apertar e girar a chave. Beleza! Pegou!

Marcos saiu em alta velocidade. Mas o trânsito era intenso e o relógio andava. Os pagamentos, em cima do banco do carona eram um tormento para os seus olhos.

De repente, o carro apagou!

- Puxa vida! Essa porcaria apagou logo agora.

Ele se abaixou um pouco, tateou com a mão o carpete, achou o botão e o apertou girando a chave.

- Pronto, pegou de novo. Tomara que não pare novamente.

E os minutos passavam. Aproximavam-se ás 16 horas e ele ainda estava a duas quadras do banco.

- Vamos, andem, andem. Vamos, vamos.

De repente, o carro apagou de novo.

Marcos não se conteve e soltou um palavrão:

- Puta que pariu! Que carro safado. Apagou novamente.

As buzinas dos carros atrás do dele eram intensas e contínuas. Além disso, a pressão do horário do fechamento do banco o deixaram com os nervos a flor da pele.

Ele se abaixou e com a mão esquerda tateava o carpete atrás do botão e com a outra mão girava a chave na ignição.

Ouvem-se sons de tiros vindos de escopetas ou algo parecido. Buzinas de carros, gente gritando, correndo, se escondendo e barulho de sirenes.

Marcos com os olhos arregalados, parecendo ser de surpresa ou de dor, dava os últimos suspiros. Uma rajada de balas tinha atravessado o vidro traseiro e acertado ele em cheio.

Atrás do carro de Marcos, um carro forte, estava parado, e alguns seguranças estavam com armas nas mãos se aproximando do carro de Marcos.

Policiais chegaram logo ao local e foram verificar a situação. Marcos estava agachado sobre o volante do carro, a mão esquerda pendendo embaixo e a direita agarrada à chave na ignição. Os documentos estavam no banco do carona e ele estava morto.

- Porque vocês atiraram nele? – perguntou um policial aos seguranças do carro forte.

- Bem, há poucos minutos atrás, ele parou o carro e se abaixou como se estivesse procurando alguma coisa. Isso nos alertou. Pouco tempo depois, aconteceu de novo e ele repetiu o mesmo gesto. Pensamos que ele procurava uma arma para nos assaltar e então reagimos primeiro.

O policial não podia mexer no corpo de Marcos antes da polícia técnica, mas olhou para ele e deduziu que tinha sido um engano. Notou os olhos dele e disse ao colega ao lado:

- Os olhos dele demonstram que ele estava apressado. Existem documentos no banco do carona. Acredito que ele não era bandido.

- É, tudo leva a crer que foi um engano- disse o outro policial

- São coisas dessa loucura urbana de cidade grande.

(reedição)