FANTASMAS DE ESTIMAÇÃO

Recebia visitas e passávamos o tempo conversando de amenidades, quando o assunto veio à pauta. Um dos parceiros assegurou que os fantasmas eram eternos. Mudam de forma, modo de se vestirem, de assustarem os seres vivos, ao longo de sua permanências nas vidas das pessoas.

Outro disse que quando criança, insistia em passar as noites acordado, brigando com o sono. Morria de medo com o soprar do vento balançando a cortina do quarto.

Naqueles tempos os fantasmas vestiam-se com lençóis.

Se tentavam acalmá-lo, teimava que o fantasma de lençol poderia estar disfarçado com a cortina.

“Oi, tudo bem?”

Senti vasculharem os cantos da sala, sem nada ver.

Expliquei sobre o garotinho que frequenta o quarto. Deve morar lá. Vive atrás da mesa do computador. Basta entrar no quarto e ele aparece. Passamos noites conversando. Durante o dia desaparece.

Imagino saber quem seja, mas não tenho certeza, pois esconde o rosto.

O fantasma parece ser tão tímido quanto eu.

Alguém narrou sobre a preocupação dos pais com a situação e incomodados pelos comentários dos parentes e parentes, socorreram-se de rituais de exorcismo, banhos e lavagem de água benta e visitas à benzedeiras.

Outro confessou que sofreu com tantas palavras e orações. Jogaram inúmeros produtos sobre o seu corpo e cantos dos ambientes. Ficava um cheiro de espantar baratas em tudo que era canto de sua casa, mas não espantava os fantasmas.

O pediatra de um de nós, com especialização em psicologia aplicada, diagnosticou: “Terror Noturno”.

“Que terror, doutor?” Corrigiu a mãe.

“Ele adora os fantasmas. Viajam pelo teto do quarto. São uma grande família. Meu filho diz que eles tem até representante junto ao mundo dos vivos”.

Caímos na gargalhada quando ele falou que era Grilo Falante, com o qual conversava abertamente.

O tempo passou, nós crescemos e parecia que os fantasmas haviam desparecido. Concordamos que os estudos advindos com a adolescência, os empregos e responsabilidade da vida adulta, deixavam-nos exaustos e com menos tempo para observar a presença dos fantasmas. Não tínhamos para conversar sobre o assunto.

Ninguém disse mais nada, mesmo porque é imprescindível medir as palavras sobre o assunto, principalmente depois de uma certa idade. Se caímos na besteira de falar que vemos com fantasmas e conversamos com eles, sinal amarelo na família.

“Surtou! Senilidade ou Alzheimer” são os menores diagnósticos definidos pelo psiquiatra para o qual somos encaminhados, indefesos.

Já “paguei esse mico” e desde então, juro de pés juntos que não vejo mais ninguém. Garotinho xereta, mulheres andando pela casa, senhores sentados no sofá da sala. A moça de branco do banheiro só de ouvir fala.

O avançado da hora faz com que o antigos colegas se despeçam e vão embora.

Vejo solitário,

“Oh, Menininho! Não mexa nos CDs”. Advirto ao garotinho.

“Desobediente e arteiro que nem só você”, complemento...

Só a gente mesmo para nos entendermos, prossigo.

Penso com a coragem do fim de noite: “Qual o mal em termos um fantasminha de estimação. Dão menos trabalho que um pet. Os meus fantasmas nunca fazem necessidades no chão, rasgaram roupas ou outras travessuras. Não dão despesas com pet-shops, banho e corte de pelo, vermífugos, vacinas, etc., etc., etc.

O pensamento vai longe, enquanto falo para o senhor sentado no sofá: “Os fantasmas sempre me dão ouvido. Converso livremente com eles. Que se lixem que pareça estar falando sozinhos”.

Abaixando o tom de voz: “Epa! Preciso tomar um cuidado essencial. Não obedeço cegamente aos fantasmas, nem dou ouvidos a suas sugestões malucas”.

Lembro-me dos aprendizados dos professores do curso de Direito: “Os fantasmas são inimputáveis, os humanos não”.

Os fantasmas voam e atravessam paredes, humanos não. Os fantasmas são invisíveis, exceto aos olhos de seu “dono”, estes não são.

Precisamos desses cuidados, pois os fantasmas não correm o risco de serem internados num hospital psiquiátrico e os humanos sim.

Sozinho em casa, conversando com meus botões (apelido politicamente correto dos fantasmas), lembro-me das noites de insônia constantes e infalíveis e imagino que viva alma teria sido cada um dos fantasmas que convivem pacificamente comigo.

Reza a lenda, para quem crê, serem os fantasmas almas “penadas” que não compreenderam a morte e ficam zanzando pelos lugares em que viveram.

Começo a entender e identificar meus fantasmas. O menino que faz coisas e tem curiosidade semelhante as que eu tinha na infância. Quando cresci, deixei o menino na casa. As senhoras quem sabe sejam as avós que não conheci. Na mesma linha de raciocínio, o senhor idoso pode ser o avô que não conheceu seu neto.

Escapa-me um sorriso. Concluo que fantasmas são “do bem”.

Naquela noite consegui cochilar, talvez, sentindo-me protegido pelos fantasmas que passeiam em minha casa.

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 20/05/2021
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