eu não sabia...

Ontem, preparei-me para ir à festa de aniversário da minha amiga Vera. Eu tinha combinado com meu marido para que ele ficasse com os meninos. Ele concordou e me disse que eu fosse tranqüila para a festinha. Depois de tudo combinado, meu marido adoeceu de repente. Que chantagem. Sempre que eu preciso sair, principalmente se for para me divertir um pouco, ele adoece: uma dor de cabeça, um mal estar súbito, uma enxaqueca, indisposição estomacal.

Eu já tinha posto meu vestido branco de algodãozinho, artesanal. Estava elegante, apesar do traje rústico. Coloquei brincos de argola, artigo muito em voga hoje em dia. No meio de cada argola havia um ossinho de elefante. Calcei minhas sandálias de couro e improvisei um detalhe para o vestido: um tecido rosa choque transparente, que envolvia minha cintura, como se fosse um cinto. Borrifei o rosto com pó compacto, o blush avermelhou-me as faces. Deslizei um batom rosa-choque sobre os lábios. Huuuummm... O batom combinava com o detalhe da cintura. Aspergi uns respingos da minha colônia preferida da natura no pescoço, nos cantinhos das orelhas, nas axilas, no entre seios. Examinando-me ao espelho, percebi-me mais alegre, mais jovial. Quem me visse assim, poderia pensar que eu tinha encontro com alguém especial. Que nada. Era apenas o aniversario de Vera, festinha inocente. Compareceriam algumas colegas de trabalho, talvez algumas amigas da igreja, e pronto.

Quando terminei os últimos retoques, fui à sala onde meu marido se encontrava assistindo à tv com as crianças. Vendo-me assim tão arrumada, ele se levantou da cadeira onde estava, apertou os cenhos e falou: "Estou passando mal. Ai, minha enxaqueca, que dor. Para onde você vai mesmo, querida?" Falei que ia para o aniversário de Vera. E acrescentei: “Combinamos que você vai ficar com as crianças”. Ele se firmou na ponta da mesa e eu percebi que ia desmaiar. Socorro. Segurei-o e coloquei-o no sofá. Ele suava. Busquei um copo com água. Depois que tomou água, recostou-se no sofá e falou: "Estou melhor. Está passando”.

Decorridos aproximadamente dez minutos, acomodei meu marido na nossa cama. As crianças se recolheram. Parecia que as coisas se aquietavam e a calma voltava a reinar. Pensei cá comigo: pronto, quem sabe agora vou à festa de Vera. Fui à toalete, olhei-me no espelho, arrumei levemente os cabelos. Experimentei recompor minha elegância. Quando tentei, novamente, acender meu corpo com a fragrância da natura, o cheiro se espalhou no ar e invadiu a casa inteira. “Huuummm”. Era meu marido gemendo. Voltei ao quarto e ele ainda gemia, entre dentes: “Huuummm. Minha filha. Você ainda vai sair?” Eu não respondi nada. Bruscamente, meu vestido ficou muito feio, meu rosto ficou muito cafona. O detalhe do meu vestido e o batom rosa-choque logo me pareceram vulgares, muito bregas. Eu mais me parecia com uma papangú.

Em meio a tantos pensamentos negativos, de repente senti uma gosma viscosa pregando em meu corpo, envolvendo meus cabelos, meus braços e pernas, como se aquilo fosse gosma de uma imensa teia de aranha. Fazia muito tempo que eu estava assim, presa dentro do casamento, aquela coisa pegajosa. Fazia tanto tempo, e eu não sabia. Ontem, quando tentei ir para o aniversário de Vera, a ficha caiu.

dôra
Enviado por dôra em 17/11/2005
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