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VERDADEIRA GUERREIRA
 
Hoje estive pensando no passado, no tempo em que trabalhei na zona rural. Foram duas fazendas: Fazenda São Paulo, onde nasci, fui criado e trabalhei um tempo como fiscal de turma na lavoura de café; depois, já morando na cidade de Presidente Alves, trabalhei na Fazenda Jacutinga, onde fui escriturário e administrador.

Durante esses anos todos, conheci muita gente. Muitos não estão mais entre nós. É sobre uma destas pessoas, que já partiu para eternidade, que eu gostava e admirava muito, que vou falar.

Dona Joaquina Lourenço trabalhou comigo nas duas fazendas; eu a conhecia desde que eu era criança. Quando entrei na escola, na segunda metade da década de 1960, íamos cedo para a cidade por um trilho no pasto que saía na estrada, pouco antes de entrar na cidade. No caminho, encontrava com ela, que ia para o trabalho.

Naquele tempo, tinha a turma do Luiz Stabile, de trabalhadores volantes; saíam cedinho de casa na cidade e percorriam um longo caminho a pé até chegar à lavoura.

No início dos anos 80, já não tinha mais o empreiteiro e os trabalhadores eram contratados direto pela fazenda; tinha um fiscal e eram transportados em carreta de trator ou caminhão. Por algum tempo eu fui esse fiscal.

Dona Joaquina trabalhou na minha turma. Lembro-me dela com traje característico das mulheres na época: calça comprida e uma saia, camisa de manga comprida, chapéu e um lenço amarrado por cima para proteger o rosto do sol. No caso dela, tinha algo a mais, uma rodilha de pano em cima do chapéu, onde carregava uma moringa de água e andava pelo meio do café equilibrando-a sem segurar.

Não sei a idade dela naquela época, mas penso que já tinha passado dos 60 anos. Era de estatura mediana, magrinha, cabelos longos e grisalhos que estavam sempre enrolados e presos embaixo do chapéu.

Sua constituição física não aparentava, mas tinha uma força e disposição invejável. Mulher de caráter, correta em todos os sentidos, trabalhadora incansável. Era querida e respeitada por todos da turma. Com uma personalidade forte, o que costumam chamar de sistemática, ela conversava com todo mundo, brincava, sorria, mas, quando estava de cara fechada, era melhor deixá-la quieta.

Quando ela não estava de mau humor, costumava chamar carinhosamente a quem estimava de “Doce de Coco”. Ás vezes, eu estava andando no meio do cafezal alto que não dava para ver as pessoas e ouvia: -- Doce de Coco, vem aqui.

Eu ia até onde ela estava e ficava lá um tempinho conversando. Mais ouvindo enquanto ela falava às vezes dos filhos, quase sempre de uma filha que morava longe, contava alguma passagem de sua vida, das labutas diárias da vida doméstica e o trabalho na roça.

Depois, no meu tempo na Fazenda Jacutinga, também dona Joaquina trabalhou; mas aí, meu contato com a turma era pouco; às vezes aos sábados na hora do pagamento ou, quando eu estava percorrendo os trabalhos, dava uma passada onde estavam trabalhando.

Tem uma passagem até engraçada. Num sábado, hora do pagamento, os patrões na época, Sr. Roque e Dona Emília, estavam no escritório, quando chegou dona Joaquina para receber. Conversamos e eu fiz uma brincadeira com ela, que riu muito. Dona Emília observando, ficou preocupada, depois me chamou de lado e disse:

-- João, você brinca assim com dona Joaquina, ela vai brigar com você.
Eu respondi:
-- Não briga, não, eu a conheço faz muito tempo. É que eu já tinha notado que ela estava de bom humor, senão não me arriscaria brincar daquele jeito.

Todos que moravam em Presidente Alves nessa época conheceram dona Joaquina, mesmo que fosse só de vista, a viram indo para o trabalho ou andando pelas ruas, mas aqueles que, como eu, tiveram o privilégio de conviver com ela, sabem do que estou falando. Mulher de boa têmpera, uma longa vida de dedicação à família e ao trabalho, hoje está no merecido descanso, e, a nós, resta a saudade.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 07/08/2021
Reeditado em 13/08/2021
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