CAMISA 6

No ano de 1972, quase todos os meninos que jogavam futebol na minha rua suburbana completaram treze anos. Comigo não foi diferente, em julho completei os meus.

Jogávamos ‘bola’ na rua e nos campinhos que viriam a sucumbir à especulação imobiliária alguns anos depois. Minha posição era na lateral direita, camisa 4 tradicional, daqueles que recebe a bola do goleiro, dá três toques e passa para o companheiro mais próximo. Os laterais que víamos jogando eram burocráticos, com exceção de alguns como Marco Antônio, lateral esquerdo do Fluminense, que perdeu a titularidade na seleção de 1970 para Everaldo, do Grêmio, justamente por ‘ir’ muito ao ataque.

Tudo corria normalmente nas ‘quatro linhas’ das peladas, até que fui ao Maracanã assistir a um jogo do meu time, o Botafogo. Sentei na arquibancada, meus olhos foram atraídos para a lateral esquerda e de lá não saíram.

Francisco das Chagas Marinho, Marinho Chagas ou Marinho Bruxa, era o lateral esquerdo do Botafogo, o camisa de 6. Marinho marcava e atacava com muita desenvoltura, e o inacreditável: era destro.

Por que ele não jogava com a camisa 4 como eu?

Logo percebi que ao avançar pela lateral esquerda, Marinho cortava para o meio e disparava uma ‘bomba’ para o gol, nesse jogo ele marcou assim.

Então, o macete era jogar com o ‘pé’ trocado, pensei.

No dia seguinte conversei com os colegas de time e disse que, a partir daquela data, não seria mais lateral direito, mudaria para a 6. Mas, como assim? A lateral esquerda estava ocupada, ‘tinha dono’, disseram. Fui para casa aborrecido.

Nas férias de fim de ano eu costumava passar uns três, quatro dias, na casa da minha avó, no Catete. Meu pai não permitia que eu ficasse mais que uma semana e eu também sentia falta do Meier. Ficar no Catete era bom porque eu ia à praia com meus primos e jogávamos futebol no Aterro do Flamengo.

O futebol para mim era ‘engessado’, por isso quando jogava não vibrava muito. Porém naquele verão foi diferente. O treinador do time que meu primo jogava perguntou qual era minha posição. Com o peito estufado disse: lateral esquerdo. Treinei com o time e o futebol passou a ter outro significado. O treinador permitia que os laterais avançassem, foi a senha para que eu me sentisse o próprio Marinho Chagas. Fui aprovado e ganhei a camisa 6 daquele time improvável.

Quando se passaram os tais ‘três, quatro dias”, meu pai foi me buscar e eu não quis voltar para casa. Convencido pela minha avó, tias e primos, meu pai permitiu que eu ficasse mais tempo, que durou vinte e poucos dias. Quando fez um mês que eu estava longe de casa, meu pai retornou e disse que eu teria que voltar. Andando pelo Aterro ele disse que meus amigos estavam com saudades, que todos os dias iam lá em casa me chamar e que, inclusive, deixaram a nova camisa do time lá em casa.

Ao ouvir isso perguntei a meu pai: qual o número da minha camisa?

Sem saber o tamanho daquela resposta, o quanto ela representava para mim, ele disse: acho que é a 6!

No dia seguinte estava jogando no campinho, junto com meus amigos, deixando minhas pegadas no lado esquerdo do campo, da defesa ao ataque.

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 08/10/2021
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