Meninice

[Conto que garantiu o segundo lugar no 5o. Prêmio Joinville de Expressão Literária]

Sobretudo vejo o arquipélago ao afogar os pés na porta do quarto. Desacendo a luminosidade e coloco-me em postura de como quando avistei-as no mundo em primeira instância.

Elevei as pálpebras e percebi: elas olhavam para as minhas - para as mãos, principalmente.

Ontem anoiteceram espantadas: ao adormecer, eu pequei a maior das dores de uma vida adulta cruelmente antecipada. Não havia feito minha prece como nas infâncias passadas.

Logo juntei as mãos, entrelacei os dedos e penumbrei os olhos com força; tanta de amassar os cílios. Nesse instante, meu inconsciente presenciou um estado de entrega total; dentro de uma ingênua meninice.

Os astros quase em plena decepção forçaram sorrisos de alívio.

Passado as horas, principiou o sol. Fez guardarar, pois, as estrelas suas contidas confissões dessa quase desarmonia.

Despertei com a janela do quarto gritando em raios de luminosidade.

Fiz uma prece.

Aquela de uma inocência que implora saudade.

Tive o pressentimento de estar num gramado extenso com árvores de todos os tipos e balas de morango e abraços de comprazo. Pernas curtas e joelhos ralados, pés descalços ou sobre galhos traiçoeiros. E sonos embalados que meu avô me presenteava.

Abri os olhos e desentrelacei os dedos.

Mas a infância já havia passado.

Heloisa Rech
Enviado por Heloisa Rech em 15/11/2007
Reeditado em 02/12/2008
Código do texto: T738707