O Ciclo

O CICLO

Tarde de inverno. Eu subia as escadas da escola que um dia subira

sonhando. Eu e minha turma. No século passado, eu tinha percorrido o

mesmo trajeto para participar de reunião de pais. Queria ser professora.

Professora dessa escola.

Eu subia as escadas seguida por vinte e três pares de olhinhos ansiosos

e aventureiros. Desviamos um pouco a fila no corredor porque ali na sala

onze tinha uma professora no meio do caminho. Ajoelhada. Eu ia brincar com ela:

“Está rezando, amiga?”, mas engoli a frase ao perceber que o caso era

sério: diante dela, uma preciosidade nossa, uma menina ruiva e linda...

Aos prantos.

Ainda algumas imagens da vida me comoviam, que bom! Eis uma delas,

quando um adulto escorrega de seu pedestal de maturidade e se prostra

diante de uma criança que precisa de ajuda. Não parei para especular

o problema daquela menina. Não era necessário. Segui feliz com minha

turma, pois minha intuição dizia que a necessidade daquela aluna estava

sendo atendida com louvor.

E a vida seguiu quase tranquila. Subi aquelas escadas incontáveis

vezes, ora esperançosa, ora reflexiva, mas sempre resolvida a ser alguém

que soma nos pequenos seres não só o conhecimento que cabe dentro

das margens do caderno, mas os saberes da alma e do coração.

(...)

Tarde de verão. Primeiro dia de aula. Subo as escadas da escola levando

um neto pelas mãos. Ela sobe também, seguida por olhos ansiosos: alunos,

pais, algumas avós... e eu. Ao entregar meu precioso menino em suas

mãos, reconheço algo na moça. Cabelos ruivos, sala onze. Sem saber o

que penso, ela sorri e, juro, seu sorriso me segura a alma.

– Tchau, vó! – grita o netinho, me acordando.

– Boa tarde, a senhora é a avó? Fica tranquila, viu? É meu primeiro dia

também e sabe...eu amo esta escola! Estudei aqui, acredite, bem nesta

salinha! Tive uma professora maravilhosa aqui!

– Eu sei, minha filha! – foi só o que consegui pronunciar.

Se eu quisesse dizer mais, minha voz não sairia da garganta. Lembrei

da minha colega ajoelhada, por onde andaria? Não sei. Só sei que

tudo valeu a pena. Lembrei de tantas outras colegas nessa hora... Risos

ecoaram, alunos correndo, cadernos.

Não fiz nenhuma pergunta. Não era necessário... Apenas segui feliz.

Denise Paredes
Enviado por Denise Paredes em 28/01/2022
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