ALGUM TEMPO DEPOIS

Leandro e Helena se conheceram na luxuosa sala de espera da Agência de Empregos Alfa Centauro S/C no centro velho de São Paulo/Capital. Era o enregelante início da primeira semana do mês de agosto. A garoa fina presente desde a semana anterior mantinha a temperatura abaixo dos dez graus com o vento frio fustigando as ruas. Os casacos retirados às pressas dos armários onde estiveram esquecidos desde o ano anterior, agora molhados e pesadões, exalavam o desagradável cheiro de mofo das coisas velhas guardadas em ambientes sem ventilação.

A longa espera deu motivo para um trocar de palavras entre os jovens que aos poucos descobriram muitas afinidades e a coincidência de morarem na mesma quadra, sem que houvessem se encontrado antes daquela ocasião.

Naquele tempo as colocações eram imediatas. Havia carência de mão de obra por toda parte do Estado Locomotiva da Nação. Eles foram colocados em empresas com localização diametralmente opostas, mas prometeram se encontrar novamente e cumpriram a promessa em finais de semana tomando sorvete nos parques ou comendo pizza nas badaladas praças de alimentação dos shoppings e foi num desses dias que Leandro pediu para namorar com Helena.

Dois anos depois do início do namoro, houve a festa de noivado e em comum acordo, estabeleceram algumas prioridades como formatura, concurso público, promoções no emprego para antes de marcarem a data do casamento.

Na esquina das ruas Conselheiro Salles com a São Benedito havia o que sobrou da tapera aonde viveu por mais de cem anos a Nhá Firmina, que tinha sido escrava e rezava mal olhado nas crianças do bairro. A casa de taipa não resistiu aos rigores das chuvas e foi lentamente se desfazendo. O mato tomou conta do terreno que Leandro conseguiu comprar com o intuito de construir a casa em que haveriam de morar depois de casados.

Alguns amigos se prontificaram em ajudar vez que não havia dinheiro suficiente para contratar pedreiros e, por conta disso, a construção foi sendo erguida aos poucos, em fins de semana, feriados e principalmente nas férias. Os ajudantes foram rareando com o passar do tempo e a maior parte da construção da casa planejada para o casal e mais os três filhos que imaginavam ter, ficou mesmo exclusivamente a cargo de Leandro.

Por sua vez, Helena quis fazer todo o enxoval bordado à mão. Eram toalhas, lençóis, fronhas, colchas todas peças, grandes ou pequenas, que depois de prontas eram guardadas no baú herdado da dona Isaura, tia-avó que ficara viúva nas vésperas do seu casamento por conta da briga no bar aonde seu noivo fora comprar cigarro e foi atingido por bala perdida antes que pudesse se retirar.

Helena foi aprovada no concurso estadual e assumiu o lugar de professora em Santa Bárbara d’Oeste. Nos primeiros meses ela vinha para casa em todos os finais de semana. Depois acertaram que, para conter os gastos, ela e Leandro se revezariam nas viagens até que ela pudesse ser transferida para município mais perto da Capital.

Finalmente a casa ficou pronta, mas como Helena ainda estava morando no interior, Leandro achou por bem alugar a casa a fim de melhorar os ganhos e ajudar a pagar as mensalidades da hipoteca que, mesmo cabendo no orçamento, não eram pequenas.

Nesse meio tempo, os pais de Helena faleceram num desastre de automóvel quando estavam indo visitar a filha e a mãe viúva de Leandro morreu de infarto. Para não ficar morando só na casa grande onde passara toda vida, Leandro contratou uma imobiliária para cuidar do aluguel mobiliada tal como estava. A tia Isaura foi morar no interior com Helena e a casa dos seus pais também foi alugada com os móveis, porque ela não os queria na casa em que, depois de casados, eles iriam morar.

Leandro foi destinado para gerenciar a filial no Rio de Janeiro e entregou à administradora a casa que havia construído.

Anos depois, voltou para São Paulo para assumir uma diretoria na matriz da empresa e Helena foi transferida para a Capital como coordenadora das escolas da Zona Leste. Finalmente reunidos Leandro e Helena se deram conta de que estava na hora de celebrar o casamento tantas vezes protelado e sem comemoração digna do nome, realizaram o casamento civil com a dona Isaura como testemunha.

Através da administradora que cuidava das três casas, alugaram apartamento em prédio novo no Tatuapé, aonde em quartos separados, os três teriam o máximo de privacidade. Além da facilidade de transporte coletivo para qualquer parte da cidade e proximidade de serviços, havia garagem para os dois carros do casal.

Aquele relacionamento que na distância era idílico em todos os sentidos, transformou-se em pesadelo quando no convívio diário, salientaram-se a incompatibilidade de gênios, preferências musicais, hábitos adquiridos nos muitos anos de solteiros independentes, e principalmente a ausência do sentimento do “nós”, que é a pedra fundamental nos relacionamentos sólidos.

Assim, apesar das Bodas de Prata do noivado, mesmo antes das Bodas de Algodão do casamento, Helena e Leandro deram entrada no consensual processo de divórcio.