A Saga de Godofredo XVII – Surpresa a Bordo

10.04.22

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-Doutor, está melhorando o estado do meu marido? Ontem, ele teve aqueles espasmos e é sinal de melhora, não? - pergunta a esposa de Godofredo ao neurologista do hospital que está cuidando do coma induzido do seu marido. Era o segundo dia após o estúpido acidente de moto que o deixou assim.

-Está clinicamente estável e isso é bom. Temos que esperar mais tempo. O importante é ele seguir assim – respondeu-lhe o médico.

Sua esposa, Janice, acariciava carinhosamente os cabelos castanhos e encaracolados dele, ainda inerte no leito sob os instrumentos da UTI. Seus dois filhos não vieram dessa vez. Lágrimas finas e silenciosas caiam de seus olhos.

Hassan embarcou na nau capitânia, seu antigo navio, com sua tripulação e Halim, Abbud e Nabi.

A frota deslizava calmamente em formação triangular, pelo turquesa do mar Mediterrâneo, tendo à frente o navio de Saladino. Sfax era apenas um pequeno ponto ao longe, na costa africana. Abbud, o contramestre, junto com Halim, o comandante, levavam a embarcação com suas velas enfunadas sob um lindo dia ensolarado e um límpido céu anil.

Era uma bela visão da frota de oitenta navios singrando o mar, como uma formação de pássaros em migração. A travessia até Lampedusa, parada de abastecimento, demoraria dois dias. Hassan teria tempo suficiente para tirar suas dúvidas quanto aos planos de ataque de Saladino. Desconfiava que o definido na última reunião do alto comando não seria seguido efetivamente.

Saladino veio ao encontro de Hassan e seus companheiros na ponte de comando do barco. Olhou os seus navios e disse entusiasmado:

-Que bela visão da nossa frota a caminho da vitória contra os nossos inimigos cruzados! Que Alá nos faça vencedores! Que Alá seja louvado! - berrou ao final do seu falar.

-Que Alá seja louvado! – responderam todos no navio.

Saladino dirigiu-se a Hassan e puxando-o pelo braço para longe de sua equipe, perguntou-lhe em voz baixa:

-Sabe onde está a minha filha? Não a vejo desde ontem.

-Nobre sultão, despedi-me dela ontem antes de embarcar e desde então não a vi mais. Será que Schain, aproveitando a nossa partida, mandou os seus seguidores fazerem algo com ela?

-Impossível! Ficou trancafiado em seus aposentos desde a acareação e não teve contato com ninguém, pois dei ordem expressa para que isso não ocorresse. Vou conversar com o pai para saber se algo ocorreu – disse indo em direção à proa da embarcação.

Hassan foi aos seus aposentos descansar um pouco, pois ainda estava fraco da operação da retirada da faca que Schain cravara no seu ombro. Ao entrar, percebeu que algo estava errado, mas não sabia o quê. Olhou ao redor observando cuidadosamente cada canto do quarto, pois poderia ter alguém a espreita e lhe atacar a mando de Schain. Viu que seu baú pessoal estava deslocado da posição original. Estranhou. Foi até ele. Abriu-o e levou um tremendo susto, não acreditando no que via. Mira encolhida dentro dele, dormitava. Hassan a chacoalhou carinhosamente, fazendo com que ela acordasse assustada. Ao vê-lo, sorriu matreiramente. Ele respondeu com outro sorriso carinhoso.

-Você aqui? Uma grata e perigosa surpresa, minha querida – sussurrou Hassan.

-Sim, perigosa, mas menos do que ficar no mesmo castelo com Schain, podendo vir a ser raptada por seus homens, meu amor – respondeu Mira no mesmo tom.

-Concordo! E agora, como faremos querida? Vai passar os dias trancafiada aqui? E nas batalhas poderá ser morta. É um risco muito grande. Se seu pai souber que está a bordo, vai achar que eu a trouxe como proteção, um escudo, a qualquer ação que possa vir eu a sofrer pelos homens de Schain. Ele me perguntou a pouco, e a sós, se eu sabia de você e respondi que não.

-Querido, depois da parada em Lampedusa, irei ao meu pai e contarei tudo o que aconteceu e direi que é melhor estar junto com você do que com Schain no castelo. E pensei em uma solução definitiva para a nossa situação: casarmos aqui no navio. Ele faria a nossa união – disse ela abraçando-o e beijando a sua boca com paixão.

Hassan ficou apreensivo após o beijo amoroso de Mira. Ouviu passos vindos em direção ao seu aposento. Rapidamente, recolocou Mira no baú e o cobriu com uma túnica que estava sobre a cama. Batidas em sua porta foram dadas com a voz estridente de Nabi perguntando:

-Está tudo bem, Hassan?

-Sim – disse Hassan abrindo a porta e saindo do quarto.

Hassan olhou firme nos olhos de Nabi e lhe falou mentalmente:

-Mira está em meu quarto! Ela fugiu do castelo com medo de Schain. E quer se casar comigo aqui no navio após a parada em Lampedusa. Irá pedir ao seu pai que nos case, e assim, as questões e dúvidas sobre a minha lealdade se acabarão.

-Não acredito! Ela é corajosa e destemida, hein? Mas casar com ela, você um cristão e inimigo figadal de Saladino, como? E quanto aos seus companheiros, sua crença, como ficam? Ao casar com a filha de Saladino será obrigado a enfrentar seus companheiros cruzados. Irá matá-los? Hassan, ou melhor, Godofredo, pense bem no que está prestes a fazer, será o seu banimento e condenação como traidor! Lembre-se que sou a sua consciência.

Hassan permaneceu calado. Nabi perscrutava-o. Subiram ao convés. Saladino continuava na proa da nave e virou-se ao vê-los. O olhar do sultão para Godofredo definiu a sua decisão, que passou para Nabi mente a mente:

-Vou contar a Saladino que Mira está em meu quarto e da sua fuga de Schain. Acho que assim estarei demonstrado a minha lealdade para com ele e sugerindo que a desembarque em Lampedusa. Sei que Mira não me perdoará, e eu também não, pois é o meu amor. Mas, é um risco muito grande ir para a batalha conosco. Assim, a preservarei; não serei taxado de traidor e agirei sem qualquer influência dela em minhas ações. Acho ser essa a melhor solução ? – pergunta a Nabi que o encarou fixamente durante o seu discurso.

-Concordo Godofredo. E quando pretende contar a ele? E para ela?

-Penso em contar primeiro a ele ao atracarmos em Lampedusa e depois a ela. Ficará muito brava comigo, pedirei ao pai que me ajude a acalmá-la e a persuadi-la a nos aguardar lá, não voltado para Sfax.

-Bem pensado Godofredo!

-Vou avisar Halim e Abbud sobre ela e manteremos segredo – finalizou Godofredo.

A frota seguia o seu curso firme e inalterado, pois segredos haviam de ser guardados até a próxima parada. Mira dormia tranquila, agora na cama de Godofredo. Não era mais uma surpresa a bordo.

Nota do Autor

É uma obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 10/04/2022
Código do texto: T7491985
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