Tarde de Domingo

“Pois é, filho” respondeu cansado o pai à entusiasmada afirmação do menino de que um pássaro acabara de pousar num torto galho. Sob a luz de uma mesma tarde ensolarada de todos os dias, Igor não via novidades onde quer que fosse. Sobe a rua o sorveteiro suado e seus picolés igualmente gotejantes. Desce a mesma via cães, gatos, carros e outros passantes que nada ilustram no cenário cinza do concreto. Já seu filho, com cinco anos vividos, ainda não se importava com a falta de um nome próprio que o identificasse e via em tudo algo novo e digno de minuciosa análise, estudo este que se perdia ao primeiro sinal de um novo objeto de interesse para o garoto.

Suspirava ao ver o filho debruçar-se por sobre a varanda para ver o movimento. E antes mesmo que tivesse chance, oportunidade ou mesmo vontade de tornar a puxar ar aos pulmões via o pequenino gritar para o ralo, chutar sua bola de plástico e girar como peão entre um azulejo e outro do quintal. Curto gole na cerveja e fingia existir algo na rua que atraísse seus olhos, quer seja um barulho ou movimento qualquer. E se vê mais uma vez subindo e descendo a rua à sua frente com os mesmos elementos insossos.

Em um rodopio o menino vai de encontro ao chão com o rosto. O barulho devolve Igor à realidade. O pássaro bate asas e se desprende do frágil galho. Um pneu desafina esquina abaixo. Com o filho no colo, Igor se dirige para casa. “Sua mãe vai cuidar de você”, limita-se a dizer. Nada mais do que uma tarde de domingo.

Ricardo Sorrenti
Enviado por Ricardo Sorrenti em 24/11/2007
Reeditado em 24/11/2007
Código do texto: T750455