A mentira do Roque

O Roque tem nome de velho e tem só catorze anos.

Ele está no último ano da catequese, mas odeia ter que participar daqueles encontros longos em que precisa sentar-se em um círculo ao lado de outros jovens velhos com sono. Ao meio da roda, existem velas, flores e algum outro símbolo que varia conforme o tema do encontro.

Recentemente, ele faltou três vezes consecutivas à catequese. Preocupada com isso, sua catequista mandou mensagem para sua mãe, a dona Iracema.

Dona Iracema, que nunca entendia os trocadilhos que os mais literatos faziam com o seu nome, leu a mensagem e não acreditou, pois todo sábado de manhã ela mesma fazia o serviço de levantar para acordar o Roque. Mas refletindo um pouco ela percebeu que talvez o fato de ela voltar a dormir logo em seguida não estava contribuindo muito com as coisas.

Mãe sensata, eu diria.

Foi então que ela resolveu questionar o Roque:

- Onde você foi nos últimos três sábados?

- Pra catequese, ué?!

- Não. Não foi. Sua catequista me avisou. Você sabia que quando tem três faltas repete de ano?

- Mãe, eu não tenho dez anos. Repetir de ano na catequese não existe, me diga uma pessoa que reprovou na catequese!

Após titubear um pouco, dona Iracema, toda irritada com o filho que parecia mesmo um velho ranzinza, disse:

- Respeite tua mãe! Não foi pra isso que te criei. Agora me diga de uma vez, onde você estava nos últimos três sábados?

Com vergonha de dizer a verdade, Roque disse que estava na praça com uns amigos.

Pela fisionomia, dona Iracema aceitou a resposta sem questionar e pediu para o menino ter um pouco mais de paciência. Que logo aquilo estaria no fim e ele poderia fazer outra coisa no sábado de manhã.

Em meio àquele comentário, dona Alzira, a vizinha, bateu palmas na frente da casa. Ela queria entregar as revistas da Abelha Rainha para a família olhar:

- Só pra avisar que os produtos encomendados vêm dia sete.

- Obrigada, dona Alzira. Amanhã eu devolvo as revistas para a senhora. – Respondeu a mãe.

Com essa situação, Roque escapou e foi para o quarto. Ele precisava pensar.

Entretida com as revistas, a mãe logo se esqueceu do assunto com o Roque. Mas o garoto estava no quarto ainda angustiado, pois ele havia mentido para a mãe. Na verdade, nos últimos três sábados ele não estava na praça, mas sim na igreja, não nas salas de catequese, mas realmente na igreja.

O Roque parece um velho. Sábado de manhã, sozinho na igreja sem ninguém obrigar. Seria o cúmulo se ele começasse a rezar. Em pleno auge de seus catorze anos. Sua obrigação é só ser rebelde. Só isso. Mas, eis que o Roque cometeu nos últimos três sábados o crime de falar com Aquele que sempre escuta.

Dona Iracema jamais acreditaria se ela soubesse. Por isso foi preferível mentir. Mas até quando Roque precisaria mentir para poder estar com Aquele que sempre escuta?

Roque em seu quarto pensava em tudo isso até que sua mãe bate na porta e ao abrir perguntou:

- Quer dar uma olhada nas revistas?

- Não, mãe. Valeu.

Nessa hora, ela se lembrou do assunto e arrematou:

- Filho, está tudo bem. A mãe entende, já tive a tua idade. Não precisa esconder as coisas de mim.

Encorajado, Roque respira fundo e diz:

- Eu não estava na praça. Eu estava na igreja conversando com aquele que sempre me escuta.

Incrédula mais uma vez, dona Iracema responde:

- Filho, eu já te falei que não precisa mentir.

Aliviada por ter dado a sentença final, ela sai e deixa a porta do quarto aberta.

Jéssica Orth
Enviado por Jéssica Orth em 30/04/2022
Código do texto: T7506436
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