O BAILE E A BURRINHA

- Para onde você vai? Perguntou-me vô Emídio.

Ele estava, no canto da varanda, sentado na cadeira de balanço favorita, como era seu costume, mas diferente dos outros dias, a varanda estava com as luzes apagadas. A lua cheia espalhava sobre o chão ladrilhado a sua luz macia, alongando as sombras das samambaias embaladas pelo vento morno do verão, naquele cenário de paz tridimensional.

- Vou com Geninha ao baile de formatura dela.

- Está muito cedo. Bailes só começam depois das dez.

- Eu sei vô, mas combinei de passar na casa dela para irmos juntos.

- Ainda assim. Veja que restam fiapos de luz do sol. Você vai ter que esperar muito. Dá tempo de trocarmos dois dedos de prosa.

Sem alternativa, sentei-me na cadeira de vime ao lado do meu avô, para ouvi-lo falar, porque velhos só precisam de que alguém lhes dê atenção.

- Eu conheci a sua avó numa noite enluarada assim como a de hoje. Todos os conhecidos estavam vestidos com as melhores roupas para a grande festa. O baile de final de ano promovido pela prefeitura. Eu acabara de completar dezessete anos e estava aguardando a convocação para fazer o serviço militar. Junto com os amigos mais chegados, fazíamos exercício para destacar a musculatura a fim de ficarmos na infantaria cujos soldados eram os mais cobiçados pelas moças da época. O prefeito mandou buscar orquestra na capital e, todos diziam, que aquela festa ficaria registrada para sempre na memória da cidade.

Era costume, os rapazes e moças ficarem andando pela praça para serem vistos antes de entrar no clube, numa espécie de escolha para a formação dos pares quando fossem iniciadas as danças.

A família de sua avó chegou no carro deles, antigo, mas muito bem conservado. Cinco pessoas...

Nhô Péricles, dona Raimunda, Cesar, o mais velho, Carminha e o caçula Augusto, ainda de calças curtas.

Acho que por instrução do pai, Carminha olhava, insistentemente, para o chão.

Passaram bem perto de mim e, pode ter a certeza de que, naquele momento fiquei apaixonado pelo perfume, que dela, eu senti. Não fiquei do lado de fora nem mais um minuto...

Eles tinham mesa reservada, mas eu só tinha dinheiro para o ingresso e para uma dose de cuba-libre, que iria tomar lá pelas duas horas da madrugada, quando o estômago estivesse reclamando de fome, porque mesmo sem dinheiro para comer ou beber eu só iria sair do baile quando a orquestra viesse para o coreto da praça, para tocar a música de despedida, como acontecia todo ano.

Meus amigos foram os primeiros a dançar logo que a orquestra começou a tocar, mas eu fiquei plantado por trás de nhô Péricles na esperança de que Carminha olhasse para mim. Mas ela só tinha olhos para a toalha da mesa.

Parecia que ela estava detestando tudo aquilo e que só estava ali, porque fora obrigada pelos pais...

Quando nhô Péricles foi dançar com dona Raimunda, tomei coragem e fui tirá-la para dançar.

Havia concordância no olhar dela, mas o irmão mais velho disse que eu esperasse o pai voltar para ver se ele autorizava.

Para disfarçar o constrangimento que eu estava sentindo, puxei conversa com Augusto que jogava bola no mesmo campo em que eu fazia os exercícios e inventei uma jogada que ele tinha feito. Coisa de profissional.

Claro que era uma mentira deslavada, mas talvez levado pelo entusiasmo e pela imaginação, Augusto acrescentou outros lances maravilhosos na jogada que nunca existira.

Carminha ofereceu a cadeira para sentar-me junto a ela e mais uma vez o perfume embriagador tomou conta de mim e, mesmo assim, enlevado, continuei falando sobre as jogadas de Augusto que se transformaram em pouco tempo em animada conversa entre os três homens. Carlos, eu e Augusto, o herói das jogadas fantásticas.

Pus-me de pé imediatamente quando nhô Péricles chegou e me apresentei, falando os nomes dos meus pais. Para minha sorte, Nhô Péricles era frequentador do bilhar de nhô Zé Machado, onde meu pai também ia jogar nas tardes de sábado. Depois que ele falou do respeito e admiração que nutria pelo meu pai, tomei coragem e pedi a autorização dele para dançar com Carminha...

Só paramos quando Cesar nos disse que nhô Péricles estava chamando para irem embora.

Nem havíamos sentido o passar das horas e foi com um nó na garganta que fui agradecer a confiança da permissão e, talvez por pura cortesia, nhô Péricles disse que gostaria de saber mais sobre a aptidão do filho menor nas partidas de futebol e que eu poderia visitá-los num desses finais de semana...

Depois que eles saíram, para mim, a festa perdeu a graça. Ainda permaneci por algum tempo sentado numa das cadeiras da mesa que fora reservada por Nhô Péricles, mas nem cheguei a tomar a dose de cuba-libre e, sem conseguir encontrar nenhum dos meus amigos, fui comer pão doce com caldo de cana na bodega de Galego que ficava na praça e voltei para casa.

Naquela época, as moças penteavam os cabelos com muito esmero e para que eles ficassem comportados, pulverizavam um troço grudento que colava quando dançávamos com nossos rostos colados.

Fui dormir sem me lavar para não perder o perfume delicioso que alimentou meus sonhos onde Carminha, era e continua sendo, a musa dourada.

Se o baile de daqui a pouco despertar em vocês dois o mesmo sentimento que sua avó e eu sentimos até hoje, não deixe passar a oportunidade, porque a burrinha da felicidade raramente passa mais de uma vez na nossa porta.