A casa que virou atalho

 

Michele. Esse é o nome dela. Chega sempre de repente. Não pede licença nem faz alarde. Só desfila, graciosa, como se estivesse em uma passarela.

 

No início, bastava a varanda para suas reinações e seus cochilos. Eu até a convidava para entrar em casa, mas ela me ignorava. Quando muito, dignava-se a lançar-me aquele olhar superior, de um azul impenetrável.

 

Com o tempo, foi ficando mais confiante, mais atrevida. Hoje aparece em qualquer horário, sem qualquer cerimônia. Ousada, me chama para abrir-lhe a porta às cinco da manhã. Como se fora sua criada, me apresso em atendê-la. Michele entra sem hesitar e vai conferindo tudo à sua volta feito um auditor da Receita Federal.

 

Sigo atrás dela que, toda reboladiça, caminha em direção à porta que dá para o quintal. Ali não preciso abrir, a espertinha tem seu próprio macete.

 

Decidida, ela caminha rumo à  sua verdadeira casa, que fica a um muro de distância apenas. Observo a partida de Michele, essa gata matreira que, felinamente, roubou meu coração.

 

Será que ela vem amanhã?

 

(Dorcila Garcia)

 

29/09/2022