Sinceridade de um mundo real

Com a testa crispada de suor ele jurou casar-se com Madalena. Uma mulher de 26 anos, cabelos escuros, voluptuosa, e inteligente. Madalena tinha ideologias extremamente rígidas. Ela dizia, por exemplo, que o nazismo deveria ser aplicado aos políticos corruptos, como se eles (os políticos) fossem judeus. Defendia a ditadura de Pinochet, e ainda afirmava com grande veemência que queria ter participado do golpe militar. Madalena, de certo ponto, assustava Augusto, com quem também jurou se casar. O matrimônio estava marcado para meados de setembro, o mês preferido de Madalena. Porém, o casamento não aconteceu. E o motivo é dilacerante.

Nas férias de julho, eles resolveram viajar para Europa. Visitar países até então considerados fascinantes. Mas ao chegar a Amsterdã, na Holanda, Madalena se recusou a passar mais de um dia. Falava que Amsterdã era uma cidade sem lei, onde o sexo e as drogas eram tão corriqueiros quanto beber água e tomar banho. Resolveram ir a Paris, mas Madalena se recusou a passar mais de dois dias. Argumentou que a Torre Eiffel aparentava ser mais bonita pela televisão, e ainda criticou a comida francesa, dizendo que preferiria à moda espanhola. Então os dois foram até a Espanha, mas Madalena se negou a passar mais de três dias em Madri. Alegou que os espanhóis são arrogantes e ultrapassados. Vivem na idade contemporânea. E alem de tudo, possuem um mau gosto tremendo quanto a vestimenta. Resultado: voltaram ao Brasil uma semana depois.

Ao chegarem ao aeroporto, Madalena, sem hesitar diz:

- Te amo.

Augusto não sabia o que falar. Um homem de 32 anos, bilíngüe, culto, bem sucedido, parecia ter perdido as palavras. Madalena olhou-o atentamente e indagou:

- Tu não vais dizer nada?

Ele pensa mais um pouco antes de falar alguma besteira. Ela começa a ficar nervosa:

- Tu não me amas? É isso?

Ele toma a palavra:

- O que tu achas?

- Não sei mais o que achar. Passaste a semana inteira emburrado comigo.

- Pois é...por que será?

- Sinceramente?

- Por favor.

- Eu não sei!

- Não precisa gritar, estamos no aeroporto.

- E daí? Tu achas que os casais não discutem nos aeroportos?

- Tu não precisas ser barraqueira.

- O que? Chamaste-me de barraqueira?

- Até que provem o contrário...

- Não fale mais comigo! Seu grosso!

Augusto e Madalena entram no táxi, mudos. Chegaram ao condomínio, mudos. Ao entrar no apartamento Madalena pegou suas coisas, arrumou sua mala e soltou a frase que estava entalada na sua garganta há meses:

- Sabe de uma coisa, Augusto? Eu não te amo. Sou uma mentirosa. Uma cachorra. Que te traiu durante todo nosso relacionamento.

- Agora me conte uma novidade.

- Como é? Tu sabias que eu lhe traía?

- Minha querida, até o carteiro sabia...Tu deverias ser mais discreta.

Madalena fica pasma:

- Mas porque nunca me falou nada?

- Não tinha por que falar.Tu sempre me deste o que eu quis.

- Como assim?

- Tu sabes do que estou falando...

- Tu estás dizendo que ficou comigo só por sexo?

- Tenho que admitir, nisso tu é mestra.

- Seu cachorro!

- Minha cadela!

- Eu não sou sua cadela! Não me chame assim!

- Sabe o que eu acho mais engraçado em ti, Madalena? Tu reclamaste da Torre Eiffel, falaste mal dos espanhóis, e o melhor: Odiou Amsterdã.

- E qual o problema? Sou uma mulher de princípios!

- Sei...princípios...

- O que estás insinuando?

- Eu? Nada. Só acho ridículo falares de princípios, quando seu passado lhe condena.

- Meu passado me condena?

- Ah...entendi...tenho que esquecer que te conheci quando ainda era uma garota de programa?

- Não vejo problema nisso, meu bem. Era um trabalho honesto.

Augusto vai até a copa, enche um copo com uísque, toma um gole e grita:

- Tudo bem...vamos ser sinceros então!

Madalena, revoltada, vai até Augusto e replica:

- Achei que teu joguinho já tivesse terminado.

Ele sorri:

- O jogo apenas começou...

Com uma troca de olhares, abruptamente ambos ficam nus, se deitam na mesa da copa, e alimentam seus desejos aflorados.

Após o ato, Augusto confessa:

- Eu também não te amo, e lhe traí durante todo nosso relacionamento.

Ela calma, responde:

- É, eu sei...

Mesmo com as confissões, tudo parecia normal. O casamento foi remarcado para janeiro, mas em dezembro eles fariam uma viagem para África. Até lá Madalena continuava com suas ideologias rígidas. Ela se relacionava por dinheiro, e ele por sexo. Sem amor, eram felizes. E acima de tudo, sinceros.