PÂNICO PRÉ-ADOLESCENTE

Naquele bairro afastado do centro, poucas eram as ruas com calçamento e, no período anual das chuvas as antigas e lodosas poças d’água margeadas por matagal viçoso, transformavam-se em criatórios de girinos, filhotes dos sapos que enchiam de melodioso coaxar as noites de chuva macia e intermitente.

A praça da matriz, entre o grupo escolar e a vila operária, era roteiro oficial para a meninada que, em dias quentes, desejava mergulhar nas águas tranquilas do chafariz ou, pelo menos, receber no rosto o spray dos jatos d’água a partir do pedestal da ninfa de mármore branco, seminua, de cuja ânfora ao ombro, projetava-se para o alto o jorro mais forte.

Naquela quarta-feira, meio de semana, a professora passou mal e os alunos da quinta série foram dispensados antes do horário. Era a irresistível oportunidade de “brincar” com os jatos d’água da ninfa da praça, afinal o mundo todo estava debaixo da chuva.

Que diferença faria um pouco mais de água sobre a camisa branca da farda ou sobre a bolsa contendo os livros e cadernos?

A noite caía quando Miguel se deu conta de que havia passado da hora de voltar para casa.

Molhado pelas águas da ninfa e da chuva e enlameado, da cabeça aos pés, por ter perdido o equilíbrio quando foi empurrado por Chico Cabeção na borda da enorme poça de lama.

Não tinha alternativa, teria que enfrentar dona Júlia, que não tolerava deslizes de comportamento dos filhos e que recebia diariamente as notícias sobre ele, principalmente as más, reportadas por Corina, sua irmã dois anos mais nova, a preferida da mamãe, a caçulinha do papai, razão maior de suas privações e castigos.

Por que Cesar não havia concordado em envenenar a irmã?

Cesar tinha 12 anos, sabia onde estava o veneno para cupim, podia ter pegado, mas não aceitou a proposta e ainda ameaçou contar tudo à mãe.

Ele era o irmão do meio, desprezado por todos, responsável único por tudo de malfeito, que os irmãos diziam ter sido encontrado na caçamba do lixo...

Cesar era o idiota burro, comportado e Corina o anjo sem asas que caiu do céu e não achou o caminho do inferno para onde devia ter ido...

Dona Júlia, ladeada por Corina, estava de pé na soleira da porta, com a mão direita escondida nas costas.

Miguel trancou o portão e, cabisbaixo como boi que segue para o abate, ouviu a ordem seca, direta, irrefutável...

- Para dentro, passe!