O Natal da professora Carmem

Na escola Esperança, em Manaus, há mais de trinta anos, a professora Carmem realizava um concurso de redação sobre o Natal. O objetivo era escolher as três melhores redações sobre o tema e premiar os autores numa cerimônia pública que encerrava as atividades da escola. A celebração era no auditório da escola e os alunos poderiam convidar seus amigos, colegas e parentes. Com o passar dos anos, este tornou-se o principal evento da escola. O dia tão aguardado por todos!

Todos os professores se envolviam no projeto e os alunos da professora Carmem eram obrigados a participar. Era uma atividade interdisciplinar, valia nota para todas as disciplina. Mas para a professora Carmem, o concurso servia como avaliação final. Quem não escrevesse a redação poderia considerar-se em recuperação e\ou reprovado. A professora Carmem era rígida, mas de um coração mole. Ela não deixava passar nenhum erro ortográfico e muito menos ainda erros de concordância verbal.

Naquele ano, um dia antes da cerimônia, ela falou em sala de aula para os seus alunos: — A comissão de avaliação já escolheu as três melhores redações do ano. Eu já tenho aqui em minhas mãos os nomes dos vencedores. Quando ela acabou de falar isso, foi aquela agitação só na escola. “Quem será?”, “Quem será o vencedor?”, era só o que se ouvida nos corredores.

No dia da cerimônia, a professora Carmem levantou-se no horário de costume. Tomou café na companhia de sua gata Maria Bonita, leu o jornal, depois caminhou até o auditório da escola que ficava dois quarteirões de sua casa, sem pressa de chegar. A única coisa que ela fez de diferente naquele dia foi escolher o melhor vestido do closet, passar um batom vermelho nos lábios, se olhar no espelho e dizer para si mesma: “Como você está linda!”.

Quando a professora Carmem entrou no auditório, todos ficaram de pé e deram uma longa salva de palmas; demonstrando respeito, admiração e reconhecimento pelo trabalho da professora. O auditório estava lotado.

Depois que a gestora da escola, a professora Gertrudes, fez o discurso de abertura, ela passou o microfone para a professora Carmem, a idealizadora do projeto. — Meus queridos alunos, minhas queridas alunas, pais, mães, responsáveis, distintos convidados, convidadas, professores, professoras, estes meus alunos são os melhores dos melhores. Os trabalhos desse ano superaram todas as nossas expectativas. Eles foram simplesmente formidáveis. E virando-se para o lado que os alunos estavam enfileirados, a professora Carmem continuou: — Eu gostei muito das redações de todos vocês. Vocês foram geniais. No entanto, conforme manda o regulamento, só poderíamos escolher três redações. Então, a primeira redação escolhida foi a do Alexandre. Depois dos aplausos e da entrega do certificado para o Alexandre, ela continuou:

— Ouçam o que ele escreveu: “O Natal é respeito. Respeito às diferenças. Respeito às minorias. Respeito às crianças. Respeito aos idosos. Respeito à natureza. Respeito às leis. Respeito aos pais. Respeito aos professores. Respeito aos costumes e tradições dos povos. Respeito a religião do outro. Respeito. Respeito. Respeito.”

Em segundo lugar ficou a redação do Diego. Ele escreveu: “Natal é a data mais bela e importante do ano. O nascimento do Filho de Deus: Nosso Senhor Jesus Cristo. Tempo de festa, de alegria, de amor, de paz. A época do ano que brotam os melhores sentimentos em nossos corações e, ao mesmo tempo, nos desafia a sermos solidários com os mais pobres, os humildes”.

E em terceiro lugar, ficou a redação da Juliete. “O Natal é uma oportunidade que Deus nos dá para nos conectarmos com o Seu Filho e assim recarregarmos as energias para superamos os obstáculos da vida. Nosso Senhor Jesus Cristo está sempre disposto a ajudar quem Nele busca socorro. O que Jesus quer de cada um de nós é que nos amemos e nos respeitemos”.

— Estimadas alunas, estimados alunos – continuou a professora Carmem visivelmente emotiva. — Talvez vocês estejam aí pensando com os seus botões assim: “A professora Carmem só está lendo o que os alunos escreveram sobre o Natal, mas o que ela pensa sobre o Natal? O que é o Natal para ela?”

Pois bem meus queridíssimos alunos, alunas, pais, mães, responsáveis, convidados, convidadas, professores, professoras, distintas autoridades, eu vou externalizar o que eu penso sobre o Natal para vocês. Depois de fazer uma pausa, respirar fundo, tomar um gole de água, a professora Carmem continuou:

— Para mim, o Natal traz em si uma mensagem de alegria e de paz. Ou seja, o Natal é um grito de paz para o mundo. Afinal, não foi o próprio Jesus Cristo que disse: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (João 14:21). Este é para mim o verdadeiro sentido do Natal: que todos tenham paz e que vivam em paz.

Depois desse discurso, a professora Carmem passou a andar pelo auditório olhando para os rostos de seus alunos e num gesto brusco virou-se noventa graus, parou diante do seu aluno Alexandre e olhando-o no fundo dos olhos, ela indagou:

— Você tem medo de quê?

E antes que o Alexandre respondesse, ela indagou a Juliete:

— Quais são seus sonhos?

E antes que a Juliete respondesse, ela indagou o Diego:

— O que você deseja do novo governo?

E antes que o Diego respondesse, ela indagou o Josué:

— O que lhe tira o sono?

E antes que o Josué respondesse, ela indagou a Raimunda:

— O que você quer ser quando crescer?

E antes que a Raimunda respondesse, ela indagou a Fátima:

— O que você espera do novo ano?

— Eu espero um mundo melhor, professora! – respondeu com veemência e sem titubear a estudante Fátima.

Foi aplaudida de pé e por uma interminável salva de palmas. Aparentemente todo aquele entusiasmo não foi pela resposta da aluna e sim por ela ter colocado um ponto final naquele interminável interrogatório.

Luís Lemos
Enviado por Luís Lemos em 28/12/2022
Código do texto: T7681727
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