Engolido pela Bruma

Cansei de pensar em você.

Fisicamente.

Sinto dores no peito como se tivesse corrido toda a noite atrás do caminhão de lixo na tentativa desesperada de tirar algo de lá de muito valor, que por engano tivesse jogado fora.

Mas, quando cheguei perto de alcança-lo, esquecí do que se tratava.

Cansei de me ver através dos seus olhos.

Cobradores

Você nunca me acolheu. Mesmo nos meus momentos mais frágeis, em que lágrimas de impotência ou de genuíno arrependimento rolavam pelo meu rosto, você não me colocou em seu peito. Sua primeira e única reação era me passar sermão- como um pai ríspido. Tudo o que eu precisava era carinho. Implorava. Do meu geito. O único que,até então,conhecia.

Cansei de me compadecer de mim mesma.

Nos últimos tempos, fui uma versão novelesca do que costumava ser. E odiava. Mesmo com tantas sinceras tentativas, não aprendi a dar amor a você. Por mais que se engane que sim, você não aprendeu a me dar amor. Juntos poderíamos ter sido muito felizes. Mas, antes, chegamos a uma bifurcação. Em vez de enchergarmos duas possibilidades (talvez promissoras) de caminho, amaldiçoamos termos perdido tempo em uma rota inútil.

Cansei de pensar que poderia ter sido diferente.

Se pudesse, teria sido.Se você quisesse, teria sido.

Talvez eu não estivesse à altura do seu sonho. Talvez eu fosse pouco. Hoje sei que sou muito mais do que você jamais sonhou.

Cansei de esquadrinhar se você me substituirá facilmente. Ou se já o fez.

Não posso atrelar os meus valôres aos seus. Não vou me permitir cair nesse buraco sem fundo, de me sentir invisível,preterível, por não ser mais olhada por você.

Cansei de estar só.

Mesmo já estando assim há tanto, sua ausência física me trouxe a dura certeza do abandono a que me submetí. A dura certeza de quanto preciso aprender a me doar. A dura certeza de que morro de medo da solidão.

Cansei de pensar em tudo de bom.

Nossas viagens,As pousadas, as camas, os cafés-da-manhã.

Sua mania de acordar em manhãs frias de domingo, vestir capuz e meias gossas, só par assistir às corridas de F-1 na TV.

Nossas risadas em mesas de bares. Seus presentes fora de hora. Nossas noites na lareira, suas bochechas coradas, quando tomava porre.

Nossos vinhos e seus efeitos, seu beijo apressado, e cheio de intenções.

Nossa casa tão repleta de nós que,dia-a-dia, se desfez. Desapareceu. Inexiste. Como nós.

Cansei de amar você.

AILIN ALEIXO