Ana quer voar

Os pingos de chuva vão caindo praticamente no mesmo lugar. Gota em cima de gota.

Assim, eles vão se reproduzindo. Uma gota cai em outra e o fruto nasce lá em cima em uma nuvem e cai de novo. Por isso essa chuva demora pra passar.

Como ela odeia chuva.

- Parem de se reproduzir!

Gritava ela pra vidraça molhada, revoltada com essa umidade que estragava seus cabelos e a deixava melancólica.

- Chuva é muito nostálgico, que droga! Já não basta o natal se aproximando?

Resmunga ela enquanto esquenta um pedaço de pizza velho no microondas.

As coisas não vão indo muito bem pra Ana, quer dizer, teoricamente estão perfeitas; mas aquela cabecinha sempre tinha um problema novo surgindo a cada segundo para lhe atormentar.

- Acho que a bronca que dei nos pingos funcionou, o céu está se abrindo.

Pensa ela enquanto dá um gole num guaraná sem gas.

Ana, pela primeira vez na vida, sentiu vontade de voar. Nunca quis isso na vida. Uma vez perguntaram pra ela: você prefere ser imortal ou voar?

Ana pensou e decidiu que não queria nenhum dos dois, ela só queria ser feliz mesmo, nada de extraordinário.

Mas hoje, Ana quis voar. Sair por aí olhando o mundo de cima, fazendo algo que mais ninguém pode a não ser que esteja dentro de um trambolho metálico correndo o risco de despencar a qualquer minuto.

Queria atravessar os oceanos e talvez quem sabe parar em uma ilha, pensar na vida.

- A vida me enlouquece! Contas, bebidas, notas, provas, faltas, amores, cigarros, drogas e rock. Isso não é saudável.

Mas Ana gosta dessa loucura toda, ou não?

Gosta, gosta sim. Se não fosse por isso ela teria continuado lá.

Ana se lamenta muito, ri pra disfarçar algumas coisas, e ultimamente não consegue mais rir sem fingir.

Mas ela não é digna de pena não. Ana sabe que é feliz; e a única coisa com que realmente tem que se preocupar, é o fato de não poder voar.

melody nelson
Enviado por melody nelson em 12/12/2007
Reeditado em 13/12/2007
Código do texto: T775270