BIU PÉ DE LETRA

Severino é um desses personagens folclóricos que a gente só encontra nas pequenas cidades interioranas ou naqueles bairros mais antigos e tradicionais. Nunca foi muito bom em lidar com a plurissignificância das palavras e, nos tempos de Ensino Fundamental, tinha dificuldade em questões que demandavam interpretação de texto, sobretudo quando a questão envolvia expressões idiomáticas, tanto que, por carinho ou por maldade, seus companheiros resolveram batizá-lo com o apelido de Biu Pé de Letra. Assim cresceu Severino, sisudo, calado, mas sem abandonar o seu sorriso de gentileza e cordialidade, principalmente para com os clientes da única bodega do Rosário, bairro periférico de uma pacata cidade do interior de Pernambuco.

Os fiéis frequentadores da Bodega do Biu, habituados com as, digamos, excentricidades do comerciante, treinavam bastante o modo como fariam o pedido, pois sempre havia o risco de levar gato por lebre devido à falta de clareza e objetividade, já que Severino tomava tudo ao pé da letra.

Dona Marcela, recém-chegada ao Rosário, portanto, sem saber das peculiaridades do lugar, deu de procurar a mercearia de seu Biu, pois precisava resolver urgentemente um problema que lhe desgostava por demais na nova residência. "Bom dia, seu Severino! O senhor tem algo que seja bom para rato?". Severino olhou as prateleiras, coçou o queixo, matutou, matutou e entrou num quartinho, nos fundos da loja. Passados alguns minutos, voltou trazendo um pequeno embrulho e o entregou à nova cliente.

Mal chegara em casa, dona Marcela voltou à bodega do seu Biu para devolver o embrulho. "Seu Severino, acho que o senhor se confundiu. O senhor me vendeu queijo. O que eu quero, na verdade, é uma poção para os ratos lá de casa". Biu franziu a testa, mas não disse nada por medo de perder a nova cliente, entrou mais uma vez no quartinho e voltou trazendo desta vez um pequeno frasco sem rótulo e cheio de um líquido transparente.

"Tem certeza de que isso é bom?" perguntou dona Marcela. "Melhor não há!", foi a resposta do bodegueiro.

Dona Marcela aplicou o "suposto veneno" bom para rato durante alguns dias sem resultado. Intrigada, regressou mais uma vez ao estabelecimento comercial.

"Seu Severino, o senhor poderia me dizer o que diabos é isso que o senhor me vendeu? Os ratos continuam vivos e até parece que estão se sentindo mais à vontade na casa, tanto que nem mais se escondem quando me veem”.

"Ora, dona Marcela, isso aí é água. Melhor não há! A senhora me pediu alguma coisa boa para os ratos".

Dona Marcela, enfurecida, falou pausadamente, na busca de ser compreendida dessa vez: “Seu Severino, eu que-ro um re-mé-dio pa-ra ma-tar ra-to. Remédio, entendeu?”

Severino bugou.