Otávio

Vejamos, um homem chamado Otávio pensa em sair da sua areia movediça, mas sente-se impelido a ficar lá. A areia, de acordo com ele, é um compasso de lama fazendo seu movimento circular, onde o giro representa seu descontrole emocional. Ele tem a mania de acreditar nas coisas ruins que podem ocorrer, é um sujeito comum nessa sociedade ansiosa. Otávio diz ser um prisioneiro das circunstâncias, se vê puxado para baixo, o solo é o local mais comum a ele. Quando bato uma prosa com sua pessoa, seu rosto pálido e excruciante de qualquer sossego me olha francamente. O sujeito nunca se sente seguro. Bate a mão nos bolsos a todo instante, semelhante a um recruta obedecendo ordens. Quando alguém chega perto, afoito, ele já está aposto com o pior.

Recordo-me de uma carta dele desabafando. Nós somos velhos amigos, apesar que hoje em dia o privilégio do tempo não anda conosco, portanto o nosso contato é esporádico. Pelas cartas nos entendemos:

Olá! Como vai, meu amigo? Espero que esteja bem. Estive nesses tempos frios pensando minhas coisas. Como você bem sabe, não é? Aquelas coisas malditas bagunçadas pela minha cabeça. Dessa vez, cogitei sobre as marcas do meu passado, em como nas noites infindáveis, pensar na vida me faz cada vez mais melancólico. Estive lendo sobre a melancolia, é um conceito velho, desde a Grécia Antiga já falavam sobre; há um livro chamado A Anatomia da Melancolia, na qual li e me apaixonei. Li também sobre em Freud e depois em Emil Cioran.

Ando resistindo às minhas batalhas nessa vida, mas me vejo totalmente sozinho e sobrecarregado. Meus problemas parecem que se contorcem em um moinho, e quando sinto que os venci, eles desdobram na minha cara, remanescendo as dores antigas. Não sei até quando posso suportar, amigo. Já faz anos que não me deito e verdadeiramente durmo sem ter pesadelos que alguém ou alguma trágica situação me ataque.

No mais, não tenho com quem conversar, você é o único que me confesso sem as amarras do julgamento. Quero poder te ver de novo, tomarmos um vinho até tarde da noite, como nos velhos tempos.

Abraços.

Otávio

Tenho até um pouco de receio dessa última parte. Eu, sim, julgo o meu amigo, mas discretamente. Sinto que o sofrimento dele está se exaurindo de seu interior, atingindo até quem é próximo. Até eu, desprovido de grandes emoções, estou impactado. Já faz tempo que não o vejo. Estou até com saudades das suas idiossincrasias estranhas, como sua mania de roer as unhas, ou então quando ele avista um morador de rua e de imediato se compadece… a tal ponto que chora se imaginando no lugar do desabrigado. Otávio é um iletrado no cotidiano: não sabe amarrar o próprio cadarço, vive se esbarrando por todos os lados rígidos do espaço público. Tem os olhos curvados para baixo, e de quebra, suas olheiras denunciando sua insônia viscosa. Anda de terno muitas vezes sem necessidade, mas no fim, se comporta como um artista típico: perdido, melancólico e viajado nas próprias ideias.

Visitarei ele em breve, mostrarei que o seu sofrimento tem cura. Ele deve estar imbuído de problemas, mas mal sabe que isso é a coisa mais cabível a todo cidadão. Os problemas são temporários, apesar da passagem em marcha lenta do tempo. Felizmente os problemas não são como uma areia movediça, mas sim um lodo imundo, que depois de horas sujos com a lama, podemos finalmente nos limpar com a pureza da chuva. Também sei que a notícia que darei para ele o fará feliz: mudarei para um bairro próximo do dele. Quem sabe assim o sujeito se alegra com a minha presença constante.

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 16/07/2023
Reeditado em 02/04/2024
Código do texto: T7838143
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