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ESTE CONTO É DEDICADO À VISITA DO SANTO PADRE A PORTUGAL (2 A 6/08).
TODOS OS DIAS HÁ UMA GRANDE ESPERANÇA DE ELIMINAR DOS CORAÇÕES ESSE VÍRUS DO ÓDIO QUE AFASTA DAS PESSOAS O SENTIDO DA SOLIDARIEDADE E DO AMOR AO PRÓXIMO.
FIQUEM TODOS BEM, COM DEUS NO CORAÇÃO.
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DEUS É PAI DE TODOS
A chuva caía incessante e o vulto feminino, magro e muito encolhido, tentava abrigar-se da intempérie que o fustigava inclemente. Continuou a caminhar ao longo da mal iluminada faixa lateral da ponte, destinada a peões. Chegado a meio, estacou, olhando primeiro para as luzes da cidade, de ambos os lados do rio e depois para as águas escuras e revoltas. Se ali estava frio, imaginou como seria dentro do líquido borbulhante de força, deslizando velozmente para a foz.
Agasalhou melhor o filhinho, uma pequena criatura que dormitava apesar do sobressalto em que estava o coração da mãe.
Ela lembrou o quanto fora difícil criar o seu rebento, desde um parto complicado, depois o abandono do marido, o desemprego e a fome. E o desespero que se acumulou em três meses de miséria e opróbrio e a tinha empurrado para aquela decisão final e irreversível.
As lágrimas correram-lhe queimando a face transida de frio e abafou um soluço quando olhou de novo o seu menino, que dormia indiferente ao drama que também o envolvia.
Encostou-se ao parapeito e quando ia a passar a perna por cima da vedação percebeu um movimento à sua esquerda. Um vulto, que se aproximou rapidamente dela, percebeu que era um homem ainda jovem, também todo ensopado pela chuva que não parava, segurou-a pelo braço esquerdo.
- O que vai fazer? Está doida?
Ela encolheu-se, soltou-se dessa mão que a prendia e balançou de novo o corpo para saltar.
- Espere, pense bem no que vai fazer...
- Deixe-me, já pensei o suficiente e não tenho alternativa.
Ele fitou-a com ansiedade, voltando a segurá-la pelo braço.
- Espere, deixe-me contar-lhe o que se passa comigo, possivelmente as nossas histórias têm parecenças. - Tossiu e continuou - Estou desempregado há quase dois anos, perdi tudo, família, casa, carro, dormi na rua a maior parte do tempo. Então, desesperado, cheguei a pensar em acabar com tudo. Vim até aqui noites seguidas, várias vezes tentei saltar mas a coragem faltou e fez-me desistir. Um dia, quando passava à porta de uma igreja, senti uma força invisível que me puxava para ela, entrei, ajoelhei-me e rezei o pouco que sabia. Como que uma luz se apoderou de mim, uma sensação esquisita transformou o meu querer e então convenci-me que enquanto há vida há esperança. Há um mês arranjei cama num abrigo e também comida gratuita, duas refeições quentes todos os dias graças à caridade duma instituição de solidariedade social. Tudo isto me deu ânimo e agora continuo a procurar trabalho. Sei que vou conseguir, Deus vai ajudar-me de novo. Sabe? Vou à missa todos os domingos de manhã e sinto-me muito bem, ganhei paz de espírito. Lá na igreja também me deram roupa. - Sorriu com convicção - Sei que vou conseguir dar uma volta na minha vida.
Ela olhava-o, incrédula. Tremia com frio. Ele então despiu o casaco, também meio desfiado, e colocou-lho sobre os ombros, envolvendo-a melhor. O homem pediu-lhe de novo:
- Venha até ao abrigo, de certeza arranja uma cama onde dormir com a criança, protegendo-a deste frio. Se calhar ainda não comeu nada... Pense nela, não tem culpa nenhuma. Venha... Ainda ficam ambos doentes...
Segurou-a suavemente pelo braço, ela apertando o corpo do seu rebento firmemente contra o peito magro, e, lentamente, convencida pois nada tinha a perder, começou a caminhar ao seu lado para um dos extremos da ponte.
Entretanto parou de chover e a lua surgiu, lentamente, grandiosa, rompendo entre as nuvens que gradualmente se foram desvanecendo.
Ele olhou para o céu e exclamou extasiado:
- Depois da tempestade vem a bonança...
Estendeu o braço sobre os ombros dela e tornaram-se um único vulto deslizando pelo caminho.
Ela olhou-o, agradecida:
- Obrigado.