A dona Quininha

Quando, ainda criança, cerca de 8 anos de idade, um fato muito anormal, principalmente para a minha idade aconteceu, na casa vizinha à minha. D. Quininha, senhora muito séria e trabalhadora, tinha dois filhos o Toninho e a Cidinha. Garotos bem criados ajudavam a mãe em tudo. A Cidinha, a mais velha, já havia atingido a idade de 10 anos, estudava no Grupo Escolar, seu irmão menor, nem tinha ideia do que era estudar, brincava o dia todo e não havia nada com que se preocupar. Era o tipo do garoto, igual a tantos outros da região, vivia a vida como ela era para ele. Não questionava nem ansiava coisas que não estavam ao seu alcance.

Sua mãe, no entanto, estava sempre querendo algo melhor, uma vida mais decente, confortável que a tirasse do tanque e do fogão. Seu marido, Sebastião, muito simples, nem pensava nessas coisas. Também não tinha tempo. Levantava antes de o sol nascer e só voltava para casa quando escurecia. Sua família tinha o essencial para alimentar, não passava nenhuma necessidade, dormia em camas pobres, mas decentes e limpas, graças à dona Quininha que era muito caprichosa. Mas assim mesmo ela estava sempre reclamando da vida. Falava muito com a vizinhança sobre melhorar de vida, ter uma casa melhor com um bom quintal, onde pudesse ter suas plantas e preocupar menos com os filhos, principalmente com o futuro deles.

Essa era a vida daquela família, diariamente a mesma coisa. Uma rotina sem fim, nada acontecia de novo. Dona Quininha até juntava uns trocados e jogava no bicho, mas raramente ganhava e quando isso acontecia era muito pouco e não correspondia seu sonho. Parece que isso frustrava mais a sua vida, tanto que as reclamações não cessavam.

Quando descobriu que estava grávida pela terceira vez, foi uma decepção muito maior. A última coisa que poderia desejar era outro filho. Já passava tanto aperto com os dois e um terceiro, o que iria acontecer? Teria que abrir mão, definitivamente, de seu último sonho.

Reclamou, chorou, culpou o marido e todo o restante do mundo, mas a realidade não mudou. Estava grávida e teria um novo filho para cuidar e seu preocupar. Tanto falava que recebia conselhos de todos os tipos, desde promessas até receitas de chás abortivos.

Procurou benzedeiras, fez promessas, fez caminhadas exaustivas e nada o filho parece que estava determinado a nascer. Isso era terrível para ela. Resolveu, enfim a experimentar as receitas dos chás, receitadas pelas amigas. Experimentou o primeiro. Tomou todas as doses, direitinho conforme lhe foi aconselhado, mas o resultado esperado não aconteceu. Resolveu esquecer aquela ideia e procurar outros meios mais eficientes e continuou experimentando de tudo. Bastava aconselhar que lá estava ela experimentando e esperando os resultados. O tempo passou. Suas amigas lhe avisaram que o período havia passado que só lhe restava conformar-se e deixar o filho nascer.

Com a gestação já bem avançada, apareceu uma benzedeira e curandeira lá do alto da serra que lhe deu uma receita e garantiu que aquela não falhava. Era tomar e botar o feto para fora. Ninguém nem daria pela coisa.

Quininha, já um tanto desiludida com as promessas resolveu experimentar, pela última vez a garrafada da curandeira da serra. Preparou as ervas e foi tomando. Mas o feto já estava muito grande. Não era mais possível abortar, e resolveu então, a conselho das vizinhas a abandonar aquela ideia de vez. Assim fez.

Em poucos meses D. Quininha entrou em trabalho de parto. Naquela época ninguém se internava para parir uma criança. Existiam as parteiras que davam conta do recado e sempre corria tudo bem.

Mas no caso de Quininha, pelas estripulias que já havia aprontado, o caso complicou. A criança estava demorando muito para nascer. Estava tudo pronto, dilatação na medida, dores, perda do líquido e nada do garoto botar a cara para fora. Foi então preciso chamar o Doutor, o único que existia na cidade. Não era obstetra, era clínico geral. Mas como em parto, normalmente, não existem mistérios o médico sempre dava seus conselhos quando o caldo engrossava. Mas no caso da Quininha a coisa estava mais que séria. Era preciso transferi-la, com urgência para um hospital e o único ficava a mais de 30 quilômetros distante da localidade, cujo acesso era possível através de uma única estrada mal conservada.

Como não havia outro jeito, O próprio Doutor colocou-a dentro de seu carro e a conduziu ao hospital. Mesmo no hospital, com centro cirúrgico, anestesista e médico obstetra, o quadro da Dona Quininha ainda se apresentava complicado e grave. Os médicos e enfermeiras fizeram de tudo para salvar a criança e a mãe. Esta não teve muita sorte acabou não resistindo a tanto sofrimento e faleceu, mas seu filho sobreviveu.

Por ser sido um parto complicado os médicos aconselharam deixar a criança internada alguns dias para observação. Exames foram feitos e os resultados não foram muito favoráveis. A criança havia nascido com problemas cerebrais graves. Problemas causados pelas constantes tentativas de aborto. Não conseguia se mexer, mas respirava regularmente. Com o tempo, o menino foi melhorando e já conseguia chorar, isso animou os médicos que intensificaram suas atenções ao seu quadro o qual foi evoluindo e com algum tempo de tratamento já conseguia absorver o alimento através da mamadeira. Retirada, então a sonda pela qual o alimento era-lhe ministrado, forçaram-no a sugar a mamadeira e isso foi considerado um avanço no tratamento e assim ele estava mostrando uma recuperação surpreendente pelo estado em que se encontrava durante o parto. O garoto era um lutador.

Alguns meses de tratamento intensivo o menino foi considerado pelos médicos fora do período crítico e já podia receber alta foi confiado aos parentes que o acolheram e o levaram para casa, para prosseguir com os cuidados em casa.

Com muito amor e dedicação dos parentes, o garoto foi evoluindo. Começou a mexer os braços e mais tarde as pernas, mas não conseguia articular uma única palavra.

Assim cresceu, atingiu a idade escolar, mas continuava deitado em uma cama. Até que alguém resolveu colocá-lo sentado na cama, recostado nos travesseiros. Essa atitude parece ter incitado seu cérebro a buscar equilíbrio. Antes, quando o colocavam sentado, sempre caia para um dos lados, mas com o tempo começou a se manter no centro, recostado confortavelmente. Parecia ter evoluído a ponto de conseguir ajeitar-se sem a ajuda de outra pessoa.

Assim foi evoluindo e crescendo. Seu cérebro foi acompanhando seu crescimento físico e com a dedicação de seus familiares, em pouco tempo já estava se arrastando no chão. Desta vez, um dos familiares inventou um mecanismo tipo cadeira de rodas, para transportar o garoto que na verdade já se tornara um rapaz. Da cadeira de rodas, passou a um mecanismo mais sofisticado que o próprio deficiente manobrava. No início com certo receio e cuidado e depois com maior desenvoltura. Assim evoluiu e passou a operar o equipamento que foi sofrendo adaptações e melhoras.

Hoje é uma pessoa quase totalmente independente. Anda em seu veículo de três rodas por toda cidade. Faz quase tudo sem depender de ajudas, pula da cama para o carro que o transporta e vice-versa.

É quase uma pessoa normal, se não fosse a falta da mãe.