INCRÍVEL AMOR

Naquele momento, em pé entre a porta e o aglomerado de pessoas ao lado do caixão, José Luiz se sentia um intruso. Nunca havia imaginado fazer parte daquele cenário. Mas desde aquela manhã, quando soube do acidente, não sossegou mais e enquanto não compareceu ao velório e assistiu com muita atenção a todas as cenas daquele ato.

No caixão apoiado em dois cavaletes estava o corpo daquele que julgava ser o seu eterno rival, Anselmo, o homem, que durante 20 anos viveu ao lado da mulher que José Luiz amou desde a juventude. Envolto em muitas flores só haviam deixado de fora o rosto. Sobre o caixão um véu branco cobria o corpo, para evitar a presença de moscas.

Ao lado os parentes e amigos mais íntimos do morto conversavam e pareciam nem ter notado a presença de José Luiz. Por muitas horas, ali ficou a observar todos os movimentos daqueles que participavam do velório. Ao canto, do lado direito do caixão estava a viúva, sentada em uma grande cadeira, parecia, para ele, uma rainha em seu trono magistral. Respirava ofegante e imaginava que dentro de pouco tempo iria poder abraçá-la e tê-la de novo, como nos tempos da juventude, quando se declaravam às escondidas.

A família de Dulce não aceitava o namoro dos jovens, naquela época, por ser ele de origem humilde e não dispor de recursos para dar a ela uma vida digna. Por isso separaram-se, mas continuavam se encontrando às escondidas, até que o pai de Dulce lhe arranjou um pretendente à altura de sua posição social. A separação, inevitável, aconteceu. Desde então, Dulce não mais se encontrou com José Luiz, limitando-se a vê-lo de longe em raras oportunidades, o qual se sentindo muito magoado decidiu que jamais teria outra mulher. Viveria na solidão por toda sua vida, dedicando aquele amor à sua querida Dulce.

Ali permaneceu José Luiz até a condução do corpo para o sepultamento. Não acompanhou o cortejo, preferiu voltar para sua casa. Somente ao despir-se para o banho que percebeu o quanto estava cansado, com as pernas doloridas, pois passara toda a noite em pé, sem, praticamente, se mexer, observando sua amada e todas aquelas pessoas que entravam e saiam do velório.

Após o merecido banho e a primeira refeição do dia, deitou-se para recuperar as forças e se livrar daquele cansaço que parecia não ter fim.

Dormiu por algumas horas, apesar de seu sono não ter sido repousante o suficiente. Ainda ansioso, levantou-se e dirigiu-se para a sua empresa, onde passava o tempo muito ocupado com os negócios.

José Luiz e Dulce

José Luiz, filho de um renomado alfaiate da cidade, tinha 15 anos de idade, quando se encantou por Dulce, que nessa época tinha apenas 14 anos e ambos estudavam na mesma escola. Era comum, na época, os adolescentes namorarem através de olhares insistentes e longos suspiros, o que era entendido como um amor puro e inocente, mas nem por isso menos intenso. Os jovens não possuíam experiência para lidar com esse sentimento. Quase sempre deixavam que este prejudicasse o rendimento escolar e até mesmo influenciasse no comportamento doméstico, tornando-os melancólicos quando se trancavam em seus quartos e em alguns casos até recusavam alimentação. Diziam que era problemas de adolescentes e que só o passar da idade resolvia.

José Luiz não pode fugir à regra. Ao apaixonar-se pela bela Dulce começou a escrever bilhetes que eram entregues discretamente os quais também recebia e sempre procurava responder em casa, ocupando seu tempo mais com o amor do que com as obrigações escolares.

Dulce, também não teve um comportamento diferente, pois correspondia aos sentimentos do rapaz.

O tempo passou. Veio, a seguir, o tempo de colégio, onde esses jovens, a maioria, já na maioridade gozavam de mais liberdade para conversarem e até se tocarem, de forma muito discreta, nos intervalos entre as aulas.

Nesse clima começa o namoro entre eles.

Dulce, já com 18 anos aceita se encontrar com José Luiz, este com 19, e começam um relacionamento mais estreito. Encontravam-se na praça, onde ficavam horas conversando sentados em um dos bancos.

Foi nessa ocasião que os encontros dos dois chegou ao conhecimento de Sr. Antônio, pai de Dulce que imediatamente proibiu o namoro dos jovens. O motivo era a diferença social. José Luiz filho de um alfaiate e Dulce de um proprietário rural bem sucedido e de muitas posses.

Seu Antônio argumentava com a família que a união entre os dois era impossível, pois o jovem não tinha meios para proporcionar à sua filha o mesmo padrão de vida que esta tinha.

Começaram os conflitos entre famílias as quais se preocupavam mais em revidar as ofensas do que com o bem estar do jovem casal.

Separaram-se por algum tempo. Muita tristeza de ambos os quais se sentiam impotentes diante da decisão absurda de Sr. Antônio.

Alguns meses distantes, Dulce e José Luiz, não se conformaram e começaram a encontrarem-se às escondidas. Algumas vezes em casas de amigas de Dulce outras em algum lugar discreto, longe da praça. Mais de um ano se passou e o casal não desistia de seu amor. Planejavam mil maneiras de se livrarem daquela situação, terrivelmente, constrangedora a eles imposta. José Luiz propôs mudar-se para a cidade grande onde arranjaria um bom emprego que proporcionasse a ele uma condição melhor de vida tornando-o, assim, digno do amor de Dulce aos olhos de seu pai.

Pensando assim, juraram fidelidade incondicional e resolveram colocar em prática a ideia de José Luiz.

Alguns dias depois parte ele para a capital Rio de Janeiro, buscando realizar o seu sonho.

Algumas cartas trocadas, alguns meses se passaram. José Luiz, com o firme propósito de vencer na cidade grande, trabalhava de dia e estudava à noite. Nos fins de semana se trancava em seu quarto de pensão dedicando-se a estudar e a ler e escrever cartas para sua amada.

Em uma dessas cartas a notícia que amarguraria sua vida para sempre. Dulce o informava da decisão de seu pai de casa-la com o filho de um fazendeiro muito rico e respeitado da cidade. Declarava-lhe amor eterno e pedia para ele conformar-se, pois ela faria o mesmo, já que era impossível contrariar seu pai em sua decisão.

José Luiz muito desolado jurou nunca mais voltar à sua cidade. Não suportaria ver a sua amada ao lado de outro homem.

Ao invés de desanimar-se de seu propósito, dedicou-se com mais afinco aos estudos e ao trabalho. Seu sucesso não demorou muito. Concluindo o curso de engenharia civil, logo conseguiu um bom emprego em uma renomada construtora da capital.

Anos e mais anos trabalhando duro e sem tempo para lazer e outras atividades que distraísse sua atenção de seu objetivo, logo conseguiu juntar uma boa soma que investindo sempre e cada vez mais, aumentava, consideravelmente, seu capital.

Anos se passaram e José Luiz tomou a decisão de voltar para a sua cidade, a qual agora já mais evoluída com o progresso crescente oferecia boas oportunidades a quem tivesse capital para investir na construção civil. Foi assim que se tornou proprietário da construtora mais conceituada da redondeza, investindo na construção de edifícios e condomínios por toda região o que lhe proporcionava um acréscimo considerável ao seu patrimônio.

José Luiz, raramente via Dulce e na maioria das vezes de longe. Ela continuava bonita e para ele era a mais bela das mulheres. A mulher que ele jamais deixara de amar.

A vida corria, rotineiramente, para ambos. Dulce desempenhando seu papel de esposa, porém sem filhos e José Luiz de solteirão admirado e desejado por todas as moças da cidade. Apesar de ostentar traços de um amadurecimento precoce, ainda conservava uma bela aparência, que o enchia de charme com o qual encantava às jovens solteiras do lugar.

Foi nessa época que José Luiz teve a notícia do acidente que matara o então marido de Dulce, o Anselmo da fazenda Boa Vista. Correndo atrás de bois, seu cavalo tropeçou atirando-o ao chão. O tombo foi fatal. Anselmo quebrou o pescoço e não sobreviveu.

Após o enterro

Naquele dia, José Luiz não conseguiu concentrar-se no trabalho. Imaginando o que fazer para aproximar-se de Dulce. Mil coisas passavam pela sua cabeça, mas nenhuma das idéias que teve o satisfez.

Passaram-se alguns dias e na missa de sétimo dia, ele resolveu aproximar-se de Dulce e manifestar seus sentimentos, mas, ao mesmo tempo, imaginou o que podiam pensar dele. Se nesses anos todos havia esperado por um acontecimento daquele, como poderia solidarizar-se com Dulce, ainda sabendo que ela jurara amor eterno, mesmo casando-se com outro. Não. Não seria de bom tom essa atitude. Teria que pensar em outra maneira para aproximar-se dela.

Passados alguns meses, Dulce, agora residindo, ainda, na sua propriedade, teve a ideia de voltar a morar na cidade.

Pensando nisso, dirigiu-se para lá, procurando alguém que pudesse intermediar a venda da propriedade e a compra de uma casa na cidade, onde pretendia fixar residência.

Encontrou o corretor, Sr. Jorge, o qual trabalhava para José Luiz, com exclusividade. Conversou com ele, expondo a sua vontade e recebeu a promessa de que o mesmo iria conseguir uma permissão do seu patrão para providenciar a transação.

Volta, então, Dulce para a fazenda, à espera de um contato com o Sr. Jorge.

Jorge procurou José Luiz e expos a ele a vontade de Dulce, sem saber que eles haviam tido um namoro na juventude. José Luiz concordou e mandou oferecer um apartamento em um dos prédios de sua propriedade, para a viúva morar enquanto a venda da propriedade não fosse concretizada. Dessa forma, Dulce ficaria mais próxima dele e um dia, quem sabe, poderiam se encontrar e conversarem sobre o passado.

Foi quando Dulce conseguiu vender a fazenda e desejosa de comprar um apartamento da construtora de José Luiz que o procurou e puderam então marcar um encontro para uma conversa particular.

Encontraram-se na cidade próxima, com pretextos próprios e nessa ocasião puderam falar do namoro interrompido contra a vontade de ambos. Agora viúva e com José Luiz sendo um dos homens mais ricos do lugar, nada poderia impedir que viessem a se unirem e viverem a vida que sempre sonhavam.

Mais alguns encontros às escondidas, até que resolveram oficializar o relacionamento. Reuniram as famílias e fizeram o comunicado.

Naturalmente não houve quem não aprovasse. Todos abraçaram os pretendentes desejando-lhes toda sorte na união e que pudessem, enfim concretizarem seus sonhos de adolescentes.

Em uma cerimônia simples, tanto no civil, quanto no religioso, uniram-se José Luiz e Dulce para viverem, finalmente o tão sonhado amor e constituírem a família de seus sonhos.

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