A SOBREVIVENTE

Devido à quantidade enorme de frentes de combates criadas pelo exército nazista, estes começaram, no inicio de 1943, a encontrar dificuldades no controle, na comunicação e distribuição de suprimentos e provisões às tropas em combate.

Os campos de concentração e de extermínio se espalhavam por toda Europa, principalmente na Polônia.

Para esses campos eram enviados judeus, ciganos e outros prisioneiros do racismo nazista, onde eram dizimados.

Além da Polônia, foram criados alguns campos desses em outros países, como Itália onde foram instalados dois campos o de Bolzano e o de Trieste. Nesses campos eram aprisionadas pessoas de diversas origens, poloneses, eslovacos, iugoslavos, eslovenos, judeus de várias partes da Europa que se encontrava em território italiano. No início esses prisioneiros acabavam sendo transferidos para os campos de extermínio da Alemanha e Polônia, mas de 1943 a 1944, ali funcionou como centro de extermínio, inclusive com a montagem de um forno crematório.

Era comum aprisionarem toda a família, incluindo crianças que ficavam confinadas junto com os pais.

No campo de Trieste encontrava-se prisioneira uma família de judeus de origem polonesa, o pai Abel a mãe Dália e o filho Yacob. Essa família fugindo da perseguição nazista foi parar na Itália. Lá viveu certo tempo sem que fosse incomodada, mas seus membros acabaram identificados e presos. Foram transferidos para o campo de Trieste onde, segundo as autoridades nazistas, aguardariam a transferência para a Polônia local de sua origem. Com as dificuldades de transporte enfrentadas pelo exercito alemão, essa transferência foi sendo adiada e lá permaneceram por meses. A demora na transferência e a necessidade de criar novas vagas levaram os administradores do campo a optarem por exterminar alguns prisioneiros. Abel e Dália foram executados, asfixiados por monóxido de carbono, método muito utilizado pelos nazistas que consistia em fechar as vítimas em um compartimento e ligar a ele mangueiras que transportavam os gases dos escapamentos dos ônibus ou caminhões a diesel, intoxicando essas pessoas até à morte.

O pequeno Yacob foi poupado e logo acolhido por italianos. A família Tirapani, que o acolheu, graças a intervenção de um padre que assistia aos prisioneiros, levou-o para algum lugar desconhecido e o protegeu.

De Trieste os Tirapani transferiram-se para Ravenna, fixando ali sua residência, onde cresceu o pequeno Yacob, logo se transformando em um belo rapaz. A família Tirapani não era rica e com as dificuldades e restrições sofridas com a guerra, haviam perdido quase tudo que possuíam. Não tinha, portanto recursos para custear estudos especiais para o rapaz que conservou sua modesta condição de operário com o mínimo indispensável de instrução para a época, levando-se em conta as dificuldades do pós-guerra.

Já adulto Yacob, com 20 anos, conheceu uma jovem de origem polonesa de nome Apolônia que na época tinha 18 anos. Por ela, logo se apaixonou.

A família de Apolônia, comerciantes de joias tradicionais da cidade, tinha muitas posses e como era costume queriam os pais, para a filha, alguém com condição financeira à altura. Portanto não apoiaram o namoro da filha com o jovem Yacob.

O amor, no entanto, falou mais alto e os dois jovens, apesar da proibição, continuaram se encontrando às escondidas. O resultado foi uma gravidez inesperada. A situação deles ficou complicada. Os pais de Apolônia apesar de não apoiarem o seu casamento com Yacob concordaram que a filha teria a criança e esta em seguida seria dada para adoção. Não admitiriam em sua casa um filho do pecado.

Apolônia em trabalho de parto foi levada para a maternidade. Mas o parto não ocorreu normalmente. A paciente teve complicações e acabou perdendo a vida, sobrevivendo, apenas o bebê, uma criança do sexo feminino que foi abandonada no hospital pelos avós. Sabendo disso, Yacob furtivamente invadiu o hospital e de lá retirou sua filha, fugindo com a criança para local ignorado.

Com medo de ser preso e perder a guarda da filha, Yacob procurou ajuda para sair do território italiano. De Ravenna viajou para Nápoles, onde alguns parentes o ajudaram a embarcar em um navio para o Brasil.

Aqui, no Brasil, uma família de italianos já bem instalados o esperaria e o ajudaria com acomodações e tratariam de lhe arranjar um trabalho.

Chegando no Rio de Janeiro, houve um desencontro, o endereço que tinha da família italiana no Brasil perdeu-se na viagem. Sem ter para onde ir, procurou abrigo em vias públicas, enfrentando muitas dificuldades, com uma criança pequena para cuidar, sem a menor condição. Foi então que outra família, sensibilizada com sua realidade, o acolheu e providenciou cuidados para sua filha, levando-os para sua casa. Dispusera-se a cuidar da criança, enquanto era providenciado um trabalho para o recém-chegado.

Trabalhando Yacob conseguiu um lugar para morar e acabou arranjando uma esposa que se encarregou de cuidar da criança.

Anos passados, essa criança que recebeu o nome de Ana, cresceu e conseguiu estudar e se esforçar para obter bons resultados, apesar dos maus-tratos recebidos da madrasta. Ana tornou-se uma moça bonita e bem instruída, orgulho do pai que se preocupava muito com o seu futuro. Com tamanha preocupação Yacob tratou logo de arranjar um pretendente para Ana o qual a tomou como esposa e com ela teve uma filha.

Pouco tempo depois, Yacob veio a falecer e ficou Ana sem nenhum outro parente dependendo exclusivamente do marido que não era nenhum exemplo de bondade. Acabou por separar-se deste e procurar viver sozinha cuidando da filha que ainda era muito pequena.

Hoje Ana vive ainda inconformada com o seu destino e à espera de dias melhores, resistindo à indiferença e a falta de apoio do atual marido.

Tornou-se uma sobrevivente, depois de enfrentar, desde sua gestação aos dias de hoje, tanta adversidade.

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