Porque o vizinho é meu
Estava em frente à casa do Randolfo, tirando meio palheiro de prosa com ele, como gosto de fazer no final das tardes.
Nisso, foi passando um rapaz alto e muito magro, roupas comuns, cabelo de algum estilo da moda suburbana, pircings na sobrancelha e nariz, tatuagens tipo história em quadrinhos e mais alguns eteceteras.
– Boa tarde! - falou o rapaz. – Sou vizinho, moro no quarteirão de cima. Os senhores conhecem o dono dessa casa aí ao lado?
Randolfo visivelmente não simpatizou com o rapaz. Puro preconceito.
– O que o senhor queria com ele? A casa está fechada há mais de cinco anos e ele nunca vem aqui.
– Nada especial. Só reparei que ele empilhou ali uns tijolos, parece que ele fez algum tipo de reforma e sobrou isso aí, gostaria de saber se ele poderia ceder pra mim.
Randolfo não olhava direto pro rapaz. Olhava alguma coisa no chão, ciscou com a pona do sapato, deu uma olhada de canto de olho pra mim, e falou de cabeça baixa.
–Ah! Os tijolos! Verdade, tem uns tijolos ali. Eu já falei com ele mas ele me disse que vai usar.
O rapaz fez cara de decepcionado, agradeceu educadamente e prosseguiu no seu caminho. Eu sabia que Randolfo tinha mentido e perguntei por que disse aquilo ao rapaz.
Randolfo olhou pro outro lado, pigarreou, cuspiu, me olhou de soslaio, pensou mais um pouco e resumiu seus sentimentos:
– Porque o vizinho é meu.