Magnétika- cap. XIX

Uma notícia boa: as obras do edifício foram embargadas pela prefeitura; apesar de já terem derrubado muitas casas, a do Seu Jô continuaria, por enquanto, intecta. Ganhamos um tempo, mas eles não desistiriam.

Disse essa notícia na mesa do café; minha mãe não deu muita importância, mais ao fato de que deveria me esforçar para fazer um curso pré-vestibular. Sempre tive boas notas e fui bem comportado; aquilo que a sociedade diz de " uma pessoa de bem", porém ultimamente fugia um pouco a esse estereótipo, esses que a sociedade nos impinge e quando fugimos a eles, classificam-nos de acordo com seu senso com o qual não concordo , em absoluto.

-Mas eu vou trabalhar na livraria de seu Jô.....

-De jeito nenhum!- Atalhou minha mãe, rispidamente.- Você não precisa trabalhar, além de que vai prejudicar os estudos. E o que nossos amigos vão falar? E a família? Ainda mais naquele lugar; vão achar que estamos passando por necessidades...

-Deixe ele trabalhar- era meu pai,sempre mais ponderado e sábio- É bom ele começar a aprender a ganhar seu próprio dinheiro e criar responsabilidades...

-Mas naquele lugar...

- É uma livraria, de livros usados, um sebo... Meu primeiro emprego foi como office-boy; ele está indo para um lugar de alto nível; eu conheço o Josisvaldo; a livraria dele é frequentada pelos estudantes universitários que não podem pagar livros novos...

- O Seu Jô vai me ensinar o serviço; eu gosto de ler , dos livros; o pessoal que frequenta é muito legal...

-Ah, meu Deus! Quero só ver; ele precisa se aplicar para passar no vestibular e você sempre contemporizando com essa gente, só porque jogou bola com ele quando era moleque? Façam o que quiserem...eu não falo mais nada. - Minha mãe levantou-se , aborrecida, ajeitando as madeixas que caíam no rosto.

E assim comecei em meu primeiro dia no meu primeiro emprego. Cheguei lá, Seu Jô tirou os óculos e se levantou para me cumprimentar; a livraria estava vazia naquela hora, mas logo chegariam os estudantes, os literatos, intelectuais; havia até um café improvisado, com umas duas mesas ; ele era feito por Dona Zulmira, é lógico.

-Entre, meu "ajudante"; vou te explicar o serviço; é simples; nós lidamos apenas com uma coisa de pouca importância, na cabeça de alguns : a cultura, que vem de colius, do Latim, que significa colher; então, aqui plantamos o conhecimento e ele irá brotar aqui e ali, se regarmos bem. Colocou a mão nos meus ombros : "Veja aquela frase na parede: No Universo da cultura,o centro está em toda parte" Esse é o lema de nossa loja; seja bem-vindo.

Eu olhava tudo estupefato e interessado.

-Aqui temos alguns tesouros; alguns eu vendo, outros são de coleção. -Aponta para um livro antigo:_ Essa linda Bíblia do século XIX em italiano estava num lixão; eu a resgatei e está aqui, em todo seu esplendor. Esse dicionário de Oxford, em bom estado, estava na lixeira; as pessoas têm aquela mentalidade consumista de que se não me serve mais, vou botar fora. "Que país é esse? "- Como disse alguém.

Ia olhando os livros e me inteirando do local, que sempre adorei.

-Veja o Atlas de Oxford; eles não tinham computador, mas não sei como faziam, em 1958, uns mapas em alto-relevo tão realistas.

Sim , eu estava em meu meio...