Magnétika- cap. XXI

Bem, meu trabalho na livraria de Seu Jô era interessante; entrei em contato desde com estudantes que queriam um livro usado mais barato, que era pedido na faculdade, até com aqueles bibliófilos, que estavam atrás de raridades que Seu Jô sabia encontrar como ninguém, como se fosse um garimpeiro e sua bateia a achar pepitas ou um minerador a achar um veio de esmeraldas ou ainda um caçador de tesouros. Disse-lhe esses adjetivos, ao que me respondeu:

-Isso mesmo; gostei das comparações, mas o que fazemos mesmo aqui é garimpar esses tesouros, escondidos em sótãos de casas, em coleções que os netos não querem mais ou jogados mesmo nos lixos das pessoas "ricas", entre aspas mesmo.

Mas se pensam que o ambiente era só de seriedade, se enganam; quando Dona Zulmira vinha trazer o café, invariavelmente ele ligava seu rádio velho e a forçava a dançar e fazer umas evoluções, meio a contragosto, mas se via que era ágil naquela dança, meio de escola de samba, meio de outras regiões que não conhecia. Ou juntavam uns estudantes no café improvisado e, saía às vezes uma algazarra, de falar besteiras e rir. Claro, isso faz parte da vida; eram jovens e ainda não se preocupavam com os malefícios do cigarro. Seu Jô, não; tinha lido nos livros sobre o mal que isso fazia; só tomava umas cervejinhas de vez em quando.

Havia entre esses estudantes, alguns de Direito, com um vocabulário mais elaborado; os de exatas, como aspirantes a engenheiros e tecnólogos em computação; falavam mais em tecnologia e os estudantes de Medicina, sempre os mais aplicados, pois a concorrência era grande, mas mesmo entre esses havia os sonhadores e que talvez no futuro largassem a profissão em busca do que almejavam. Entre esses havia o Poeta, como o apelidavam os outros , em sua algazarra; vinha sempre com seus versos amarrotados num papel e os lia ali mesmo, sob o "uhhh,uhhh!", dos outros, quando elegia uma musa a quem os dedicaria e que invariavelmente caçoaria de sua ousadia, ou... ficaria encantada. Dirigia-se invariavelmente a mim, a quem talvez achasse que compreenderia suas aspirações literárias:

- Veja esses versos que escrevi:

"Quando a aurora surgiu,

No céu multicor,

No âmago do coração

O céu se abriu..."

-Muito bom! Continue. Eu era muito educado; não achei grande coisa, mas minha mãe me ensinou a ser polido. Talvez fosse melhor que fizesse a Faculdade de Administração, como seu pai queria, para ajudá-lo na empresa. Mas quem sou eu para dizer isso? Quem pode julgar o que se passa numa alma humana? E se esse fosse o novo "príncipe dos poetas brasileiros", como Bilac?

Ele tomava meus elogios com muita distinção, pois os outros só o zombavam, e ria em sua magreza meio encurvada. Pelo menos a pinta de poeta romântico tinha, até no nome : José Eduardo de Magalhães Lisboa, nome de família importante. Depois disso, levantava-se e saía; um desses tipos impagáveis.