TAMAR
Quando “Zé de Andrade”, caçador com faro canino, viu “Dengosa” entrando na mata puxada por seu pena-verde, Tamar ainda estava viva, no hospital da Ordem Terceira, entre a vida e a morte. Ela foi levada às pressas para a capital, no barco de seu “Didi Oliveira”, que fez uma viagem extra para conduzir Tamar ensangüentada para o médico na cidade, mas não teve jeito. Ela morreu no mesmo dia em que deu entrada no hospital.
O velho “Mané de Cristo” perdeu o gosto pela vida depois que Tamar morreu. As roças de milho, mandioca e feijão foram invadidas pelo mato, porque o velho deixou de mandar no capataz e o capataz deixou de mandar nos empregados. Quarenta tarefas de maniva irremediavelmente perdidas, tomadas pelas ervas daninhas e pelo capim brabo. As vinte e quatro horas do dia, “Mané de Cristo” passava entre o cemitério e a taberna de seu Bento. As primeiras horas da manhã o velho ficava no cemiteriozinho de São Roberto, rezando pela alma de Tamar. Ele saía do campo santo direto para a taberna de seu Bento, onde se refugiava do desgosto da perda precoce da filha adolescente, atrás de fortes doses de cachaça “Chora Rita” . Ele, e não a fatalidade, foi o responsável pela morte de Tamar, quando ela ainda desabrochava para a vida. Ele nunca acreditou na estória de vingança dos encantados. Era o que o velho dizia, pouco antes de secar a segunda garrafa da maldita. Com os passos trôpegos de homem bêbado, procurava no meio das jardineiras o sepulcro da filha, com o retrato preto e branco que o retratista tirou quando ela tinha quinze anos e que “Mané de Cristo” mandou pregar na jardineira. Vestida de branco e com um colar de Michelin que seu tio Ezequiel lhe dera de presente no dia de seus quinze anos, Tamar sorria no retrato, o olhar distante e triste, parecia saber que seria contemplada, no retrato, pelo pai, durante muito tempo, antes dele também ser enterrado ao lado dela no cemiteriozinho de São Roberto. O cemitério tinha apenas quarenta e duas covas, bem fundas. Eram tão poucas que “Ocivaldo Cotó”, o vigia e coveiro do cemitério, sabia o nome e a história de todas as pessoas enterradas lá. Esta aqui – dizia ele – é do tio Cândido. Morreu com noventa anos. Ele foi escravo em um engenho de cachaça em Igarapé Miri. Aquela ali é de seu Tenório, vigia do grupo escolar e da esposa dele, dona “Aninha”, uma santa mulher. Aquela onde tem um cajueiro é a do seu “Didi Oliveira”, dono da embarcação “Bibica”. Ele morreu leproso. A doença levou todo o dinheiro que ele tinha no banco em Belém. Perdeu tudo. O que tinha e o que não tinha, coitado. Esta aqui, perto do cróto roxo é do pai Vicente. Ele era feiticeiro e não gostava de mulher. Só de homem. Tesconjuro. Ele fez muita pussanga pra gente daqui de São Roberto. O padre Nemézio dizia que pai Vicente vendeu a alma para satanás. Muita gente tinha medo dele. Dos feitiços que ele sabia fazer, dos poderes que tinha e que o tranca-rua lhe ensinava, à meia noite, quando ele acendia velas de sete dias para Lúcifer.
-A cova mais recente eu cavei para enterrar seu “Zé de Andrade”, o caçador que tinha faro canino, dizia o coveiro. Ele morreu de malária. Não teve quinino que desse jeito. Também era a sexta malária que ele pegava. Estava com o corpo fraco. Essa é a minha sina, cavar as covas fundas para enterrar o pessoal do arruado. Não sei quem é que vai cavar a minha. O restante das sepulturas – “Ocivaldo Cotó” conhecia todos os mortos, por nome e sobrenome – é de gente que morreu também de malária, que é a febre que vem da mata. Cada pau que a madeireira derruba, revolta o mosquito que se vinga no pobre, que vive no arruado. Eu mesmo já padeci da maleita. A terçã maligna aumentou três vezes o fígado e o baço ficou do tamanho de uma cuia pitinga. Fiquei igual a um palito de magro. “Rosinha”, minha patroa, era quem me levava pro quintal, para fazer necessidade na retrete. Doença desgraçada que quando não mata o cristão, deixa ele fraco, quase imprestável para o trabalho no eito. E assim, “Ocivaldo Cotó” ia contando a estória de cada lápide, cada defunto era uma parte viva da história do pequeno arruado de São Roberto, lugarejo perdido nas lonjuras da região amazônica, onde o plasmodium reina absoluto, produzindo viúvas e órfãos. A febre tropical mata mais do que bala de rifle. É mais perigosa do que tocaia. Depois que o plasmodium penetra na veia do cristão e se aninha no sangue, no baço e no fígado não adianta tomar o quinino que o fura-dedo da Sucam distribui de graça. O micróbio é mais forte do que catinga de mucura.
Seu Bento, o taberneiro, não ousava aconselhar “Mané de Cristo” a parar de beber e voltar a cuidar das roças. O velho tinha muita autoridade porque todo mundo que morava em São Roberto já tinha pedido um favor para “Mané de Cristo”, que nunca se recusou a ajudar quem tivesse precisão. Ele era o chefe de São Roberto. Um pai bondoso de todo mundo, mas que sabia disciplinar seus afilhados. Vadio não morava em São Roberto. Ou ia para o eito tirar o seu sustento ou o velho expulsava do arruado. Mesmo o coveiro “Ocivaldo Cotó”, que perdeu um braço durante uma briga, decepado a golpe de terçado, pelo finado Feliciano, era obrigado a trabalhar. Serviço maneiro era o dele, cavar cova de defunto com um braço só e cuidar das plantas do cemitério. Isso causava ainda mais revolta contra o finado que decepou seu braço, mas que não viveu pra fazer bafo. “Ocivaldo Cotó” o matou com uma certeira facada no peito, que decepou a aorta. A revolta dele era porque ficou impossibilitado de trabalhar no eito como os outros homens do arruado. A lesão que Feliciano lhe causou o tornou inválido para o serviço de macho, como ele dizia. O pior era ter que cuidar também da sepultura do finado, enterrado ali, completando os quarenta e dois mortos, que em sua maioria a malária depositou nas covas fundas. “Ocivaldo Cotó” capinava com uma mão só a cova do finado Feliciano, como se estivesse pagando penitência.
No dia dos quinze anos de Tamar, “Mané de Cristo” mandou matar doze porcos, os melhores que ele tinha, criados com mandioca, para comemorar o aniversário da única filha. Todo mundo foi convidado para a festa. Seu “Mané” não esqueceu de ninguém. Veio até uma aparelhagem, trazida no barco a motor de “Didi Oliveira”. Nesses tempos ele ainda era vivo. “Mané de Cristo” não poupou economia. Fora os doze leitões preparados pelas mulheres, o velho mandou preparar maniçoba com a tripa e os pés de porco, além de pato no tucupi, galinha caipira e carne de tatu fresca. Dezenas de cofos de caranguejos tirados pelo “Nego Tetê”, no mangal da cabeceira do rio, foram entregues a “Mané de Cristo”, para a festa .
- Quanto é “Nego Tetê”? Perguntou o velho.
- Não é nada não seu “Mané”, eu é que estou lhe devendo. De tardinha eu trago pelo menos três pêra de siri. Tem muito no rio. Com um paneiro e tripa de galinha é maneiro pegar os bicho.
“Nego Tetê” era completamente vesgo. O estrabismo o impediu de realizar seu sonho de entrar para a Polícia Militar e servir à pátria. Mas foi o velho “Mané de Cristo” que pagou cinqüenta cruzeiros para ele fazer os exames de seleção para a briosa e mais cem para ele fazer operação na vista no hospital da Santa Casa, em Belém. A operação não deu certo e “Nego Tetê” foi reprovado no exame de saúde. Mas ficou devendo o favor ao velho. Nesse tempo qualquer um podia ser polícia. Bastava saber ler e escrever. Às vezes nem era preciso saber ler e escrever se tivesse um padrinho forte.
- O “Ceará Olho-de-Gato”, conseguiu a patente de cabo. Ele era analfabeto. A professora Clomilde, esposa de seu “Mané”, bem que tentou desemburrar “Ceará Olho-de-Gato”, mas ele tinha a cabeça dura. Ele se pegou, em Belém, com o vereador Gonçalo Duarte, padrinho forte, aparentado da finada Mafalda, mãe de “Ceará”, que deu a farda pra ele. Assim é fácil, dizia “Nego Tetê”, sem esconder a frustração de não ter conseguido ser polícia, apesar da ajuda do velho, que ele nunca mais esqueceu. Ficou devedor.
Seu “Zé de Andrade”, que tinha faro de cachorro, caçou um veado e duas cotias e deu de presente para “Mané de Cristo”. Para o aniversário de Tamar. A caça serviu também de banquete aos convidados do velho. Os cofos de caranguejo e as pêras de siri ferveram numa panela grande de barro, com tucupi e jambú, cozidas na tacuruba, improvisada no centro do arruado. A festa durou três dias e três noites e até os crentes da congregação, que “Mané de Cristo”, católico praticante, autorizou fazer no arruado, se embriagaram e dançaram o merengue da cebola. Ritmo alucinante que o negro Augusto marcava batendo palmas ou dançando com Bartira, no centro do arruado, onde “Sinvalzinho”, o dono da aparelhagem “Aliança”, instalou seu treme-terra. Tinha batida e licores de tudo quanto é fruta. Cupuaçu, goiaba, taperebá, côco, jenipapo, bacuri e graviola, gengibre e maracujá, araçá e tucumã. Só quem estava com a terçã ou a quartã malignas não gozou da festa. O resto dos habitantes do arruado bebeu e brincou até a madrugada do terceiro dia, quando “Sinvalzinho” ainda cheio da batida de jenipapo, que ele gostava muito, foi embora, no barco de seu “Didi Oliveira”, levando com ele o treme-terra, que animou a vida do arruado durante três dias ininterruptos.
Se o velho queria beber tinha todo o direito. Sua carraspana diária terminava sempre em choro, quando ele começava a falar da filha morta. A imagem decrépita de ‘Mané de Cristo”, bêbado, falando palavras entrecortadas e sem sentido, nem de longe lembra o homem vigoroso que ele foi, na sustança de seus trinta anos, quando conheceu Clomilde, sua companheira o resto da vida. Clomilde tinha quinze anos quando casou com “Mané de Cristo”. Somente vinte anos depois, quando “Mané de Cristo” estava certo que Clomilde não lhe daria mais filhos, foi que ela engravidou de Tamar.
“Mané de Cristo”, de machado em punho, à frente dos homens do arruado, derrubou a juquira para construir as casas. Os casebres foram erguidos em regime de mutirão. Primeiro “Mané de Cristo” mandou erguer a igreja, construída em homenagem ao glorioso São Benedito. Depois as outras casas. A dele era a maior, indicando sua posição de chefe do arruado. Foi muito depois que o velho autorizou a construção da congregação. Porque aumentou o número de crentes. Eram muitos, com a bíblia na mão, se reunindo ao ar livre, no centro do arruado. João Santa Rosa, homem de bem, diácono da congregação, pediu autorização para “Mané de Cristo”, para construir a igreja dos crentes. Já tinha mais de cem irmãos no arruado e o velho teve que autorizar a construção. Ele mesmo ajudou construí-la, pois eram da mesma família de deus, a despeito da religião diferente.
O velho se culpava pela morte de Tamar. Foi ele que lhe dera o brinquedo fatal. Ele, “Zé Prego”, o diácono Santa Rosa e “Zé de Andrade”, com faro de cão, saíram em uma madrugada no casco de “Mané de Cristo”. Casco não. Era um batelão. Eles desceram o rio durante cinco horas procurando mata virgem onde a caça é abundante. Onde tem fartura de todo tipo de caça. Veado, preguiça, paca, tatu, cotia, capivara, anta. Jabuti e perema é como fruta do mato. É só ajuntar. Tem muito. O fundo do batelão vem repleto desses animais, cozidos pelas mulheres com tripa e tudo. Nesse dia, paresque maldição de curupira. Por pouco o grupo não foi mundiado pelo espírito da floresta. Parecia que a floresta estava revoltada com a perturbação dos intrusos, que saíam à cata de seus filhos, indefesos.
“Zé de Andrade”, que cresceu na vivência com a mata, pois acompanhava o velho Saturnino, seu pai, nas caçadas desde criança, ficou preocupado. Fazia mais de três horas que andavam pela mata e não encontravam nenhuma espécie animal. Naquele local, não encontrar caça não era normal. Apenas o assovio sinistro da Matintaperera pedindo tabaco para seu cachimbo de embaúba. “Zé de Andrade” deixou um pedaço de fumo de corda, cortado com a faca peixeira, para a Matintaperera deixá-los em paz naquele dia. Ele depositou o tabaco no tronco de um pé de andiroba para a entidade abastecer seu cachimbo de embaúba e não perturbá-los, afugentando a caça. “Zé de Andrade” era um caçador “passado na casca do alho”. Com oito anos ele já sabia atirar com cartucheira. A única escola que freqüentou foi a floresta, a mata amazônica. Ele conhecia a nascente dos rios e igarapés, furos e paranás, o nome dos peixes e as estórias do mapinguari e do vento encantado, que soprava do centro da floresta e entorpecia as pessoas, mundiando-as , a lenda da Iara, a sereia dos rios e do boto femeeiro, da mulher cheirosa e do caboclo Pena Verde, o pai da floresta. Eram estórias que a sua avó índia lhe contava. O caçador com faro canino, conhecia cada pé de pau; a vida e os costumes dos animais; os sortilégios da mata escura. Certa vez ele e o velho Saturnino foram mundiados pela Matintaperera. Eles ficaram perdidos três dias na mata, comendo frutos silvestres. O medo de morrer, ele e o filho, perdidos nas entranhas da floresta e virarem visagem, fez o velho Saturnino prometer acompanhar o Círio descalço, segurando a corda, todo ano, enquanto tivesse vida. Foi se ajoelhar no chão da mata, fazer a promessa para a mãe dos paraenses e a virgem ensinar o caminho de volta, porque a Santa é mais milagrosa do que qualquer espírito do mato. O velho Saturnino nunca faltou com a Santa. Em outubro ele e “Zé de Andrade” reservavam lugar no barco de seu “Didi Oliveira” para irem à capital acompanhar a romaria do Círio. O barco ia apinhado de gente. Não cabia mais ninguém. Mas seu “Didi”, sabedor da promessa, reservava dois lugares em seu barco, para Saturnino e o filho. Promessa é promessa. Não se pode faltar com a Santa. O barqueiro era responsável para viabilizar o cumprimento do prometido. Ele se sentia também compromissado para com a Santa. Tinha medo de ficar panema, mesmo não tendo sido ele que fizera a promessa, num momento de aflição, em que o cristão necessita da ajuda divina. Saturnino e “Zé de Andrade” cumpriram a promessa feita à Santa, naquele momento terrível, em que foram mundiados pelos encantados da mata, até o dia em que a malária levou, primeiro o pai e depois o filho, do mundo dos vivos. Doença mais desgraçada. Égua, pior do que puçanga de pajé.
Como por encanto, a floresta abriu seu regaço de mãe-natureza para os caçadores. Naquele dia, que começou panema, a mata cedeu seus melhores espécimes. Só “Zé de Andrade”, o caçador com faro animal, abateu três veados galheiros. Tatus, catetús, pacas, cotias e aves silvestres foram abatidos aos montes. A canoa-batelão singrou o leito caudaloso do rio, além de suas forças. Quase “Zé Prego” não consegue remar. A força do remo fazia a igara rodopiar, devido ao número de animais abatidos. “Mané de Cristo” brincava encantado com um filhote de onça que encontrara miando, longe da mãe, debaixo de uma maumarana. Foi ver o bicho e pensar nos olhos negros e brilhantes da filha Tamar, encantada por felinos. Em casa a menina-moça tinha seis gatos que tio Remijo lhe dera. O velho sabia os gostos da filha mimada. Acertou em cheio. Tamar chorou de emoção quando recebeu a oncinha, miando abandonada, longe da proteção da mãe. O gatinho tornou-se a boneca predileta da menina. Nem tanto menina, pois estava prometida ao caboclo Clarindo, filho do diácono Santa Rosa. “Mané de Cristo” fazia gosto, porque o pretendente era um homem trabalhador e honesto. Os dois quase não se viam. Mas Tamar tinha por ele verdadeira adoração. Igual a que sentia pelo seu pequeno mimo, presente do pai. Tamar chegou ao extremo de dormir com o bicho em sua cama de varas, coberta com lençóis de saco de açúcar. Nos primeiros dias o gatinho era amamentado com uma mamadeira, com leite de cabra, que Nazaré, esposa de Bento da taberna lhe dera. Todo mundo que chegava ou morava no arruado, queria conhecer a “Dengosa”, nome que lhe dera o próprio “Mané de Cristo”. O bicho era manso demais. Lambia a mão das crianças e recebia carícias na cabeça como se fosse um gato siamês. O moleque Salomão, neto do diácono Santa Rosa, trazia todos os dias carne fresca para a velha Joana, que ajudou a criar Tamar, alimentar “Dengosa”. A onça foi criada em uma puxada que “Mané de Cristo” mandou construir, com chão de cimento para facilitar o asseio. A cada mês era preciso aumentar a quantidade de carne fresca para “Dengosa”. O bicho rugia e seu urro assustava as cabras no pasto. Nesse dia, o moleque Salomão entregou doze quilos de carne para a “Dengosa”. A velha Joana, porém, amanheceu com frio, com dores pelo corpo e vomitando, sintomas da malária. A velha não conseguiu levantar da rede. “Dengosa” ficou sem carne fresca. Tamar retornara da missa. Era um domingo ensolarado. Tinha ido se confessar com o padre Nemézio. Ela abriu a tramela da porta que dava acesso ao covil da fera. Não teve tempo de acariciar a cabeça do animal, como fazia todos os dias.Com fome, todos os instintos selvagens adormecidos na onça mansa, afloraram com um ímpeto de pororoca que destrói tudo o que encontra pela frente. No primeiro ataque, Tamar teve a mão direita mutilada e perdeu parte de um dos seios. Os gritos da menina foram ouvidos pelo moleque Salomão. Com uma acha de bambú, usada para apanhar mangaba, o moleque assustou o animal, que se deitou no fundo da jaula improvisada, como se nada tivesse acontecido. Quando “Mané de Cristo”, tomado de ódio pelo animal, procurou a onça, com a espingarda na mão para abatê-la, o bicho desapareceu, como por encanto. “Zé de Andrade” afirma ter visto o animal entrando na mata, puxado por uma corda de embira, por um índio, que ele reconheceu como sendo o caboclo Pena-verde. No lugar dos olhos do selvagem, havia duas brasas encandescentes. Tesconjuro.
No outro dia, Tamar morreu no hospital da Ordem Terceira. A gente do arruado dizia que o bicho era um enviado de anhangá, espírito do mal, demônio que habita a floresta, capaz de virar qualquer bicho. Anhangá o enviara para tomar vingança, da gente do arruado.
O falecimento da menina tirou a vontade de viver do chefe do arruado. Meses depois, “Mané de Cristo” sofreu uma recaída da quartã maligna, a febre tropical. Mesmo com os acessos terríveis da quartã, o velho não parou de beber. Depois de ingerir mais de uma garrafa de “Chora Rita”, o velho foi encontrado morto, em cima de uma cama de varas, dentro da casa onde fora feliz com Tamar e Clomilde. Ele foi enterrado pelo coveiro de um braço só, ao lado de Tamar, em uma cova funda no cemiteriozinho de São Roberto, lugar perdido nas lonjuras da Amazônia, onde o plasmodium reina absoluto, criando órfãos e viúvas.