A garota de shorts verde
Já passava das 4 da tarde.
O dia estava quente e sufocante; as pessoas na rua caminhavam preguiçosas espremendo-se entre as árvores em busca de uma sombra qualquer que lhes amenizasse o calor.
Não me lembro bem se era dezembro, mas, pelo cheiro do ar deveria ser janeiro. Dezembro tem aquele cheiro de Natal...Janeiro não tem cheiro de nada. Não gosto de janeiro.
A garota magricela e desnutrida caminhava quase oculta entre a multidão, vestindo um shorts verde e com o cabelo tinto de vermelho.Carregava uma sacolinha de mercado na mão direita e parecia tentar ocultar seu conteúdo, pois a mantinha sempre muito rente ao corpo, quase que abraçada a ela.
De onde eu estava podia ver claramente seu rosto, e confesso que alguma coisa mantinha meu olhar fixo nos seus passos. Era como se eu esperasse por algo, uma ansiedade estranha me dominava sem que ao menos eu soubesse a razão.
Quando alcançou o meio da praça e coicidentemente bem de frente ao lugar onde eu estava, a garota magricela subitamente parou.
Olhou no relógio e depois olhou em volta como se procurasse alguém. Olhou novamente no relógio, novamente procurou alguma coisa entre as pessoas que passavam.
Aquilo tudo me angustiava! Estava a ponto de me levantar e ir até ela.
Mas o que eu iria perguntar? Como iria explicar de maneira convincente a minha curiosidade sem parecer uma pervertida, uma intrometida?
Os minutos passavam e eu estava aprisionada àquela cena: a menina de shorts verde, o calor sufocante, o barulho dos carros e a conversa distorcida das pessoas que passavam. Não conseguia me mover, nem desviar o olhar por um segundo que fosse.
Foi quando alguém apareceu...
Eu me lembro de ter visto os olhos dela brilharem, e me lembro de ter tido a nítida impressão de que o mundo brilhou junto com eles. A garota de verde abriu os braços e correu. Não tinha conseguido entender pra quem fora o sorriso, nem pra quem ela corria. Mas de alguma forma meu coração se alegrou e até o calor ficou mais suportável.
Olhei mais atentamente e pude ver um garoto de cabelo roxo e piercings no rosto. Roupa preta, coturno pesado contrastando com a leveza com que corria de encontro a ela.
Os dois sorriram e se abraçaram apertado, girando pela praça ao som de uma valsa inexistente. E depois ficaram lá, se olhando por minutos infinitos.
Foi assim que os deixei, absortos a olhar um para o outro.
Nunca soube o que ela carregava na sacola, mas gosto de imaginar que fossem chocolates, e por isso ela os mantinha tão protegidos de tudo. Até posso ver os dois dividindo os bombons e conversando sobre a vida, sobre o tempo, sobre desenhos em nuvens, sobre tudo e sobre nada...
Deixei aquela praça com a esperança renovada e uma vontade absurdamente grande de me entregar à vida de braços abertos.
É... devia ser dezembro. Sempre somos felizes em dezembro.