O SOFÁ

Há alguns anos, quando compramos nosso primeiro apartamento, minha sala de visitas ficou vazia. O sofá que eu tinha na casa antiga estava muito gasto, então resolvemos dá-lo a alguém que quisesse reformá-lo.

Um tempo depois, comprei um jogo de estofados muito bom, de um fabricante bastante conceituado na minha cidade. Um jogo com estampa floral e acabamento em mogno, antes é claro de essa madeira ser considerada em extinção e proibida a sua extração.

Após quase dez anos de uso, o tecido brocado que um dia fora belo e elegante precisava ser substituído, mas antes disto, nós tivemos a sorte de poder adquirir uma casa maior, com duas salas, sendo que uma delas foi destinada para sala de televisão. A sala principal de visitas ficou vazia, a não ser por um aparelho de som em uma estante baixa e uma marinha na parede. O conjunto de sofás gasto ganhou umas mantas e foi para a sala de convivência com a telinha.

Dois anos se passaram e surgindo uma oportunidade, minha madrinha mudou-se de uma casa alugada para um apartamento de minha tia, onde ela não teria que pagar quase todo seu salário de professora aposentada para um senhorio. O problema é que o AP novo era menor, então ela deu-me um sofá-cama.

Com esta aquisição, portanto, já havia onde nos acomodarmos: filhas, namorado, parentes em geral, cães e eu mesma na sala de TV/DVD, então decidimos que já era hora de reformarmos os estofados. Assim a nossa sala de visitas ficaria mobiliada.

Pesquisei preços, comparei, observei o trabalho dos estofadores e apresentei ao meu marido as opções que tínhamos. Optamos “juntos” por um profissional que trabalha em nosso bairro mesmo. Eu preferia o trabalho de outro senhor, mas sendo mais careiro e vendo o trabalho do dito cujo mais barateiro “concordamos” que daríamos o serviço para o que cobrou preço mais razoável.

Antes de mandar os estofados para reforma, dei outro serviço a ele: encomendei-lhe três pufs bem grandes e os coloquei na sala de TV, para acomodar mais pessoas (obviamente adolescentes). Até aí tudo bem.

No fim do ano, contando com o décimo terceiro, combinamos com o estofador e ele apareceu com um molecote à minha porta. Para minha surpresa, pegaram os sofás, um por vez, levando-os nos ombros até sua loja, garantindo que entregariam o serviço pronto antes do Natal. Já estava combinado que daríamos a metade do dinheiro adiantado e o resto, pagaríamos na entrega.

Na véspera do Natal, à noitinha, nada do homem, do molecote, muito menos dos sofás e eu já imaginava que ele não cumpriria o prazo. Porém quase às oito horas da noite, com um dos sofás nos ombros, reformado, ele chega à minha porta.

Aí começaram os problemas. Ao manobrar com o maior, para entrar, o fulano, por afobação ou descuido, ralou o braço de uma das peças no portal de mármore, provocando um arranhão no courino. Antes de eu comentar sobre o estrago, ele prometeu que viria buscar o braço para arrumar logo após as festas, pois por hora estava atolado de encomendas, e, sem dar espaço, continuou comentando que havia gasto mais tecido do que havia calculado. Foi aí que, interrompendo-o, eu o lembrei de que ele havia errado no modelo do estofado: ao invés de fazê-lo inteiriço, como acertado, forrou o sofá e fez as almofadas separadamente. Murchando na hora, ficou assim impedido de me cobrar a mais pelo tecido, no entanto, pediu para receber o restante do pagamento, pois tinha que fazer uns acertos com um empregado. Prontamente eu o atendi, confiando na sua palavra.

Na passagem de ano descobrimos um defeito no outro sofá, o menor, que provavelmente deverá abrir, inutilizando o estofado. Desde então todos os dias passo na porta do homem para combinar com ele o conserto dos estragos que ele mesmo causou. Após a primeira semana sem cumprir o prometido e fazendo hora a esperá-lo, conversando com a moça da banca de revistas, fiquei sabendo das tantas pessoas que reclamam de problemas com os serviços do homem. Uma senhora fez um escarcéu, exigiu sua cadeira e o dinheiro de volta, pois já havia passado dois meses e ele nada de entregar o serviço. Uma simples cadeira de escritório. Outro rapaz cobrava um cheque sem fundos que ele emitiu em pagamento por umas panelas, e por aí vai.

O camarada estava lotado de trabalho. Seu senhorio, que havia dado um desconto no aluguel até ele firmar freguesia, estava pedido a loja por falta de pagamento. Ele agora fica com as portas da loja abaixadas e não responde quando batemos. Dá raiva ver que as pessoas não são honestas, que eu na minha boa fé paguei o infeliz, mesmo recebendo os sofás estragados e com modelo errado.

Mas nada como um dia após o outro, ontem fiquei sabendo por minha filha – e ela estava rachando o bico de tanto rir, como diria um amigo - que este mesmo rapaz vinha andando pela minha rua, para dar um orçamento à uma vizinha, quando inadvertidamente deu uma boa escorregada em um cocô mole de cachorro que estava no passeio. De quem era o cachorro produtor da obra? Minha! Ela fez o cocô um pouco antes de ele passar todo, todo, olhando para cima. Ao perceber que tinha patinado na bosta, saiu limpando a sola no matinho da beira do passeio, obviamente não adiantando muita coisa.

Mais ainda ela ria ao contar que quando percebeu que o fulano estava indo para a sua casa, a colega que lhe fazia companhia a passear com os cachorrinhos, teve que correr mais que o vento, para chegar em casa antes do rapaz e conseguir colocar jornais estrategicamente para tentar evitar a sujeirada por todo o carpete de sua mãe.

Sei que é muito feio fazer fofocas, posso ir para o umbral por isso, mesmo assim se depender de mim para espalhar a má fama, aqui eles não arrumam mais fregueses e nem fazem mais serviços porcos. Mais um pecadinho: lá no fundinho espero que ele continue andando sem olhar para onde pisa, pois tem muito cachorrinho fazendo cocô pelas ruas para onde quer que ele vá.