Nossa transformação

Há dois anos atrás conheci um rapaz. Ele era doce, inteligente e sagaz. Tinha vinte anos de idade. Altura mediana, cabelos crespos e pele negra. Conversava com ele sem segredos. A cada dia ele me impressionava com sua capacidade intelectual, mas muito paradoxal. Falávamos de arte, política, economia e tudo mais. Outras vezes pra relaxar tomávamos chá e riamos dos programas de TV. No fundo competíamos sem saber. Eu fazia questão de discordar de suas idéias numa verdadeira “quebra de braços” intelectual. Eu sempre tinha razão e ele mais razão do que eu.

Suas idéias eram inalteráveis. Quanto mais o questionava, mais reforçava suas opiniões. Era duro nas suas argumentações. Não queria ser convencido, mas queria convencer. Os que não seguiam seu raciocínio seguiam a ilusão. Tudo era claro em sua mente, pois sua mente nunca mente.

Se as verdades empíricas são difíceis de alcançar, imagine conversar sobre coisas metafísicas. Como eu gostava de religião sempre caíamos nessa discussão. Ele era séptico, não acreditava, como ele dizia, em superstição. Eu dizia sempre que também não acreditava, mas que mudei de opinião, porque sei que há tanto além da razão. Ele me desvalorizava, e afirmava:

- Você, tão inteligente, acreditando nessas baboseiras.

Eu nem dava bola, e a discussão se estendia entre sarcasmos, palavras ásperas e vaidade. Não dialogávamos, pelo contrário insistíamos no monólogo. Em nenhum lugar chegávamos. Para mim ele era prepotente, para ele eu era inocente.

Um dia a mãe desse meu amigo contraiu um câncer, um desses raros. Ele ficou desesperado. Seu ímpeto não era mais o mesmo. Seus diálogos passaram a ser cada vez mais raros. Ele chorava sempre que conversávamos. Agora sem conversas intelectuais. Suas palavras não vinham mais da razão, mas sim do coração. Ele surpreendentemente ouvia mais. Ele precisava ouvir. Ouvir uma palavra de conforto. Ele precisava agora ouvir mentiras, mentiras que para ele eram verdades. Ele precisava acreditar que eram verdades.

Cada dia que passava o câncer consumia ainda mais o corpo de sua mãe. Ele não acreditava que aquela mulher um dia forte, saudável, amável e amada agora estava naquela situação, sofrendo. Sua razão dizia: Acabou! Mas seu coração que era cada vez mais ouvido dizia: Há esperança! Aquele ser racional percebia cada vez mais a fraqueza da razão.

Um dia, quando sua mãe já estava no fim, meu amigo veio a mim:

- Leandro minha mãe está morrendo! - Ele disse em prantos.

- Acredita no poder da oração? - Perguntei.

Antes ele diria que era uma tolice, uma simples crendice. Mas agora depois de uma pausa ele disse:

- já estou orando há dois meses.

As lágrimas agora corriam dos meus olhos. Nos abraçamos e ficamos assim por mais de dez minutos. E ali percebemos como perdemos tempo naquelas discussões sem fim. Agora o silêncio era nosso diálogo. Através do silêncio nos entendíamos. O diálogo agora era sutil, vinha de outro lugar. Era divino!

A vaidade foi por terra. Não existia competição. Havia entrega. Ele queria ser consolado, e eu queria consolá-lo. Éramos um só!

A partir daquele dia a religiosidade do meu amigo se intensificou. A razão deu espaço à fé.

Até que um dia sua mãe se foi. Ele me encontrou, triste é claro, mas resignado, e me disse com a voz suave:

- Amigo, às orações não salvaram a minha mãe, mas despertaram a minha vida.

- Entendo! – respondi com um ar curioso.

- As orações me fizeram ver a vida de outra forma, me fizeram ser mais humilde, tolerante, amável... – E silenciou.

- Que bom, amigo! – Respondi com os olhos marejados.

- Eu era duro, frio, insensível... Agora a vida é mais leve. Vejo Deus nas coisas mais singelas. Percebi que há muito mais além da razão. Somos uma parte do todo que é Deus. E apenas o todo entende a parte, jamais o contrário é possível.

E foi assim que aconteceu uma linda transformação, como a lagarta que se transforma em uma esplendorosa borboleta.

Leandro Moreira

23/08/2008