Alternando o Alternativo

Alternando o Alternativo

- Rapaz, de terno, numa hora dessas!

- Calma lá Denise! Não uso terno porque gosto. Apesar de achar que os homens ficam mais bonitos, elegantes e charmosos dentro de ternos, estou usando esse para agradar a um outro homem: ao meu chefe.

- Puxa, mas ele não alivia nem nesse calor? Ah... Você gosta! Pô cara olhe ao seu redor, preste atenção às tendências. Não digo nesse horário, afinal estão todos trabalhando, muitos uniformizados, mas preste atenção ao que estão usando. Atente para o comportamento geral. Você deveria ser mais alternativo!

“Você deveria ser mais alternativo!”. Puxa, essa frase marcou. Marcou o final da conversa e marcou minha mente durante o restante daquele dia e dos próximos dias que faltavam para o final da semana. Foi uma chamada de atenção disparada por uma bela mulher, na verdade uma amiga de quem eu gostaria de “chamar a atenção”. Uma mulher linda, despojada e do tipo dona-do-próprio-nariz. Branca, cabelos ruivos – ajudados por um corante artificial é verdade, mas... lindos –, estatura mediana, corpo bem torneado, pele cuidadíssima. Espontaneamente graciosa. Ficava linda naquela calça preta rodeada de correntes prateadas, apertada e justa às suas já decantadas pernas. Seu rosto branco também ressaltava no confronto com a blusa negra que fazia apologia a uma Banda de Heavy Metal. Pois é, que homem não gostaria de chamar a atenção de uma garota assim? - Calma, eu sei que há um monte por aí. E eu passei o tempo inteiro matutando aquela frase: “Você deveria ser mais alternativo!” Realmente eu deveria. Minha consciência concordou imediatamente. Entretanto, minha convicção e meu desejo não encontraram facilidades diante das dúvidas que se seguiram: O que seria ser alternativo? Onde encontrar exemplos que pudessem dirimir minhas dúvidas? Já sei, pensei eu com meus botões, procurarei por um lugar onde se possa tropeçar em pessoas com características alternativas. A Lapa!! Isso, Sábado à noite visitarei algum recanto da Lapa atrás de exemplos de como ser alternativo.

O Sábado finalmente chegara. Claro, logo pela manhã a ausência do terno se fez sentir. Mas ainda assim eu não me sentia diferente. Não me sentia trajando ou, sei lá, usando algo que me fizesse parecer alternativo ao modo comum de vestir e ser. Fui lavar meu carro usando uma bermuda, um chinelo e uma camisa... O que de diferente havia em mim? Nada, eu me respondia a cada instante. Passei então pela manhã e pela tarde daquele Sábado pensando não na noite daquele Sábado, mas sim na minha futura incursão no mundo dos alternativos. Pessoas diferentes, que se julgam diferentes e, principalmente, que atraem pessoas que se julgam diferentes – a lembrança daquelas pernas brancas passou como um raio, mas não tão rápido assim que não tivesse tempo de arrancar de minha boca um sorriso de coiote que se prepara para jantar seu papaléguas. A noite finalmente chegara.

Atravessei a ponte Rio-Niterói e, minutos depois, estava adentrando ao ambiente da Lapa, com suas diversas luzes e sons. Sim, lugar mais alternativo do que a Lapa no Rio de Janeiro eu não conheço. Após estacionar o carro, durante os primeiros passos de minha caminhada investigativa pude perceber o que me fazia pensar assim. Muitos “estabelecimentos culturais” da Lapa florescem de portas onde antes funcionavam garagens – ou ao menos de lugares que foram construídos para este fim. E é impressionante! Levo quatro passos para atravessar a porta de uma garagem, digo, de um “bar-com-música-ao vivo” De lá um clone de Leila Pinheiro badalava em alto volume suas cordas vocais cantando o melhor da MPB. Quatro passos depois comecei a passar em frente a uma outra garagem – puxa, eu sempre esqueço – passar em frente a um outro “bar-com-música-ao vivo”, de onde, feito a voz de um trovão, saia o mais enfurecido dos funks já executado – aliás, se parecendo em muito com o fundo musical de meu último pesadelo. Uma beleza! O engraçado é que diante dos dois estabelecimentos você não consegue discernir o que está ouvindo. Todavia, ao entrar em um deles o som do outro imediatamente desaparece. Coisas da física... Mas eu tinha de deixar minhas divagações de lado, eu precisava encontrar o meu público-alvo: os alternativos. Continuei minha peregrinação.

“Fundição Progresso”, dizia o letreiro. Êpa! Um cara em plena noite carioca usando uma camiseta branca com dizeres em inglês, calça em xadrez e sandálias havaianas! Só pode ser um alternativo! Comecei então a seguir o rapaz – de certa distância, é verdade, não queria que ele me confundisse com um outro tipo de alternativo – mas ao segui-lo percebi que o mesmo fora direto para a Fundição Progresso. Eu estava certo! Pronto, eu achara o que saí para procurar: um ser que vive de maneira alternativa à sociedade e suas regras de transformação de seres humanos em produtos de massa – odeio ser tratado assim! Ah, vale ressaltar a minha alegria. Afinal de contas, além de me informar sobre os alternativos, ainda assistiria a um show da banda Interpol – sim, eu nunca ouvira falar dessa banda, o que acendia ainda mais o clima alternativo da noite. Puxa... Que noite! Enfim, consegui adquirir meu ingresso e fui correndo para não perder o rapaz de vista.

- Pô brother, desculpa aí. Tô vazando..., Disse-me um rapaz que saia apressado.

- Não por isso. Respondi educadamente, logo após me refazer do encontrão que tive com um rapaz que saia apressado do local, trajando uma camiseta branca com dizeres em inglês, calça em xadrez e sandálias havaianas. Minha nossa! O que houve, o rapaz que eu seguia já estava indo embora?! Nada disso, era um outro jovem que, bem... sei lá, devia ser um outro alternativo.

Que coincidência! Eu procurando por um cara alternativo e, numa mesma noite, encontro logo com dois. A noite estava mesmo prometendo, tudo dava certo. Finalmente eu adentrei ao interior da casa de shows. Fiquei ali, onde o público aguardava pela entrada da banda, como é mesmo o nome... Interpol, isso, esse era o nome.

Estranho... Minha vista começou a se acostumar com a escuridão, mas mesmo assim eu parecia enxergar mal. As imagens se multiplicavam. Eu via não um jovem vestindo camiseta branca com dizeres em inglês, calça em xadrez e sandálias havaianas, mas sim uns cinco jovens bem ali, do meu lado, trajando a mesmíssima roupa. Estou ficando velho, pensei. Mas uma esfregadinha nos olhos... Pronto! Agora enxergarei melhor. Realmente. Eu não via mais cinco jovens ao meu redor usando camisetas brancas com dizeres em inglês, calça em xadrez e sandálias havaianas, eu estava rodeado por uns vinte cinco jovens trajando camisetas... Ah, que saco! Fiquei aturdido e meu mundo entrou num silêncio intrínseco e inenarrável, que me tirava daquela realidade e me fazia enxergar o mundo através do pensamento e não de minhas retinas já gastas de tanta esfregação. Nem percebi que um dos jovens se aproximara e parecia estar me dizendo alguma coisa. Além do traje, percebi que ele usava um cavanhaque ralo e um brinco em argola de fazer inveja ao Capitão Jack Sparrow.

- E aí brother, que dar um tapa? Disse o rapaz apontando na direção de minha boca um cigarro fedorento e sem filtro, que mais parecia com um baseado de maconha. Puxa!! O cara estava mesmo me oferecendo um baseado de maconha! Aliás, se existe fumante passivo, eu sou um “chincheiro” passivo. De nada adiantara a quantidade absurda que eu usara de perfume naquela noite, o aroma era estonteante e o mundo estranho ficou ainda mais estranho. Ah, acho que assim é o mundo alternativo. Mas, o que aqueles caras tinham de alternativos, todos usavam a mesma camisa, a mesma calça e as mesmas sandálias? Sem contar os adereços. Minha cabeça começou a rodear.

- Não obrigado. Respondi com a voz, mas o gesto de minha cabeça rodando deve ter feito o rapaz entender que eu não aceitaria dar um tapa naquilo que ele carregava na mão. Ao menos quando o som de minha voz deixou minha boca os ouvidos do rapaz e suas argolas já estavam distantes.

Fui num passo cambaleante encostar-me num outro canto do recinto. Puxa, que coisa engraçada! Eu parecia fazer parte de um filminho de terror classe “D”, do tipo Ed Wood. Mas a escuridão era tanta que de onde eu estava já não via mais aquele bando de extraterrestres vestidos de camisa branca com dizeres em inglês, calça em xadrez e sandálias havaianas. Foi então que percebi ao meu redor algo familiar, algo que me lembrava coisa boa, boas sensações. Denise! Gritei enquanto meu braço lançava com força minha mão nas costas da jovem que estava à minha frente. Camisa preta, calça de couro preta com correntes prateadas entrelaçadas e um belo de um coturno negro e surrado: Denise, minha adorável e desejada amiga.

- Qual é brother, que papo é esse de Denise? Sai fora “mermão”!

Não fossem os três piercing agarrados ao beiço pintado por um batom de roxo-forro-de-caixão e um outro que atravessava a orelha esquerda quase escondida pelo cabelo ruivo, eu insistiria com aquela criatura na certeza de que seu nome era mesmo Denise, melhor, na certeza de que ela era a própria. Mas não era. A menina se afastou de mim ainda balbuciando alguns impropérios, dirigindo-se ao seu grupo de oito ou nove amigas que assistiam a tudo, com um sorriso atrapalhado pelo mastigar de um chiclete, enquanto que o outro canto da boca tratava de engolir através de um pequeno canudo doses paulatinas de Caipirinha. Claro, ali não havia ninguém de camiseta branca com dizeres em inglês, calça em xadrez e sandálias havaianas. Mas havia sim, um bando ainda maior – esfreguei novamente meus olhos e pude ver melhor –havia sim um bando de umas vinte meninas usando piercings diversos, agarrados em seus beiços pintados com batom roxo-forro-de-caixão, que emolduravam rostos extremamente brancos, adornados por belos cabelos ruivos. Não eram lindas Denises? Claro que eram! Puxa, isso é que é ser “alternativo”?

Desisti de minha pesquisa e disparei em direção a saída. Sim, antes de sair encontrei em rápidos repentes com os alternativos que estavam de bermudas estampadas até os joelhos, camisetas regata, braços modulados por pesados halteres e bonés com motivos diversos, digo, de times de basquete norte-americanos diversos. Claro, deparei-me também no caminho os jovens que se trajavam todos de negro, dos pés às cabeças. Alguns usavam belos anéis, e piercings em diferentes partes do rosto. Um detalhe me chamou a atenção: Todos tinham cabelos lisos – apesar de que alguns eram de origem africana, outros européia, havendo até alguns nipônicos, mas todos possuíam cabelos extremamente lisos e jogados por sobre o rosto, escondendo assim belos e alternativos olhares. Apressei meus passos. Para minha sorte as coisas clarearam na saída. Não, não foi a iluminação que melhorara, não foi isso. É que me deparei com umas quinze meninas, toda louras, com batons vermelhos, sorrisos radiantes, usando saias curtíssimas em jeans e blusas brancas despejando aos olhos dos curiosos fartos e belos seios que saltitavam ao som da Banda Interpol que começava o seu show, fazendo saltarem juntas inúmeras borboletas tatuadas logo acima dos objetos do desejo alheio. Puxa... Nem sei que tipo de música eles tocavam.

Ufa! Finalmente eu ganhei a rua. Agora minha intenção era meu carro para poder disparar em direção à minha casa. Ah Denise... essa você ficará me devendo. Que alternativo o que! Vou continuar sendo o que sempre fui: um cara normal, igual a todo mundo. Assim eu me sinto bem e, diferente. Quanto ao desejo de ser alternativo, este mudou. Agora tento “entender” o que é ser alternativo. Não está nada fácil, viu? Quer um exemplo? Um cara, usando calça jeans, sapato de couro marrom, cinto combinando com o marrom do sapato, camisa tipo esporte fino vermelha, usada para fora da calça., nada de piercing, nada de tatuagem, nada de brincos... Um cara assim pode ser considerado um “cara alternativo”? Não?! Pois é, naquela noite eu não vi ninguém vestido como eu. Ah Denise...