Os Cacos do Vento

Eu vou contar para vocês o segredo da Leucena.

Só que para entrar no clima, é preciso que vocês saibam que o personagem coadjuvante desta história é a Lorena. A Lorena, não é assim como o nome sugere, loura e morena, ela é só morena. Tem olhos e cabelos pretos e é uma graça de pessoa, quer dizer, projeto, porque ela tem só seis anos. É um projeto de gente do qual eu cuido com muito carinho porque é minha netinha.

Ela mora em apartamento e eu moro em uma chácara. Os finais de semana ela vem passar comigo, digo comigo porque ela me segue aonde eu vou. No jardim, na horta, no curral, nas baias e até no chiqueiro ela me segue. Mas ela gosta mesmo é das plantas. Nunca a vi beijando filhotes. Está sempre fazendo perguntas e plantando algo.

Nas últimas semanas ela sempre aparece com umas sementes desconhecidas e semelhantes à linhaça, muito usada na cozinha da vovó, só que bem maiores. Plantou-as em um canto da horta e sempre que chega pergunta:

– Vovô, nasceram?

– Não, querida, não nasceram. Não fique triste...

– Ah, Vovô, não tem problema. Eu planto outra vez. Olhe, eu trouxe outras sementes.

A história se repetiu por quatro vezes. Na quinta vez estava chovendo e o jeito foi ficar dentro de casa e brincar com os outros meninos, primos, vizinhos e filhos do caseiro.

Chuva na roça, é muito bom para as plantas, mas as crianças não ficam felizes. Na adaptação vamos todos à cozinha. Cozinha de vó é sempre uma alegria. Café, chá, leite sem soda-cáustica, mas com queimadinha de açúcar e mel. Pamonha, broa de milho, queijo do dia, tapioca, pudim...

Depois os grupos se formando naturalmente. Os adultos na TV, os maiores no dominó e os menores na “cozinhadinha” no fogão de lenha que havia assado a broa.

A mãe da Lorena, petista convicta, fazia um discurso diante das imagens da TV, onde rolavam as paredes de uma casa semi-pronta derrubada pelos tratores do governo. Entre o drama da necessidade individual, a morada, e da necessidade coletiva, a preservação da área ambiental, ela optara por defender o individual.

No calor da defesa, interrompeu o discurso como que tocada por uma premonição. Em seguida ouvimos o berro da Lorena. Um estridente e reverberante não ecoou pela casa, partindo da área da cozinhadinha.

Nos atropelamos ao socorro, mas estava tudo bem, ninguém se queimara.

Uma das cozinheiras resolveu temperar o tal cozido com as sementes da Lorena, que haviam ficado em um pires sobre a mesa do café, e agora dançavam no borbulhar da água fervente.

Recuperei as sementes e na tentativa do consolo, ouvia os argumentos entre soluços:

– Mas a vovó disse que ovo cozido não nasce! – lamentou-se.

– Mas as suas semente cruas também não...

– O senhor acha que cozidas elas vão nascer, vão?! – protestou.

– De qualquer forma podemos plantá-las. – diante do olhar enfezado, completei. – Um poeta disse que se não houver folhas, valeu a intenção da semente.

– O que ele plantava? – curiosa.

– Esperança, consolo, tolerância...

– Isso dá em árvore?! – incrédula.

– Não, mas floresce nos corações.

– Floresce é mistura de flor com cresce?

– Podemos dizer que sim.

Sorriu, calçou as sandálias da paciência, aninhou-se no meu colo e esperou o fim da chuva.

Mais tarde repetiu o ritual. No cantinho da horta riscou o canteiro, recolheu as sementes hebdormidas e plantou as cozidas.

Dois dias depois, para meu espanto, todas nascidas. Transplantei-as para os copos de mudas, feitos com jornal, e com uma amostra em mãos recorri ao agrônomo da EMATER/DF.

– Não tem mistério algum – disse-me. Trata-se da Leucaena Leucocéfala. Leucena da cabeça branca. A inflorescência é semelhante a um pompom branco. Certamente foi isso que encantou sua neta.

– Mas e o paradoxo? Estou diante do feijão ovo? Quanto mais cozinha mais duro fica? Tenho que matar a semente para ela...

– Não! Uma fervura rápida não mata a semente. Apenas quebra a dormência. Assim ela germina em menor tempo. É uma leguminosa de grande utilidade. Cresce rápido, fixa o nitrogênio no solo, favorecendo as plantas vizinhas, produz madeira boa, pode entrar nas rações de todos os animais e ainda serve de quebra-vento.

Ô sábado demorado, sô!

– É mesmo, Vô?! Todas, Vô?! Serve para isso tudo, Vô?! Os ovos ficarão ainda mais amarelinhos, Vô?! O que vamos fazer com os cacos do vento? Eu trouxe mais sementes...

Eloy Fonseca
Enviado por Eloy Fonseca em 02/02/2008
Código do texto: T842982
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