História de uma paixão

Aquele amor estava destinado a ser proibido. Não havia uma proibição explícita, nunca se dissera nada àquele respeito, mas se alguém soubesse...

Tudo começara naturalmente, quase sem que percebêssemos. Eu me mudara para a pensão em fins de outubro. Ele era filho da dona. Moreno, alto, cabelos pretos e compridos, um pouco ondulados, olhar e sorriso de criança marota... Nos seus dezessete anos, dois a menos que eu, não deixava de ser realmente uma criança. Ou, pelo menos, foi o que eu pensei a princípio. Aquele cara alto e magro, a meu ver desproporcional, com seu humor meio mórbido (vivia dizendo que ia cortar os pezinhos das crianças do apartamento de cima, por fazerem barulho), que parecia ter sangue de barata por nem se importar com os gritos constantes da irmã e que vivia pregando peças em todas nós me dava a impressão de ser um perfeito chato. Ou, melhor dizendo, um zero à esquerda – com a diferença única de que existia e incomodava.

Durante as férias da universidade, porém, senti sua falta. Lá na minha casa, na minha cidade, vibrei ao saber que passara no vestibular.

Em março, voltei para sua casa. Eu era, então, a única pensionista. Pouco a pouco fui notando um detalhe eu nunca antes percebera, talvez por sermos mais estudantes no ano anterior: eu e ele nunca ficávamos um instante sozinhos. Uma vigilância surda imperava, se eu entrava na cozinha quando ele lá estava, logo entrava alguém atrás; se eu decidia assistir a um filme na TV e ele também, a família inteira tinha a mesma idéia.

Como tudo que é difícil e proibido é mais gostoso e atraente, vi meu interesse por ele crescer dia-a-dia. E podia sentir no seu jeito e no seu olhar que com ele acontecia o mesmo.

Como ele sempre tinha aula bem cedo, eu pedia para acordar-me antes de sair. Ele batia à porta do meu quarto, eu levantava, me arrumava e ia tomar café. Às vezes ele demorava um pouco mais para sair e nesses momentos podíamos conversar mais à vontade, sem “guardas” a nos vigiarem.

Num fim de semana, sua mãe viajou, sua irmã saiu com uns amigos e a prima, que fazia o serviço da casa, estava cansada e foi dormir. Ficamos sozinhos, os dois, assistindo a um filme no vídeo, um filme de terror (“que romântico”, dirá você, ironicamente; e eu lhe responderei: “e daí? Gostos são gostos”). Eu deitada num sofá, ele no outro, luz apagada. De vez em quando, ele me cutucava com o pé ou colocava as mãos ao redor do meu pescoço, tentando amedrontar-me. O máximo que conseguia era fazer-me cair na gargalhada.

Lá pelo meio do filme, ele resolveu atacar de vampiro. Eu estava distraída com o filme, quando senti a mordida, virei o rosto assustada, e ele atacou novamente – agora com um beijo que quase me deixou sem fôlego. Depois, um segundo beijo, dessa vez por iniciativa minha, e entre beijos e abraços e carinhos o filme ficou esquecido.

Mais ou menos no horário de acabar o filme, fomos cada um para o respectivo quarto, pois se eu demorasse mais a sua prima, que dormia no mesmo quarto que eu, poderia perceber. Mas antes combinamos de nos encontrar, na sexta seguinte, na boate dos estudantes.

Durante a semana, apenas alguns beijos rápidos antes de sairmos para as aulas. E a espera para que a sexta chegasse logo...

Na sexta, ele saiu com os amigos, eu com algumas colegas. O destino, é claro, era o mesmo... Na boate, não nos separamos um minuto, para surpresa de minhas amigas, que sabiam da minha anterior aversão por ele. Mas, como lhes expliquei, as coisas mudam...

E mudaram muito. Logo não nos contentávamos mais com os encontros na boate aos fins de semana e os beijos furtivos pela manhã. Nossos olhares ameaçavam trair-nos e não tínhamos mais o cuidado do início: se nos víamos a sós, nossas bocas se procuravam, nossas mãos faziam questão de percorrer o corpo um do outro... Várias vezes quase fomos pegos a beijar-nos, e não quero nem pensar no que teria acontecido se não existisse a palavra “quase”. Você pode pensar que estou exagerado, mas você não conhece aquela família.

Aquela paixão estava tomando conta de nós, acabando com o nosso sossego. Às vezes, em meio ao estudo para uma prova, eu me pegava a ler mecanicamente, sem nem saber o que lia, o pensamento voltado para ele; outras vezes, nem conseguia dormir de desejo de sentir seus lábios nos meus, seus braços ao redor do meu corpo, seus cabelos a roçarem o meu rosto... eu o queria tanto, ah, como eu o queria!

Não dava para continuar daquele jeito, ia chegar um ponto no qual não poderíamos mais esconder. Ele me propôs uma solução a seu ver simples: contarmos tudo, assumirmos aquele namoro e enfrentarmos a quem quer que se opusesse. Pelo menos aí, disse ele, poderíamos nos amar livremente. Talvez fosse uma opção sensata, não sei, mas o medo era muito grande. Enquanto eu morasse ali, mais do que amigos não poderíamos ser, oficialmente.

E foi isso que me levou a tomar a minha decisão. Quando uma amiga me convidou para morar com ela no apartamento que acabara de comprar, para dividirmos as despesas, não pensei duas vezes: no mesmo dia dei a notícia na pensão – conseguindo na mãe do meu amado uma inimiga mortal, pois para ela era uma traição eu mudar-me assim de repente (se ela soubesse!).

Arrumei minhas coisas e saí no dia seguinte. Não consegui falar com ele, pois não ficamos a sós naquele dia. Na noite que precedeu a minha partida, arrisquei-me a ir ao seu quarto enquanto todos dormiam, para falar-lhe. Ele, porém, saíra. Mudei-me, assim, sem que ele soubesse para onde, como, por que.

Mudei-me faz três dias, e não o vi desde então. Três dias sem os seus beijos, o seu calor, o seu carinho, sem aquele amor que me fazia sentir viva e feliz, que me fazia sentir verdadeiramente mulher. Mudei-me para salvar o nosso amor e acabei talvez por destruí-lo... Estou esperando a sexta chegar para encontrar-lhe, mas, tenho medo: medo de que talvez ele não queira me ouvir, de que não consiga me entender, de que diga que entre nós está tudo acabado... Medo de que não diga nada, mas me olhe sem aquela paixão, sem aquele fogo e desejo que sempre me fizeram estremecer de prazer...

Tenho medo de ter, por medo, perdido aquele cara, aquele garoto, aquele que é o meu grande amor, o homem da minha vida...

Maristela Scheuer Deves
Enviado por Maristela Scheuer Deves em 12/03/2008
Código do texto: T898062
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