O PRESENTE

O PRESENTE

Amelinha e Adilson eram casados há mais de dez anos. Ele, antes do casamento, era muito namorador, um galinha, como diziam; enquanto a Amelinha era recatada demais, frequentadora assídua da igreja, uma beata.

Conheceram-se na faculdade e namoraram durante o curso quase todo. De vez em quando saiam faíscas, por conta de qualquer olhadela do Adilson para qualquer garota que lhe cruzasse o caminho, ou que a ele dirigisse um olhar ou sorrisinho a qualquer título; até mesmo agrado de vendedoras no desempenho do seu ofício para o Didi, como lhe chamavam desde criança, do que ele gostava, pois parecia mais íntimo, principalmente de assim ser chamado pelas mulheres.

A fama que ele carregava de “galinha”, embora sempre fizesse questão de dizer para ela que era coisa do passado, interferia na relação dos dois, embora ela sempre dissesse nessas ocasiões: “pode olhar à vontade, contanto que me respeite”. Só Deus sabe quanto lhe custava dizer isso, mas não dava o braço a torcer, ao que ele sempre redarguia com o argumento de que para ele era Deus no céu e ela na Terra.

Mas, apesar do ciúme da Amelinha, eles viviam bem e felizes e o Adilson tinha que ter o maior controle para manter a linha. Ela na cama era muito inibida, limitando-se a transa ao trivial, assim como dizem papai e mamãe. Só permitia ao Didi algumas avançadas mais arrojadas de vez em quando. No fundo, tinha muito medo de que o seu Didi, para relembrar o passado, fosse procurar fazer com outras, aquilo que ela lhe negava; apesar de que, por conta disso, quase fraquejava e cedia quando ele na hora agá lhe sussurrava ao ouvido aqueles pedidos que ela não gostava nem de falar sem pedir perdão a Deus.

Ela até achava que o Adilson era sexo-maníaco, tal a sua preocupação com a performance e a necessidade constante de fazer sexo, ao que ela, para manter o seu galo no terreiro tinha que ceder. Mesmo quando não estava muito disposta tinha que cumprir, também nesse particular, a sua obrigação de esposa. Aliás, foi esse um dos conselhos que sua mãe lhe deu quando estava se aproximando a data do casamento. Por conta disso, diversas vezes teve que fingir orgasmo só para o Adilson pensar que ela estava mesmo querendo e, lógico, para ele nem sonhar em dar valor aos seus pensamentos extravagantes com outra mulher. O que contribuía para manter essa ideia era o fato de o Didi estar sempre preocupado com a imagem, em manter-se em forma. Às vezes, ela até pensava que seria melhor que ele fosse barrigudo e relaxado.

Essa preocupação em segurar o marido, algumas de suas colegas separadas provavelmente não tiveram e agora tinham que se contentar em ficar vendo novela, porque quando a mulher chega numa certa idade, deve deixar de liberar ferormônio, pois fica difícil atrair um parceiro, principalmente quando tem filhos. A única preocupação passa a ser tirar o máximo de dinheiro do ex-marido, sob a desculpa do bem-estar dos filhos, mas a finalidade principal é prejudicar a vida sexual do ex. Quando os filhos chegam em casa depois de um fim de semana com o pai começa o inquérito: “Ele foi aonde com vocês, lanchar no shopping? Ao cinema? A fulaninha foi junto? Ela ficou agradando vocês pra conquistar sua simpatia? Agora ele tem tempo pra passear com vocês, desfilar com a namorada posando de família feliz”. É isso que ela sempre ouve das colegas lá na escola no intervalo das aulas.

Certa noite, depois de uma festa em que o Adilson bebeu mais um pouquinho e por conta disso ficou mais alegre e eufórico, ofereceu à Amelinha vários tipos de licores na intenção de “preparar o terreno”, esperançoso de que naquela noite ela saísse da retranca, para que a transa fosse mais arrojada, mais ousada, e se entregasse sem pudor ao pecado da luxúria. Com o calor que começou a sentir, esteve prestes a se entregar aos devaneios do seu Didi, mas as suas convicções foram mais fortes e apesar de tudo ela resistiu e não deixou que ele finalizasse as suas intenções, mantendo, assim, incólumes a sua integridade física e preceitos religiosos. O Adilson ficou tão chateado e, depois, até envergonhado, que perdeu o tesão e dormiu. Mas a Amelinha não conseguiu mais relaxar naquela noite, dominada pelos pensamentos e com medo de perder o marido. Por três vezes esteve prestes a acordá-lo no intuito de satisfazê-lo. Talvez mais valesse a pena agradar ao marido do que ao santo, afinal ele nem precisava saber, não contaria ao Padre, seu interlocutor, seria um segredo entre o casal. Talvez ele nem se lembrasse, pensasse que foi um sonho. Até hoje não sabe se felizmente ou infelizmente o Didi não acordou, dormia como uma pedra.

Então, ela teve uma ideia. O Adilson iria fazer aniversário e ela daria um presente inusitado para ele. Ela tem uma amiga que é professora como ela, leciona na mesma escola, a Mara. A Mara também é casada, mas é completamente liberal, totalmente diferente dela no quesito sexo, apesar de ir à missa todos os domingos. Ela pensou em combinar com a Mara, já que eram muito amigas, um presente inesperado para o Adilson: um dia de amor com outra mulher para que ele satisfizesse todas as suas taras e na Mara ela depositava total confiança, apesar de saber que a amiga já dera umas escapadelas fora do casamento, pois ela mesmo tinha lhe contado, alegando que fez para se vingar do marido que, segundo ela, era meio safado e merecia isso. Até com a própria Amelinha, ela lembrou-se, ele, o marido da Mara, se fez de engraçadinho: numa festa no colégio, ele a convidou para dançar e sua a mão boba estava ousada demais e, por isso, ela teve que largá-lo no salão. Agora teria a oportunidade de se vingar, iria matar dois coelhos com uma cajadada só.

Amelinha, então, decidiu fazer a proposta à Mara, até porque, apesar de tudo ela tinha confiança que seria só uma vez. Mas, para não fazer o convite diretamente, perguntou se ela conhecia alguém que pudesse fazer o serviço. A amiga, que há algum tempo vinha olhando o Adilson com olhos interesseiros, principalmente pelo que a Amelinha lhe confidenciou a respeito do seu interesse sexual, logo aproveitou para dar uma floreada no que ela era capaz de fazer com um homem na cama. Coisas que a Amelinha nem imaginava fossem possíveis e dessem prazer. Jamais tentaria, preferia ficar na dúvida, apesar do excitamento que a Mara procurava transmitir pelos relatos.

Tamanho foi o interesse da Mara em se prontificar a ser o instrumento do prazer a ser oferecido ao Adilson, que a Amelinha, apesar de já ter decidido pelo inusitado presente, resolveu mudar um pouquinho o enredo, dizendo que não tinha explicado direito. Explicou que não saberia aonde enfiar a cara se ela própria propusesse que a melhor amiga tivesse relação sexual com o seu marido. Disse que queria mesmo é que a Mara arrumasse outra pessoa para ser partner do Didi, uma garota de programa, por exemplo...

- Ah! Eu estava até achando meio esquisito, você me oferecer o seu marido, assim, de mão beijada. Agora eu entendi. Amanhã mesmo eu te dou a resposta. Pode deixar comigo que eu resolvo a parada – disse a Mara.

Na manhã seguinte, afiançou à Amelinha que já estava tudo acertado. Tinha combinado com uma mulher bem bonitinha que morava lá no condomínio dela.

- Ela é separada, o casamento não deu certo, durou bem pouco. Dizem lá que parece que ela pegou o ex-marido com um homem. Agora você vê, era casada com um homossexual e nem sabia, a coitada! – comentou com ar de pena. Ela me confidenciou no outro dia, lá na piscina, que faz esse tipo de programa. Ela pode, tem um corpo espetacular. É melhor que você nem conheça, assim, é como se não tivesse acontecido. Se não for desse jeito, toda vez que encontrá-la vai se lembrar que ela foi pra cama com seu marido. Agora só depende de você dizer quando e me dar o dinheiro pra eu terminar o acordo com ela.

- Eu tinha pensado assim: - disse a Mara – Vai ser no domingo, no dia do aniversário dele, nosso aniversário, coincidentemente eu faço aniversário junto com ele.

- Tá certo. Eu combinei com a minha amiga o seguinte, foi até sugestão dela: você diz pro Adilson que eles vão se encontrar lá no shopping da Barra da Tijuca. Logo que ele entrar no shopping ela vai fingir que torceu o pé na frente dele e ele vai se oferecer para ajudá-la. É a deixa para eles se conhecerem. Ela vai dizer que se chama Marcela, é claro que o nome verdadeiro não é esse.

Assim ficou tudo acertado entre elas.

- O Adilson acordou naquele dia bem disposto. Olhou para a Amelinha dormindo ao seu lado de calcinha e camiseta e não deu outra, ficou logo excitado e agarrou a mulher por trás dando beijinhos no cangote.

- Amor, é nosso aniversário, vamos comemorar como eu gosto?

Para seu desespero, a Amelinha disse que estava no segundo dia da menstruação e não daria para fazer.

- Olha, meu amor, você também não gosta de fazer sexo quando eu estou desse jeito... Eu te amo muito, e sei que você me ama também, ambos nos respeitamos. Por isso, o nosso casamento perdura até hoje ao contrário da maioria de minhas amigas. Às vezes eu fico com pena de você, quando a gente está fazendo amor e eu não consigo fazer do jeito que você quer. Confesso que algumas vezes até fiquei com vontade de ceder, com receio de você ficar magoado. Mas eu não posso, não consigo, acho sujo, sei lá... - ficou calada por uns momentos fazendo suspense. Então, como você é o meu maridinho queridinho e hoje é o dia do seu aniversário; eu, sabendo que iria estar nessa situação, resolvi dar pra você um presente inusitado. Espero que você goste. Eu só vou fazer isso porque eu te amo muito e não queria te deixar em falta justamente hoje.

- Não vai dizer que vai deixar eu entrar pela porta dos fundos!!

- Nada disso, seu bobinho. Você sabe que eu não consigo. O meu presente pra você, hoje, é passar o domingo com uma mulher que vai fazer tudo o que você quiser, ou que você conquistar, sei lá. Mas veja bem, é só hoje, que nem a gata borralheira. Quem sabe, se você gostar do presente e se comportar direitinho, eu institua isso como um presente de todos os anos.

- Eu não estou acreditando nisso. Deve ser uma brincadeira. Minha própria mulher dizendo pra eu me encontrar com outra, ou melhor, trepar com outra autorizado por ela! É isso mesmo? – perguntou o espantado Adilson.

- Exatamente, meu amorzinho. Mas é só hoje. Depois é aqui comigo.

E deu os detalhes do encontro para o ainda incrédulo Adilson:

- Vai ser assim: Eu combinei com uma garota de programa pra vocês se encontrarem lá no shopping da Barra da Tijuca por volta das dez horas. Quando você entrar no shopping, ela vai te reconhecer porque eu disse pra ela a roupa que você vai usar. Ela vai fingir que torceu o pé na sua frente, e você logo se prontifica a ajudá-la. Depois é com vocês. Ainda me lembro muito bem que você sabe, e não deve ter esquecido, como o resto acontece. Ah! O nome dela é Marcela. Só te peço uma coisa: eu, obviamente, não quero saber de nada. Não quero nem saber como é que foi. Por favor, não me conte nada, faz de conta que eu nem sei. Não toque no assunto comigo. Vamos fingir que você foi ao Maracanã, senão eu vou morrer de ciúmes e vou acabar me arrependendo. Eu, às vezes, fico até pensando em desistir. A roupa que você usar eu vou mandar pra lavanderia pra apagar os vestígios dela. Quando você chegar em casa, vai direto pro banho e a cueca eu vou jogar no lixo. Combinado? Mais uma coisa: aqui tem dois envelopes de camisinha. Não deixe de usá-las pelo amor de Deus.

- Não. Eu não vou – disse o Adilson muito desconfiado.

- Ué! Não vai por quê? Eu quero que você vá, meu amor, juro...

- Você tem certeza disso?

- Claro! Já está tudo combinado. Sem traumas.

- Então eu vou hein! Depois não vai dizer que eu te traí.

- Pode ficar sossegado meu amorzinho, eu já me convenci, numa boa.

O Adilson estava era fazendo charminho. Não era louco de deixar escapar uma oportunidade dessas. Tomou um banho e, malandro, pediu à Amelinha para pegar a roupa que ele tinha que vestir e logo saiu. Parecia mentira, mas já estava aceitando que era real e partiu rápido para Barra da Tijuca. Estava até meio nervoso, com medo de ter perdido a prática e torcendo para que a garota fosse bonita, com peitinhos pequenos e a bundinha durinha, do jeito que a Amelinha era nos velhos tempos. Era melhor não pensar na Amelinha nessa altura do campeonato. Já estava ficando ansioso. Deu azar porque pegou um baita engarrafamento por causa de um acidente no túnel. Já estava ficando nervoso com receio que a garota pensasse que ele não iria e fosse embora. “Caraca, que azar! Não posso perder uma chance dessas... Comer uma garota gostosa assim, sem nenhum esforço, sem nenhuma preocupação. Ela vai esperar, claro, porque a Amelinha já deve ter pago” – Pensou.

Chegou quase quarenta minutos depois das dez. Andou o shopping todo, duas vezes e ninguém torceu o pé na frente dele. Desejou que fosse uma morena do jeito que ele gosta que caminhava na frente dele. Depois, uma loura que atiçou a sua imaginação. Andou atrás dela uns quinze minutos. Ele a despiu com os olhos. Ela ficou andando nuazinha na frente dele mas ela saiu do shopping ilesa e as roupas voltaram a cobrir o corpo dela. Ainda teve uma que ele imaginou que fosse a Marcela porque ficou olhando para ele, mas ela passou direto, não era ela. Uma outra se abaixou para amarrar o cadarço do tênis e o Adilson, ansioso, partiu para cima:

- Marcela?

- Não, Cleusa.

- Desculpe-me, te confundi com ela.

- Não tem problema.

Ainda bem! Feia que dói – ele pensou.

Já eram onze e meia e ele desistiu. Maldito engarrafamento... ela deve ter pensado que eu não viria e foi embora. Ou será que foi mesmo uma brincadeira da Amelinha? Vai ver que ela está preparando uma surpresa pra mim em casa e bolou isso tudo pra me tirar de lá – ficou pensando o Adilson.

Para pensar melhor no que fazer, se voltava para casa ou dava mais uma volta no shopping à procura da, nessa altura, desejada Marcela, ele foi tomar um chope na área de alimentação. Por cima do copo, no primeiro gole ele viu aproximando-se dele, uma amiga da Amelinha, uma professora lá da escola, bem gostosa por sinal, a tal de Mara.

- Olá! Como vai? Você por aqui!? Cadê a Amelinha?

- Ela não veio. Não está se sentindo muito bem hoje – ele disse com um sorriso sem graça, como se tivesse sido pego vadiando. Hoje é dia do meu aniversário e eu vim aqui pegar uma encomenda, o presente que ela me deu, mas eu cheguei atrasa... quero dizer, não chegou.

- Teu aniversário? Não diga! Nascemos no mesmo dia. Não é interessante? Não vamos nos dar um abraço?

Então, eles se abraçaram. Ele só não esperava que fosse um abraço tão caloroso. Ela colou tanto o corpo no dele que ele sentiu todas as suas curvas e o seu calor. Ele aproveitou o motivo para dar mais valor ao abraço e ficou tão aconchegante que durou mais um pouquinho que uma simples felicitação. Quando eles se soltaram, os olhos dela ficaram e a boca estava pedindo alguma coisa...

Depois do embaraço momentâneo pela situação inesperada, ela falou:

- Eu também vim aqui atrás do meu presente, mas ainda não tinha encontrado nada que me agradasse. Eu briguei com meu marido justamente hoje. Eu acordei louca de vontade de festejar, você sabe, não é? Daquele jeito... Mas ele levantou da cama correndo, disse que tinha marcado um futebol com os amigos e que já estava atrasado. Nem se lembrou que era meu aniversário. Aí, eu disse pra ele que ia sair sozinha pra me divertir, porque hoje é o meu dia. Comprei essa bolsa com o dinheiro que uma amiga me deu de presente e como eu gosto muito da Amelinha, ela é minha melhor amiga, eu comprei uma do mesmo modelo, mas de cor diferente, pra dar pra ela. Já que você está aqui pode até levar pra ela. Diga que foi você quem comprou, se quiser. Posso tomar um chope contigo?

- Claro, será um prazer, vamos comemorar o nosso aniversário então - ele disse já desencabulado.

- Comemorar onde? Hoje eu estou querendo fazer algo diferente - com ar de cobra mirando a presa.

- Eu também pensei que ia fazer uma comemoração diferente, mas não deu certo.

- Não deu certo?

- É – pigarreou. Eu e a Amelinha íamos para um motel, mas como ela amanheceu indisposta...

- E se eu for no lugar dela? - Ela perguntou com o peito acelerado - Também é o meu aniversário.

- E se a Amelinha descobrir que nós dois...

- Ela não vai saber se você não contar.

- Então vamos.

Tomou o resto do chope de um gole só e saiu apressado, arrastando a Mara pela mão. Ambos eufóricos para celebrar da melhor maneira os respectivos aniversários, e aproveitar os seus presente.