ODE À VIDA

Acostumado às pelejas da vida, Armando conseguiu amealhar fortuna e vivia bem com os dois filhos transformados em seus sócios e a esposa, a quem creditava boa contribuição pelo seu sucesso.

Tudo corria bem, até que um motorista bêbado lhe tira a companheira, com morte súbita por atropelamento.

Ano e meio depois desta tragédia, cabisbaixo, sentido que a vida não mais era importante, foi ao médico, queixando-se de certa má digestão, com uma dor pequena, surgindo após o almoço. Não tinha o hábito de jantar, tomava só um lanche e ao deitar comia uma fruta.

Após exames cuidadosos estoura a notícia: estava com câncer de fígado, com ramificações para o pâncreas e os intestinos. Previsão de mais um a três meses de vida. Via-se em seus olhos um conformismo estranho, dando a quem o conhecia uma nítida percepção: morria por falta da esposa.

Pensativo, decide dez dias após o diagnóstico, não fazer nenhum tratamento. Reuniu os filhos, propôs a eles a venda de sua parte no capital da empresa, levando só a metade do valor da venda, deixando ações para os três netos, crianças ainda.

Seu intento era ir para Veneza, conviver com parentes do pai, conhecidos há alguns anos e admirando-os. Vinhateiros, inspirou-se neles para usar seu pouco tempo de vida a gozar de um bom vinho, pois nunca bebera, ou tivera outros vícios.

Parte em uma semana, levando os exames e uma mala de roupas, onde os pijamas ocupavam o maior espaço. Tinha tudo traçado: contrataria uma governanta, se possível com formação mínima em enfermagem e iria visitar os parentes, enquanto pudesse, reservando uma boa parte de seu dinheiro, agora convertido em liras, para investir nas vinhas e quem sabe numa ampliação da pequena fábrica de vinhos.

Como preparação para viver intensamente o final de vida, aprende com uma amiga da prima a dança da tarantela. Mesmo quando em casa, colocava um disco a tocar e dançava, sorvendo-se de pequenos goles de vinho delicioso. A professora, como as uvas, foi tornando-se seu cacho, a princípio por piedade, descobrindo a seguir como Armando era magnânimo.

Em poucos dias como venita, percebeu o fim das dores. Propôs casamento à professora, mais com o intuito de deixar-lhe a sua parte nos negócios, causando-lhe além do prazer, enquanto a empresa ia de vento em popa.

Encurtando o conto, fazem 15 anos que deveria ter sido alimento de vermes, mas o renascer para a vida e o uso da boa uva o curaram, a tal ponto de relatar no último encontro nosso, ter confessado à falecida na Igreja onde casaram, a sua felicidade, mas não podia deixar de lhe desabafar, que a vida de ambos fora muito parada, faltava aquele tempero, exigida pela vida a dois . Contou ter saído da Igreja com a sensação de ouvir: "Eu entendo, endosso e me alegro em lhe ver feliz!".

Seu câncer desaparecera, usando um remédio milagroso que costumamos esquecer: a vida intensa, bem vivida!

(Baseado na vida real do amigo Armando - Quanta saudade!)

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Márcio Funghi de Salles Barbosa

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