SINA - Outra história de mulheres

Saiu de casa às pressas não queria se atrasar para o encontro. Por cima do ombro viu que a mãe ‘inda a seguia com o olhar, teve um pouco de remorsos, mas foi um lampejo rápido que ela espantou com a esperança, de um dia de aventura. Tinha na mochila o lanche e uns trocados que davam pra comprar um guaraná na venda, perto da escola.

Verinha já devia tá esperando, pensou; a amiga, criada pela vó, era sempre a primeira a chegar aos compromissos... Também pudera, vivia como um passarinho, presa numa gaiola, só saia de casa para ir à escola e a missa aos domingos. A vó não deixava ela ter amizades, principalmente com meninos.

Lenita a conhecera no primeiro dia de aula, chegara atrasada e o único lugar para sentar era ao lado da menina sardenta e magricela, no fundo da sala. A princípio Lenita não gostara dela, parecia está sempre com cara de choro exatamente o seu oposto que ria de tudo e de todos. Até mesmo, D. Dirce, a professora, ganhara o apelido de “Cabide Ambulante”, isto porque a coitada não tinha peito nem bunda. E ela ria do pavor que Verinha, tinha só de pensar, que D. Dirce poderia descobrir, e sorriu mais ainda, imaginando a cara da professora... Na verdade, Lenita, andava cheia das aulas monótonas que era obrigada a assistir e vivia bolando um esquema para fugir, um dia que fosse, daquele suplicio.

Aí, Verinha apareceu, com umas pedrinhas bem lizinhas e brancas para jogarem academia, (amarelinha). Ela perguntou como a menina conseguira e Verinha contou que na beira do rio, perto de sua casa. Bom, o motivo e o lugar para uma boa gazeta...

Como imaginara, Verinha já estava esperando e foi logo dizendo: - Lenita, não é melhor a gente deixar esta história pra lá, se minha vó descobrir, nem sei do quê é capaz de fazer comigo. - Deixa de ser covarde, como ela vai saber, só se você contar. Anda vem logo, minha mãe colocou umas coisas gostosas pro lanche, ela acha que vai ter um passeio na escola. – Não sei como você consegue mentir, eu fico logo vermelha e minha vó percebe. – é que você tem cara de sonsa, não olha nos olhos, aí ,mesmo quando fala a verdade a gente não acredita. Mas vamos logo que não quero encontrar ninguém conhecido. – E se foram apressadas, sorrindo cúmplices da travessura que estavam prestes a fazer.

Entraram por ruas estreitas de casas feias e sujas com meninos de olhos amarelados, pela remela, brincando nas calçadas. Mas, elas nem percebiam tomadas pela excitação transgressora de adolescentes. Aos poucos as casas foram desaparecendo, para dar lugar a pequenos sítios à beira da estrada de barro batido.

- Você mora longe Verinha. Ainda demora? – perguntou Lenita, já entediada da caminhada. – Tamos chegando, é logo ali. Tá vendo aquele morrinho? O riacho fica do outro lado e minha casa fica bem pertinho. – A outra deu de ombros e apressou o passo apertando a mão da amiga para que fizesse o mesmo.

Finalmente chegaram, mas Lenita ficou decepcionada, o tal riacho não passava de um fio de água margeado por pedras cinzentas que tentavam inutilmente, aprisionar o regato que corria em direção a mata, ali perto.

Tiraram os sapatos e meias e se deleitaram molhando os pés e experimentando um friozinho gostoso. Sentaram e ficaram por algum tempo ouvindo os pássaros que estavam em festa... Viram algumas piabas deslizando na agua e resolveram jogar miolo do pão que haviam trazido para o lanche, se divertiram por um tempo vendo-as abocanhá-los. Mas, logo Lenita reclamou: – Puxa que passeio mais bobo, nem sei se valeu a pena essa caminhada. – Verinha olhou pra ela, amuada. – Eu só falei do riacho você é que quis vir. – Lenita sorriu sem graça. – É mesmo, mas é meio chato, não é? – Eu não acho. Falou com cara de zanga pra amiga, mas Lenita não se deu por vencida. – Bem se estamos perto de sua casa vamos pra lá então. – Não sei, minha vó pode não gostar... E depois que eu vou dizer? Ela vai querer saber por que não estou na escola. - Deixa comigo eu falo que professora saiu mais cedo. - Falou Lenita, levantando-se animada. Verinha ainda relutou, mas acabou aceitando a idéia da amiga, não sem um pouco de medo.

Dona Raimunda, a avó, olhou desconfiada, mas engoliu a história que Lenita contou, apenas pediu para brincarem no quarto e que não fizessem muito barulho. Fecharam a porta e sorriram aliviadas. Lenita achou o quarto triste, mas não falou nada apenas perguntou:

- Verinha, você dorme aqui sozinha? – Humhum.- Lenita encaminhou até a cama de lençóis puxados, ao lado da parede. Olhou ao redor não tinha nada fora de lugar... Uma mesinha com um banco ao lado de uma janela que dava pro quintal, onde galinhas ciscavam, um armário antigo e uma cômoda, nada de quadros nas paredes ou fotos de artistas tão comuns nos quartos de adolescentes - Só tem vocês duas?-. Falou sentando-se na cadeia ao lado da mesa, pensando na besteira que fizera, fugindo da escola para passar um dia tão sem graça como aquele. – Só. – E Lenita entendeu que a outra não queria falar da família. Verinha foi até uma pequena cômoda e tirou uma boneca. - Quer brincar? – Lenita se conteve para não rir, Verinha era uma boba, ela tinha quase treze anos e não pensava em bonecas fazia um tempão e sugeriu vamos brincar de artista. A outra olhou intrigada, mas gostou e juntas abriram o armário onde segundo Verinha tinha uns vestidos que elas poderiam usar como as moças, que vira nas Revistas do Rádio, na casa da tia. Sem cerimônia Lenita pegou um vestido de tafetá vermelho e tirando a blusa ficando apenas de combinação enfiou o vestido fazendo pose para amiga e fingindo fumar usando um lápis de cor. Verinha achou um outro vestido, verde de veludo, bem decotado, tirou toda a roupa ficando só de calcinhas e por um instante Lenita viu pequenos seios que despontavam graciosos no corpo da amiga. Ela vestiu o vestido tirou um espelho da gaveta e Lenita não sabe de onde arranjou um batom e pintou os lábios de vermelho deixando o seu rosto ainda mais branco. Soltou as tranças, ficou linda, subiu na cama como se fora um palco e começou a cantar "Lábios de Mel" imitando a cantora, Ângela Maria. Lenita pegou um talco vazio e deu pra ela fingir de microfone e ficou olhando a amiga de um ângulo que não conhecia. Ela cantava como sentindo a música e sua voz era de anjo, nem parecia a menina tímida da sala de aula...

De repente a porta se abriu e Dona Raimunda entrou como um furacão, arrancou o vestido da menina que se encolhia escondendo os seios nas mãos. – Sua vadia você é igual a sua mãe, aquela cachorra, vagabunda. E vai acabar me matando como ela matou seu pai. Verinha chorando tentava catar as roupas enquanto a vó lhe batia sem piedade.

Assustada Lenita tirou o vestido ás pressas com medo que a velha também lhe batesse.

Dona Raimunda percebeu sua presença e começou a gritar pra ela ir embora. Lenita pegou suas coisas e se foi sem mesmo falar com a amiga.

Verinha voltou à escola alguns dias depois ainda com algumas marcas da surra que a vó lhe aplicara e contou que a mãe a deixara quando ainda era muito pequena e só há pouco tempo descobrira que a mãe fora embora pois queria ser cantora e o pai se suicidara de desgosto. Por isso a reação da vó que não gostava sequer que ela cantarolasse dentro de casa. Ela soubera da história pela tia, por parte de pai, mas que fora amiga de sua mãe. Foi ela que lhe deu as coisas que pertenceram a sua mãe os vestidos e aquela boneca que parece foi o único presente que a mãe lhe mandara depois que fora embora.

Nunca mais dera noticias e a tia desconfiava que ela não tivera sorte, por isso não as procurara, devia ter vergonha.

A partir daí ficaram muito amigas, mas só se viam na escola.

No ano seguinte Verinha não se matriculou e amiga munida de coragem foi até a casa dela para saber noticias. Dona Raimunda a tratou friamente e disse que a mandara para um orfanato. Lenita ficou triste, mas pensou qualquer lugar deveria ser melhor do que conviver com aquela bruxa.

Agora estava fazendo quinze anos e resolveu ir procurá-la para que viesse a sua festa.

Dona Raimunda não abriu a porta que ela empurrou e foi entrando apesar do medo. A velha estava sentada numa cadeira de balanço enrolada num chale preto, cabelos em desalinho num estado deplorável. Os olhos a fitavam como se não a visse – que você quer? A voz ainda era autoritária e a menina estremeceu. – Eu queria falar com Verinha. - A velha começou a gritar – Não fale este nome aqui dentro, eu não tenho neta, vá embora. - Aturdida, Lenita foi saindo assustada e quase esbarrou numa senhora que ouvira tudo e pediu desculpas pelos modos da velha. Lenira então perguntou se ela sabia alguma coisa sobre Verinha. A mulher respondeu que ela não morava mais ali, que tinha fugido do orfanato com um homem que a seduzira e a largara, agora, ela era mulher da vida, numa cidade vizinha. A mulher continuou a falar, mas Lenita não ouvia, - Coitada, a infeliz teve o mesmo destino da mãe...

- Lenita saiu dali e chorou suas primeiras lágrimas não mais de menina e sim de mulher.

Jacydenatal

01/04/2008