Bem-te-vi

Janela alta, distante de olhares atrevidos, proibia ao mundo ver o corpo de Celeste, e quem a conhecia, maldizia a altura da janela e o resto do mundo não blasfemava, apenas por não conhecer Celeste.

Gioconda, Vênus e Afrodite não ousariam, no Olimpo, consultar um deus com a célebre pergunta:-Existe um corpo mais bonito do que o meu?

Deuses não devem mentir, e Celeste seria a resposta. Seu nome revelava sua origem e seu futuro....Celeste era divina.

Não só o calor do nordeste a obrigava a deixar a janela aberta, o coro dos pássaros anunciava-lhe a aurora e quando Celeste levantava-se eles calavam-se e apenas o bem-te-vi fazia-lhe uma confissão de amor......verdade.

A princípio ela entendeu aquele trinado, como o trinado de um bem-te-vi, a repetição da confissão, na repetição dos dias, ganhou cores de atrevimento, até que aquele trinado passou a ser uma necessidade fisiológica para a musa e para o enfeitiçado.

O assédio e o encantamento hipinotizavam aquela que materializava o conceito de estética.

A namorada esperava a carta, a mulher do pescador esperava a volta do barco, o político esperava o voto, o abandonado esperava a dor passar...e celeste esperava as auroras: o sol que despertava o dia...e o trinado que despertava tudo que nela, nunca mais adormeceu.

A espera de Celeste deixou todos os seresteiros, poetas e sonhadores esperando por Celeste. A cada manhã, ela entregava-se, cada vez mais, à sedução de um amor impossível.

A razão se desfez, e o amor se instalou...Celeste amava aquele bem-te-vi, que por sua vez amava, como repetia todas as manhãs, Celeste.

Trocar de roupa pela manhã, mostrar aquele corpo, com que todos que a conheciam já haviam sonhado, tornou-se um momento de prazer: insano para ela e de obsessão para ele.

Das confissões ao convite foi apenas uma mudança de trinado: "venha voar, vamos consumar o amor....."

Da racionalidade à aceitação, foi apenas um lapso de segundo, mas para aqueles amantes foi uma eternidade, e Celeste lançou-se ao espaço....para amar.

Janela alta, cortinas e vidraças cerradas impediam que o resto do mundo olhasse para dentro do quarto. O coro dos pássaros já não cessava, enquanto a natureza não o determinasse.

Nunca mais ninguém viu o bem-te-vi espiando e trinando todas as manhãs; alguns juram que ele parou de trinar para dedicar-se somente a amar...Celeste

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 19/07/2008
Reeditado em 08/04/2012
Código do texto: T1087237
Classificação de conteúdo: seguro